Acórdão nº 50006082820208210073 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
Classe processualApelação
Número do processo50006082820208210073
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002057329
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000608-28.2020.8.21.0073/RS

TIPO DE AÇÃO: Auxílio-Doença Acidentário

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ERIKA BITENCOURT (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra sentença (evento 55 do processo originário) que, nos autos da ação movida por ERIKA BITENCOURT, julgou procedente o pedido inicialmente formulado, conforme parte dispositiva abaixo transcrita:

"Em face do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ERIKA BITENCOURT contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, para determinar que o réu restabeleça o benefício de auxílio-doença que a autora recebia, a contar da data da cessação (13/08/2019), condenando-o ao pagamento das parcelas vencidas e vincendas ao longo da presente demanda. No que se refere à atualização monetária da condenação, assinalo que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento proferido do Recurso Extraordinário nº 870947, firmou a tese de que é inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração básica e juros da caderneta de poupança, por impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal). No mesmo julgado, restou consignada a constitucionalidade do mesmo dispositivo legal no que se refere aos juros de mora quando o débito não é oriundo de relação jurídico-tributária. Dessa forma, deverá o valor da condenação ser atualizado pelo IPCA-E e ser acrescido de juros moratórios nos índices da caderneta de poupança, ambos contados do vencimento de cada parcela.

O réu é isento ao pagamento das custas processuais (Lei Estadual nº 14.634/14). Condeno o demandado ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, que estabeleço em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, conforme teor da Súmulas nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Tendo em vista os termos da fundamentação da sentença ora proferida e a natureza alimentar da verba postulada, entendo preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, motivo pelo qual antecipo os efeitos da tutela, determinando que o réu conceda imediatamente à demandante o benefício ora deferido.

Sentença não sujeita a reexame necessário.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se."

Em suas razões recursais, a autarquia apelante insurge-se, exclusivamente, contra a importância arbitrada a título de honorários sucumbenciais, requerendo a sua redução para 10% do somatório das parcelas vencidas até a data de prolação da sentença. Cita jurisprudência e pede o recebimento e o provimento do inconformismo.

Não foram apresentadas contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça, por sua vez, opinou pelo provimento do apelo interposto.

Vieram conclusos os autos.

É o sucinto relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso interposto, uma vez que atendidas as suas condições de admissibilidade.

Inicialmente, devo registrar minha compreensão de que a nova normatização do duplo grau obrigatório de jurisdição é suficientemente clara quanto à dispensa da remessa oficial nos casos em que a sentença for impugnada mediante recurso voluntário da Fazenda Pública.

Ora, é de conhecimento geral que não se presumem, na lei, palavras inúteis. Recomenda a boa hermenêutica, efetivamente, que todas as palavras, expressões, locuções e orações empregadas em textos normativos devem ser compreendidas, sempre que possível, com a sua devida utilidade e eficácia, em conformidade com a velha máxima segundo a qual verba cum effectu sunt accipienda.

Sob tal perspectiva, é preciso reconhecer que expressões e termos introduzidos em legislações revogadoras – seja mediante substituição de uma palavra, frase ou período anteriormente positivado na norma, seja mediante acréscimo de uma ou mais expressões que não constavam do texto revogado – ganham especial relevo quando se busca interpretar determinada regra a partir da nova redação que lhe foi conferida.

E dúvida não há, nesse passo, de que o Código de Processo Civil de 2015 constitui um dos exemplos mais atuais da legislação nacional em que as diversas mutações implementadas no respectivo texto normativo devem ser analisadas eficaz e criteriosamente, à luz do próprio espírito de transformação estrutural do processo que a codificação nova buscou infundir nos seus intérpretes e aplicadores.

No caso do reexame necessário, observam-se relevantes mudanças em sua disciplina normativa no âmbito do novo Código, cabendo destacar, nesta específica análise, a expressa eliminação do seu cabimento quando identificada a interposição de recurso voluntário pela Fazenda Pública sucumbente.

Repare-se que a alteração operada na redação do artigo 475, § 1º, do velho CPC, embora seja aparentemente sutil, materializa o intuito inequívoco do legislador de extinguir a possibilidade de trâmite conjunto da remessa oficial com apelações voluntariamente interpostas por entes fazendários.

Com efeito, assim dispunha a norma revogada:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (Grifei)

Deveras, o excerto acima grifado não abria margem para dúvidas interpretativas, pois nele se determinava, com clareza, que a remessa dos autos era impositiva independentemente de apelação voluntariamente interposta. Vale dizer: no regime anterior, houvesse ou não apelação do ente público vencido, deviam os autos ser sempre remetidos ao Tribunal para reapreciação da lide quando configurada uma das hipóteses legais do reexame necessário.

A regra correspondente no novo Código, entretanto, suprimiu o fragmento textual acima destacado, com sua consequente substituição por trecho de significação substancialmente diferente (cuja inserção, a toda a evidência, não pode ser concebida como vã). Veja-se:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. (Grifei)

Como dito, a modificação textual acima sublinhada revela o propósito claro do legislador de limitar a incidência do duplo grau obrigatório aos casos em que a Fazenda Pública deixa de recorrer voluntariamente da sentença. Deve-se apreendê-la, a valer, em sentido condicional, com a conseqüente inferência de que o juiz só deve ordenar a remessa oficial dos autos se não houver interposição de apelação no prazo legal, isto é, desde que não sobrevenha apelo tempestivo da pessoa jurídica de direito público.

A meu sentir, a inovação em comento é bastante compreensível se considerarmos o atual estágio de estruturação e desenvolvimento dos sistemas de representação judicial das Fazendas Públicas. Como cediço, as pessoas de direito público...

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