Acórdão nº 50006072720168210059 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50006072720168210059
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001711435
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000607-27.2016.8.21.0059/RS

TIPO DE AÇÃO: Leve (art.129, caput)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra ZILMAR DA SILVA, dando-o como incurso no artigo 129, §9º, do Código Penal, com incidência da Lei n.º 11.340/06, tendo como vítima Elis Regina de Oliveira.

A denúncia foi recebida no dia 22/03/2017.

O acusado foi citado e apresentou defesa à acusação.

Na sequência, após regular instrução criminal do feito, e apresentadas as alegações escritas, sobreveio sentença, de lavra da Juíza de Direito, Dra. Anna Alice da Rosa Schuh, de procedência da ação penal, condenando o réu como incurso nas sanções do artigo 129, §9º, do CP, à pena de 03 (três) meses de detenção, em regime aberto, pena suspensa condicionalmente pelo prazo de dois anos (ev. 3.2, pags. 45/50).

A sentença foi publicada em 12/11/2019.

Inconformada, a defesa técnica interpôs recurso de apelação. Em suas razões, arguiu preliminar de declinação de competência para o Juizado Especial Criminal, alegando, para tanto, que não se trata de violência de gênero, com abrangência da Lei Maria da Penha. No mérito, postulou a absolvição do acusado, por insuficiência probatória, e defendeu a ocorrência de legítima defesa (ev. 3.3, pag. 06/12).

A acusação apresentou contrarrazões (ev. 3.3, pags. 15/17).

Em segundo grau, o Ministério Público opinou pelo acolhimento da prefacial e, no mérito, pelo desprovimento do recurso defensivo (ev. 7.1).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores.

O recurso defensivo se apresenta adequado e tempestivo.

Começo enfrentando a preliminar arguida pela defesa a respeito da não incidência da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), a que, adianto, estou por rejeitar.

Com efeito, as hipóteses de incidência da norma protetiva vêm fixadas no artigo 5º da Lei Lei 11.340/06, cujos incisos estabelecem as balizas para configuração da violência doméstica contra a mulher. Confira-se:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Como se pode ler do dispositivo transcrito, para a incidência das disposições da Lei 11.340/2006 é necessário o preenchimento de três requisitos cumulativos, a saber: (a) que o sujeito passivo seja mulher; (b) que haja a prática de violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, em contexto de vulnerabilidade da vítima; e (c) que a violência seja praticada no âmbito da unidade doméstica, da família ou de qualquer relação íntima de afeto, de forma dolosa.

Na situação presente, consta assim da denúncia:

"No dia 12 de fevereiro de 2016, por volta das 17h, na localidade de Prainha, n.º 1.050, em Maquiné/RS, o denunciado ZILMAR DA SILVA ofendeu a integridade corporal de Elis Regina de Oliveira, provocando-lhe as lesões somáticas descritas na Ficha de Atendimento Ambulatorial (fls. 14 e 16).

Na ocasião, o denunciado, após ter removido um cano de esgoto visando abrir uma passagem no pátio da ofendida, foi por ela questionado se tal passagem não poderia ser feita do outro lado. Diante do questionamento da vítima, ambos passaram a discutir, oportunidade em que o acusado desferiu um golpe de facão que atingiu o olho da ofendida.

O denunciado, primo da vítima, cometeu o crime com violência física contra a mulher, na forma dos arts. 5º, II, e 7º, I, da Lei nº 11.340/2006"

Penso que está configurada hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06.

Isso porque, conquanto não haja efetiva relação de afeto entre os primos, da narrativa fática constante dos autos, vê-se que ambos, vítima e agressor, eram vizinhos, sendo que suas casas estavam "grudadas" uma da outra, havendo clara interação entre as famílias, formando de fato uma verdadeira unidade doméstico-familiar.

Não por acaso a briga teria se originado por conta de um bloqueio da passagem para a casa do agressor, que teria sido feito pela vítima. O acusado retirou um cano do pátio da ofendida para abrir a passagem, o que reforça a conclusão de que ambas as unidades familiares conviviam de fato, dada a aproximação.

