Acórdão nº 50006008220208210095 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 03-02-2021

Data de Julgamento03 Fevereiro 2021
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50006008220208210095
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000492379
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000600-82.2020.8.21.0095/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária

RELATOR: Desembargador GLENIO JOSE WASSERSTEIN HEKMAN

APELANTE: LORAINE LIANE SCHONINGER (AUTOR)

APELADO: RAUL GERNHARDT (RÉU)

APELADO: VANDA INES BALLARDIN (RÉU)

RELATÓRIO

LORAINE LIANE SCHONINGER interpôs apelação cível, inconformada com a sentença (evento) que julgou extinto o processo ajuizado contra RAUL GERNHARDT E VANDA INES BALLARDIN, sem resolução de mérito, com base no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, reconhecendo a carência da ação por ausência de interesse processual da parte autora.

A recorrente nas suas razões recursais (evento 16), inicialmente, relata que ajuizou ação para regularização do domínio sobre o terreno localizado dentro do todo maior matrícula nº 44.527 do Registro de Imóveis de Estância Velha/RS, local onde ergueu um prédio residencial que serve de moradia para a autora e sua família. Alega que não consegue registrar o imóvel, em que pese as inúmeras tentativas. No mérito, sustenta que merece reforma a sentença, porquanto o juiz a quo não levou em consideração que o terreno está inserido dentro do todo maior, matrícula nº 44.527 do Registro de Imóveis de Estância Velha/RS, fato que, por si só, inviabiliza o registro do contrato de compra e venda na forma do art. 167, inc. I, da Lei 6.015/1973, bem como impossibilita o ajuizamento de ação de adjudicação compulsória, pelo mesmo motivo. Sustenta que, nestas circunstâncias não resta alternativa à recorrente, se não, o ajuizamento da competente ação de usucapião extraordinária, estando, portanto, configurado o interesse processual da apelante. Cita jurisprudência. Requer seja conhecido e provido o presente recurso para o fim de determinar o retorno dos autos a origem para processamento da presente ação de usucapião extraordinária, tendo em vista a demonstração do interesse processual da recorrente, que não possui outro meio de obtenção da tutela jurisdicional pretendida, se não pela ação de usucapião extraordinária ajuizada.

Em atenção a promoção do MP (evento 09), os réus foram devidamente citados (evento 25), entretanto, transcorreu o prazo sem manifestação dos mesmos.

O Ministério Público opinou pelo provimento do apelo (evento 32), conforme a ementa a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. 1. À luz da jurisprudência do STJ, o contrato de promessa de compra e venda constitui justo título apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião. 3. Recurso que deve ser provido para que seja desconstituída a sentença, dando-se regular prosseguimento ao feito. Precedentes. Parecer pelo conhecimento e provimento do apelo.

Vieram os autos conclusos a este Relator para julgamento.

É o breve relatório.

VOTO

Tempestiva e devidamente preparada, recebo a presente apelação nos seus efeitos legais (CPC, art. 1.012, caput).

Conforme se conclui do relatório, cuida-se de ação de usucapião extraordinária, com finalidade de regularizar o domínio do terreno localizado dentro do todo maior matrícula nº 44.527 do Registro de Imóveis de Estância Velha/RS, adquirido por meio de instrumento particular de compra e vende. Local onde a apelante ergueu um prédio residencial que serve de moradia para a autora e sua família, há quase vinte anos. Para tanto, sustenta ser senhora e possuidora do imóvel, conforme instrumento particular de compra e venda, bem como preenche todos os pressuposto da modalidade eleita (usucapião extraordinária).

Entendeu o Magistrado, no entanto que, falta interesse processual da demandada (CPC, art. 485, VI), em decisão, assim, fundamentada:

(...)

Busca a autora ver declarado o seu domínio sobre o imóvel descrito na inicial, com fundamento no art. 1.238, do Código Civil, sob a alegação do exercício de posse mansa, pacífica e com ânimo de dona, corroborada por contrato de promessa de compra e venda.

Ocorre que, em regra, a ação de usucapião não é via adequada para se buscar o registro de um imóvel, com base em contrato de promessa de compra e venda, por constituir forma originária de aquisição de propriedade, devendo vir acompanhada de todos os requisitos legais autorizadores, exigindo-se a posse qualificada (a que preenche determinados requisitos) e o ânimo de dono.

