Acórdão nº 50006020620198210057 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50006020620198210057
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003044444
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000602-06.2019.8.21.0057/RS

TIPO DE AÇÃO: Nota promissória

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: ROQUE LUIZ BRAGAGNOLLO GOULART (EMBARGANTE)

APELANTE: SONIA MARIA BRAGAGNOLO GOULART (EMBARGANTE)

APELADO: VALDIR ANTONIO RAMOS (EMBARGADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ROQUE LUIZ BRAGAGNOLLO GOULART E SONIA MARIA BRAGAGNOLO GOULART em face da sentença prolatada nos embargos que opõem à execução movida por VALDIR ANTONIO RAMOS, com o seguinte dispositivo (Evento 55 do processo de origem):

III- Dispositivo:

Isso posto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE aos embargos à execução movidos por SONIA MARIA BRAGAGNOLO GOULART e ROQUE LUIZ BRAGAGNOLLO GOULART em face de VALDIR ANTONIO RAMOS.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais honorários advocatícios do procurador da parte contrária, que fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa, conforme artigo 85, §2º do Código de Processo Civil. Entretanto, resta suspensa a exigibilidade de tais verbas pelo fato de a requerente litigar sob o pálio da gratuidade judiciária.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Deve-se dar prosseguimento à execução.

Nada mais sendo requerido, arquive-se, com baixa.

D.L.

A parte-embargante ROQUE LUIZ BRAGAGNOLLO GOULART E SONIA MARIA BRAGAGNOLO GOULART, por suas razões de apelação (Evento 62 do processo de origem), insurge-se contra o desacolhimento dos embargos à execução. Relata tratar de embargos opostos à execução de notas promissórias emitidas pelo executado falecido ANTÔNIO GOULART, guardando a condição de herdeiros do executado. Alega incapacidade civil do executado, indicando condição de viciado em álcool e drogas até seu suicídio, bem como prática de agiotagem pelo exequente. Preliminarmente, volta-se contra a decisão prolatada en sede de audiência de instrução, a qual que indeferiu pedido de perícia indireta. Suscita cerceamento de defesa. Aponta que os documentos médicos juntados demonstram a evolução dos problemas causados pelo álcool e pelo crack, sendo necessária a realização de perícia para, frente a tais documentos, demonstrar a incapacidade do executado. Refere que os depoimentos das testemunhas corroboram a alegação. Em relação ao mérito, reitera suas teses de incapacidade civil e de agiotagem. Aponta que, entre 2005 e 2018, o executado apresentou quadros de dependência química extrema, passando por diversas clínicas e hospitais. Faz menção à necessidade da ajuda de familiares e amigos para se alimentar e higiene básica. Descreve que entre fevereiro e março de 2017, a dependência atingiu seu auge, faltando-lhe discernimento para os atos da vida civil. Suscita má-fé do exequente, indicando que o forçou a emitir as cártulas sem qualquer negócio subjacente. Refere o falecimento do executado mediante suicídio em dezembro de 2018. Alega nulidade das notas promissórias por dolo. Faz menção ao depoimento das testemunhas, indicando que o executado foi consumido por seu vício. Ao final, pugna pelo provimento do recurso para o fim de desconstituir a sentença e oportunizar a produção de prova pericial. Sucessiva e eventualmente, reclama o provimento do recurso para o fim de acolher os embargos à execução.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 65 do processo de origem).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC.

É o relatório.

VOTO

CERCEAMENTO DE DEFESA. PERÍCIA INDIRETA.

O Princípio da Ampla Defesa encontra-se consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Consoante Rui Portanova1 que “além do direito de tomar conhecimento de todos os termos do processo (princípio do contraditório), a parte também tem o direito de alegar e provar o que alega”.

Por outro lado, a posição do signatário é no sentido que o Juiz é o destinatário da prova, incumbindo a ele, mediante a análise do quadro probatório existente nos autos, avaliar quais as provas são necessárias à instrução do processo e indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 370, parágrafo único, do CPC/2015).

Na hipótese dos autos, a parte-embargante insurge-se contra a decisão que indeferiu pedido de perícia médica indireta, para que, com base nos documentos e depoimentos produzidos nos autos, realizasse avaliação sobre capacidade civil do falecido executado no momento da emissão das notas promissórias executadas.