Além disso, há elementos suficientes que apontam no sentido de que a vítima - prima do acusado (em certo momento é chamada de tia - ev. 3.1, pag. 20) encontrava-se em posição de vulnerabilidade ou inferioridade em face do agressor, o que amolda o fático típico ao disposto na Lei 11.340/2006.

Nesse sentido:

CONFLITO DE JURISDIÇÃO. INCIDENTES ENTRE PARENTES. NÃO INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. CONFLITO IMPROCEDENTE. Como decide este Colegiado, “A fixação de competência no âmbito dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, criados pela Lei 11.340/06, depende da análise de três vetores que indicam, quando presentes de forma cumulativa, a incidência da cognominada Lei Maria da Penha. A um, a existência de relação íntima de afeto entre agressor e vítima; a dois, a violência de gênero, direcionada à prática delitiva contra mulher; e, a três, a situação de vulnerabilidade da vítima em relação ao agressor. (Conflito de Jurisdição 70079651188).” No caso, houve uma briga generalizada entre familiares – primos e tios – sem vinculação com a vulnerabilidade, ínsita à violência doméstica. Conflito de jurisdição improcedente.(Conflito de Jurisdição, Nº 70080554884, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em: 27-03-2019) - grifei

Ademais, lembro que o fato de o agressor ser primo da vítima (e não cônjuge/companheiro) não afasta a possibilidade de incidência da norma protetiva, sendo indispensável observar que o tipo penal previsto 129, §9º do Código Penal se subsome adequadamente à hipótese em que o agressor pratica a conduta contra "quem conviva ou tenha convivido", circunstância que vem confirmada pelos elementos dos autos.

Diante disso, rejeito a prefacial.

No mérito, é de ser confirmada a condenação.

Com efeito, tem-se que a materialidade delitiva está comprovada pelo registro de ocorrência policial, pelos informes médicos juntados aos autos (ev. 3.1, pags. 17/19), bem como pela prova oral colhida durante a instrução.

A autoria restou certa nos autos, pelo depoimento da vítima, e demais elementos probatórios, sendo pertinente no ponto a transcrição da prova oral conforme posta na sentença:

"Ao ser interrogado, Zilmar da Silva, após ser lida a denúncia, disse que agiu para se defender. Izaac e Regina lhe avançaram, Regina é sua prima. A estrada dá acesso à sua casa e a briga aconteceu em razão da estrada na casa do acusado. Ganhou judicialmente o acesso pela referida estrada. Reconhece ter acontecido briga com facão, mas apenas se defendeu dos golpes de sua prima e Izaac. Izaac estava com foice para lhe bater. Não complicou com o cano de esgoto. A fossa é depois de sua estrada, a qual foi fechada pela vítima. Sempre andava com facão, pois utiliza no seu dia-a-dia em seus afazeres. Izaac foi em sua direção lhe bater com a foice, apenas impediu com o facão, momento em que a foice acertou o risco de Izaac (mídia fls. 56).

A vítima Elis Regina de Oliveira, após ser lida a denúncia, informou que o fato aconteceu devido a um cano que o acusado tirou de seu pátio. Pediu para o acusado repor o cano, mas ele se negou. Foi agredida verbalmente e retrucou, depois de mais discussão, o réu lhe agrediu com um facão. Eram vizinhos. Ficou mais um ano sendo vizinha do acusado, não tinham nenhum outro motivo de briga. Estava com seu esposo e dois gilhos pequenos em casa no dia (mídia fl. 56)".

A testemunha Izaac Celistra da Silva, esposo da vítima, informou o acusado começou a briga com a sua esposa, e Elis respondeu, após o que o acusado bateu com o facão nela. Zilmar queria cortar o pescoço da vítima (mídia fls. 56).

Com efeito, a prova oral angariada, somada aos demais elementos dos autos, sobretudo o documento médico juntado, conduzem à tranquila conclusão quanto à prática delitiva pelo acusado.

Note que, dando amparo à versão da vítima, a ficha de atendimento ambulatorial registrou a presença das seguintes lesões, verbis: "ferimento corto-contuso no supercílio direito de ±3dm de extensão", "edema em toda a região do globo ocular à direita", e "edema em toda a bochecha à direita" (ev. 3.1, pag. 19).

Como se pode ver, as lesões corroboram o relato da vítima, pois são plenamente compatíveis com a...

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