Ressalte que o contrato de promessa de compra e venda, é documento hábil ao registro, conforme prevê o art. 167, inc. I, 18, da Lei 6.015/1973.

Portanto, carece a parte autora de interesse processual para propor a ação de usucapião, quando detém título hábil a realizar o registro do imóvel.(grifei)

Prospera o inconformismo da apelante.

Inicialmente, friso que, há interesse processual da autora-apelante em buscar a tutela jurisdicional para regularizar o domínio do imóvel localizado dentro do todo maior matrícula nº 44.527 do Registro de Imóveis de Estância Velha/RS.

Observo que, o interesse processual de agir refere-se à necessidade, utilidade e proveito da tutela jurisdicional para que o autor obtenha a satisfação do direito pleiteado e justifica-se na medida em que não convém ao Estado acionar o aparato judicial sem que dessa atividade possa ser extraído algum resultado útil (In Direito Processual Civil Contemporâneo Humberto Dalla Bernardina de Pinho, V. 1 – Teoria Geral do Processo, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 190).

Segundo comentário de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, no Código de Processo Civil Comentado: Existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda quando essa tutela jurisdicional pode trazer alguma utilidade do ponto de vista prático. Verifica-se o interesse processual quando o direito tiver sido ameaçado ou efetivamente violado (v.g. pelo inadimplemento da prestação e resistência do réu à pretensão do autor)” (Código de Processo Civil Comentado, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.700).

Além disso, cumpre asseverar que, ao contrário do que entendeu o Juízo a quo, ainda que tenha havido um negócio jurídico de compra e venda é cabível a regularização da propriedade pela via da usucapião, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto.

No caso concreto, o que consta dos autos é um instrumento particular de compra e venda (CONTRAT6) localizado dentro do todo maior, firmado entre o proprietário registral (MATRÍMÓVEL7) e a apelante, situação fática que inviabiliza a regularização do imóvel.

Ressalto que, na espécie, o instrumento particular de compra e venda (CONTRAT6) não é documento apropriado à transferência da propriedade, fato que, inviabiliza a adjudicação compulsória, para suprir a vontade dos proprietários registrais. Assim, não há como ser negada a ação de usucapião (por ausência de interesse processual) como modo de regularização da propriedade. De modo que, o instrumento particular (CONTRAT6) constitui justo título apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião.

Nesse linha, leciona BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO: Repetindo lição de Caio Mário da Silva Pereira, a conceituação de justo título leva, pois, em consideração a faculdade abstrata de transferir a propriedade, e é nesse sentido que se diz justo qualquer fato jurídico que tenha o poder , em tese, de efetuar a transmissão, embora na hipótese lhe faltem os requisitos para realizá-la. Assim, a compra e venda, a doação, a arrematação, etc. transmitem a propriedade (tese), constituem justo título para aquisição ‘per usucapionem’ no caso de ocorrer uma falha, um defeito, um vício formal ou intrínseco, que lhe retirem aquele efeito na hipótese. Inquinado, porém, de falha, não mais poderá ser atacado, porque o lapso de tempo decorrido expurgou o da imperfeição, e consolidou a propriedade do adquirente” (Tratado de Usucapião, Volume II, 7ª edição, São Paulo, 2010). Friso que, é o que ocorre no caso em exame.

A propósito, cito julgados da Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. POSSE. AÇÃO DE USUCAPIÃO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. EXISTÊNCIA DE CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE ANTE AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO Em que pese a autora esteja munida de um antigo contrato particular de compra e venda celebrado pelo seu falecido marido com terceiro, as peculiaridades do caso autorizam a procedência da ação de usucapião, uma vez que o contrato não se mostra apto à pronta conversão em escritura pública, além de terem sido preenchidos integralmente os requisitos exigidos pelo artigo 1.238, do Código Civil, autorizando o reconhecimento da aquisição originária. Modificação da sentença para que a ação seja julgada procedente. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70074477498, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em 13/12/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. JUSTO TÍTULO. MODALIDADE ORDINÁRIA. REQUISITOS DEMONSTRADOS. Embora a ação de usucapião seja forma originária de aquisição da propriedade e que, em verdade, a parte busque a regularização do registro imobiliário, não se pode perder de vista o entendimento consolidado dos Tribunais...

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