Acórdão nº 50005962020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-07-2022

Data de Julgamento08 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50005962020228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002388864
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5000596-20.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

AGRAVANTE: WILSON RICARDO BERNARDES SIMAS

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE ESTEIO

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por WILSON RICARDO BERNARDES SIMAS contra decisão interlocutória que, nos autos da Ação de Reintegração de Posse, atualmente na fase de cumprimento de sentença, em que contende com MUNICÍPIO DE ESTEIO, rejeitou arguição de nulidade do processo.

Eis o teor da decisão agravada (evento 72 da origem):

"É de ser rejeitada a alegação de nulidade formulada pelo réu na petição do evento 59 em virtude da ausência de citação de sua companheira, formulada logo após a sua intimação para a desocupação da área invadida.

Como bem ponderado pelo autor, não há qualquer prova acerca da alegada união estável. Outrossim, ainda que a referida união existisse, trata-se de situação fática, sobre a qual não poderia o autor adivinhar.

De salientar que o réu foi o único beneficiário do terreno e, ao se qualificar, não informou que viva em união estável.

Também há que se ponderar que, citado, o réu não contestou o feito, oportunidade em que poderia ter esclarecido sua situação familiar.

Ao que parece, o réu aguardou o momento que lhe pareceu mais "oportuno" para trazer a informação de que convive em união estável e que, portanto, sua suposta companheira deveria ter sido citada, postura que viola a boa-fé objetiva.

Trata-se da chamada "nulidade de algibeira", que ocorre quando a parte resguarda a alegação de nulidade como verdadeira "carta na manga", para utilizá-la no futuro, quando houver decisão que lhe for desfavorável.

Sobre o tema, cito (grifos meus):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE (BENS IMÓVEIS). AÇÃO ANULATÓRIA. NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE COMPANHEIRA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. A probabilidade do direito alegado associada ao perigo de dano ou ao risco ao resultado útil do processo são requisitos que devem ser preenchidos para o deferimento da tutela provisória de urgência. Na hipótese dos autos, os requisitos legais para o deferimento da tutela de urgência não foram suficientemente preenchidos. É dever de todos aqueles que participam do processo proceder com boa-fé. Viola a boa-fé objetiva a chamada "nulidade de algibeira", guardada alegação de nulidade como "carta na manga". Ao menos em análise preliminar, a conclusão é no sentido de que a parte-agravante tinha conhecimento da litigiosidade envolvendo a posse do imóvel, de modo que sua inércia ao longo de todo processo de reintegração de posse e liquidação de sua sentença movidos apenas contra seu companheiro, com suscitação de nulidade por ausência de citação apenas quando do cumprimento da sentença que concedeu reintegração de posse aos agravados, se traduz em verdadeira ofensa à boa-fé processual, militando em desfavor de sua tese. Suficiente probabilidade não verificada. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50630541020218217000, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 22-10-2021)

Pelo exposto, REJEITO a alegação de nulidade.

Intimem-se as partes.

Preclusa a presente decisão, expeça-se mandado de desocupação compulsória, ficando autorizado o uso de força policial, se necessário."

Em suas razões recursais, sustenta que sua companheira, Maria Aparecida Dorneles, que também reside no imóvel objeto de reintegração de posse há aproximadamente 16 anos, não foi citada na fase de conhecimento. Afirma conviver em união estável com Maria Aparecida desde 1999, tratando-se de fato de conhecimento da vizinhança. Alega que a mesma é analfabeta, pobre e deficiente física, tendo assinado a declaração em que afirma residir no imóvel litigioso a rogo, e que a sua posse sobre o imóvel resta provada pelas faturas de energia elétrica acostadas aos autos. Nesse cenário, afirma estar configurado o litisconsórcio necessário, conforme previsão dos arts. 113 e 114 do CPC, fazendo-se necessária a citação de Maria Aparecida, sua companheira, já que compossuidora do imóvel. Forte nesses argumentos, pugna pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, no mérito, pelo provimento do recurso para que seja declarada a nulidade processual.

Regularmente distribuído, o recurso foi recebido em seu efeito meramente devolutivo.

Intimado, o Município de Esteio apresentou contrarrazões (evento 11) afirmando que não há provas suficientes para demonstrar a suposta união estável mantida entre o agravante e Maria Aparecida Dorneles. Pontua existir apenas uma declaração particular lavrada a rogo, em que a mesma afirma residir com o agravante desde 1999. Afirma que as faturas de energia elétrica remontam a dezembro de 2018, junho e julho de 2019. Alega o imóvel litigioso passou por regularização em 19/12/2016 e que notificou o agravante para que recuasse a cerca/muro para as medidas originais do lote em agosto de 2018. Em nenhuma das oportunidades se registrou existência de Maria Aparecida. Assevera que a posse de bens públicos é jurídica, que a ocupação irregular por particulares configura mera detenção e não gera direito a indenização de qualquer natureza, conforme súmula nº 619 do STJ. Requer o desprovimento do recurso.

Em que pese regularmente intimada, a parte agravada deixou o prazo para contrarrazões fluir in albis.

O Ministério Público, neste grau recursal, ofertou parecer pelo desprovimento do recurso(Evento 14).

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se, na origem, de Ação de Reintegração de Posse, atualmente na fase de cumprimento de sentença, proposta pelo Município de Esteio em face do agravante, tendo por objeto o imóvel registrado sob a matrícula nº 32.243 do Registro de Imóveis da Comarca de Esteio.

Proferida sentença de procedência da ação, o agravante foi intimado para desocupar voluntariamente o imóvel no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de desocupação compulsória, e apresentou impugnação suscitando a nulidade do processo, porque não citada, na fase de conhecimento, sua companheira, sra. Maria Aparecida Dorneles (eventos 27, 44 e 59 da origem).

A decisão agravada rejeitou a arguição de nulidade suscitada pelo agravante, sendo esse o objeto do recurso.

Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.

Pois bem.

Deflui da intelecção do art. 239 do CPC que "Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido".

Tratando-se de demanda possessória, o art. 73, §§2º e 3º, do CPC impõe a necessidade de citação de ambos os cônjuges ou companheiros nas hipóteses de composse, ad litteram:

"Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.(...)
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.

§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos."

Sobre esse dispositivo, oportuna a lição de Nelson Nery Júnior1:

"§ 2.º: 24. Ações possessórias. A norma deixa clara a desnecessidade da participação de ambos os cônjuges nas ações possessórias, salvo nas hipóteses de composse ou de atos praticados por ambos. V. coments. 11 e 19 CPC 73."

A corroborar esse entendimento, cito precedente do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CITAÇÃO DO CÔNJUGE. ART. 10, § 2º, DO CPC/1973. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. Segundo a jurisprudência do STJ, em regra, nas ações possessórias não há necessidade de citação do cônjuge da parte ré, salvo nos casos de composse ou de ato praticado por ambos os cônjuges.
2. Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmula n. 83/STJ).
3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7/STJ).
4. No caso concreto, para verificar a inexistência de composse entre a agravada e seu cônjuge, seria imprescindível nova análise da matéria fática, inviável em recurso especial.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 1.576.096/GO, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 30/3/2020, DJe de 1/4/2020.)

Descumprida essa determinação, nula será a sentença proferida sem a integração do litisconsorte passivo, consoante dicção do art. 115 do CPC:

"Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:
I - nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;
II - ineficaz, nos outros casos, apenas para os que não foram citados.

Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo."

Nesse sentido:

AÇÃO RESCISÓRIA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA COMPANHEIRA DO RÉU. LITISCONCSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NULIDADE DA SENTENÇA. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE....

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