Todavia, sem razão sua alegação.

Como bem explanado pela decisão recorrida (doc. "TERMOAUDI1" do Evento 53 do processo de origem):

Sobre o pedido de prova pericial médica nos prontuários do falecido JOÃO ANTÔNIO GOULART, formulado pelos embargantes, já adianto que vai indeferido. Os laudos, prontuários, exames e diversos outros documentos médicos acostados no Evento 01, OUT6 e OUT7, fazem referência a internações hospitalares do falecido JOÃO ANTONIO desde o ano de 2005 até o ano de 2017, próximo da data de seu falecimento, fato ocorrido em 27.12.2018. Ditos documentos se referem, em sua enorme maioria, a doenças do aparelho digestivo, havendo menções também a tratamentos para combate ao alcoolismo, e são bastante claros quanto ao estado de saúde do paciente. Considerando o que os embargantes pretendem comprovar – a incapacidade do falecido, decorrente do abuso de álcool e drogas, para praticar atos da vida civil nos períodos em que assinou as notas promissórias objeto da ação de execução -, tenho que a realização de perícia médica em nos documentos acostados é prova absolutamente desnecessária. Os documentos já trazem ao processo as informações suficientes ao deslinde das questões suscitadas pelas partes, sendo que, neste caso, o perito médico não terá subsídios para trazer informações diferentes daquelas já expostas claramente nos documentos. Indefiro, por esses motivos, a prova pericial requerida.

De fato, recaindo sobre a condição da capacidade civil do executado já falecido no momento da assinatura de notas promissórias, a avaliação médica dos prontuários juntados aos autos e dos depoimentos prestados não agregaria ao processo o deslinde de tal questão, sendo irrelevante a tal finalidade.

Com efeito, tratando-se de pessoa já falecida e não interditada, os esclarecimentos técnicos a serem realizados por profissional da área médica seriam prejudicados, de modo que acarretariam no máximo suposições e possibilidades, as quais não solveriam de forma segura o objeto do litígio, tornando onerosa e despicienda a medida.

Impõe-se, assim, a rejeição da preliminar de cerceamento de defesa.

NOTAS PROMISSÓRIAS. CAUSA SUBJACENTE. INCAPACIDADE CIVIL. AGIOTAGEM. NULIDADE.

A validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 do Código Civil).

Nos termos do art. 4º do Código Civil:

Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

À evidência, a livre e espontânea declaração de vontade das partes é elemento essencial para constituição do negócio jurídico, razão pela qual a incapacidade do agente acarreta a anulabilidade do ato.

Nos termos do inciso I do art. 171 do Código Civil:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

Ainda que não se trate de agente interditado, a prévia incapacidade civil incidente no momento da realização do ato jurídico pode ensejar sua nulidade, exigindo, contudo, prova robusta em tal sentido.

Nesse sentido, transcrevo jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. CITAÇÃO EM NOME DE INCAPAZ. INCAPACIDADE DECLARADA POSTERIORMENTE. NULIDADE NÃO RECONHECIDA. INTERVENÇÃO DO MP. NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI N. 13.146/2015. DISSOCIAÇÃO ENTRE TRANSTORNO MENTAL E INCAPACIDADE.
1. A sentença de interdição tem natureza constitutiva, caracterizada pelo fato de que ela não cria a incapacidade, mas sim, situação jurídica nova para o incapaz, diferente daquela em que, até então, se encontrava.
2. Segundo o entendimento desta Corte Superior, a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, opera efeitos ex nunc. Precedentes.
3. Quando já existente a incapacidade, os atos praticados anteriormente à sentença constitutiva de interdição até poderão ser reconhecidos nulos, porém não como efeito automático da sentença, devendo, para tanto, ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, com demonstração de que a incapacidade já existia ao tempo de sua realização do ato a ser anulado (GRIFEI).
4. A intervenção do Ministério Público, nos processos que envolvam interesse de incapaz, se motiva e, ao mesmo tempo, se justifica na possibilidade de desequilíbrio da relação jurídica e no eventual comprometimento do contraditório em função da existência da parte vulnerável.
5. A ausência da intimação do Ministério Público, quando necessária sua intervenção, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica, à luz do princípio...

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