Acórdão nº 50006082920188210160 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50006082920188210160
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001435293
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000608-29.2018.8.21.0160/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação, interposta por VALDIR GOECKS, contra decidir que o condenou, como incurso nas sanções do artigo 12 da Lei nº 10.826/03, c/c o artigo 61, inciso I, do CP, às penas de 01 ano, 05 meses e 15 dias de detenção, no regime aberto, e de 15 dias-multa, por fato assim descrito na inicial acusatória:

"FATO DELITUOSO

No dia 27 de abril de 2018, por volta de 01h, em uma residência próxima à Escola Gonçalves Dias, em Linha Ferraz, Vera Cruz/RS, o denunciado possuía, no interior de sua residência, 01 (uma) arma de fogo de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, além de munições intactas e cartuchos deflagrados.

Na oportunidade, Policiais Militares foram acionados para atender uma ocorrência de violência doméstica na casa do imputado. Chegando nas proximidades do local indicado, os milicianos encontraram a companheira e a cunhada do denunciado, que permitiram que eles ingressassem na residência, onde encontraram Valdir com 01 (uma) espingarda, marca CBC, calibre .24, número 51921, modelo 651.

Foram, ainda, apreendidos na residência: 02 (dois) pedaços de madeira, cabo artesanal para socar munição artesanal; 01 (uma) cartela de espoletas, contendo 25 (vinte e cinco) espoletas para calibre 12, 16, 20, 24 e 28, marca CBC; 01 (um) pote de plástico para armazenar pólvora, contendo chumbinho, para recarga de munição; 01 (um) pote de pólvora vazio e outro contendo pouca pólvora; 04 (quatro) munições de plástico, calibre .12, deflagrados; 01 (um) cartucho de plástico, calibre .20, de plástico deflagrado. (fl. 13), consoante auto de apreensão da fl.

Realizada perícia na referida arma, constatou-se que a mesma estava apta para produzir disparos (fl. 60)."

Nas razões, alegando inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, atipicidade da conduta, insuficiência probatória e ilicitude da prova por invasão de domicílio, pede absolvição. Subsidiariamente, pede redução das penas, substituição da corporal por restritivas de direito, bem como isenção de multa e das custas processuais.

O recurso foi contrarrazoado.

Em parecer escrito, a Dra. Procuradora de Justiça opina pelo improvimento da desconformidade.

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. Analiso, inicialmente, a alegação de ilegalidade da prova por ingresso ilegal na residência do apelante.

O ingresso da força policial na moradia do recorrente, ainda que sem mandado judicial, não constituiu violação de domicílio, eis presente hipótese de flagrante delito, conforme previsto na Constituição Federal:

Artigo 5º, inc. XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. - grifo nosso

No caso vertente, a prévia e fundada suspeita se mostrou clara, pois os policiais militares foram acionados para atender ocorrência de violência doméstica, dando conta de que o réu, ora apelante, havia efetuado disparos de arma de fogo, ameaçando as vítimas Maria Solange e Elenice.

Cabe destacar, ainda, que a posse/porte irregular de arma de fogo e/ou munição é delito de natureza permanente, de consumação prolongada. Assim, enquanto o agente estiver possuindo o armamento e/ou munição - e havia fundada suspeita para assim acreditar -, persiste o crime, prescindindo, portanto, de autorização judicial em caso de flagrante.

Isso considerado, não há falar que a prova da materialidade foi obtida de forma ilícita.

3. No que diz com os argumentos de inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato e de ausência de potencialidade lesiva da conduta, não assiste razão à defesa.

O delito de porte ilegal de arma de fogo se trata de crime de perigo abstrato, cuja norma objetiva prevenir a ocorrência de outros ilícitos.

O tipo penal em tela não exige que o agente pretenda praticar algum crime com a arma, bastando que incorra numa das condutas tipificadas no dispositivo denunciado.

Por isso, tal crime é considerado como de mera conduta, ou seja, não exige nenhum resultado fático para sua consumação. Aliás, o escopo do legislador, ao tipificar as condutas relativas às armas de fogo, foi o de garantir proteção contra ofensa à incolumidade pública, a qual, nos termos da lei, é presumida.

Nesses crimes, o legislador tipifica um agir que, por si só, representa alta potencialidade danosa à sociedade, e o reprova, não exigindo qualquer resultado para sua configuração.

Não protegem diretamente a vida, mas, sim, a incolumidade pública, independendo, portanto, da demonstração efetiva de ocorrência de perigo à coletividade.

Outrossim, de acordo com a Súmula Vinculante n.º 10, da Corte Suprema, que consolidou o princípio da reserva de plenário, instituído no artigo 97, da Constituição Federal, não seria possível a esta Câmara Criminal declarar a inconstitucionalidade do artigo 14, da Lei n.º 10.826/03, por descaber a um órgão fracionário dos Tribunais afastar a incidência, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo.

Eis sua redação:

Súmula Vinculante nº 10, STF: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”

Além disso, vale lembrar que o STF, ao julgar a ADIN nº 3.112-1, relativa à Lei de Armas, declarou como inconstitucionais, tão-somente, os parágrafos únicos dos seus artigos 14 e 15, bem como seu artigo 21.

Nada há de inconstitucional, portanto, em suas demais previsões e determinações.

4. Tocante ao argumento de abolitio criminis, saliento, inicialmente, que o pela defesa invocado Decreto nº 5.123/04 foi revogado pelo Decreto nº 9.785/19, o qual, após, revogado pelo Decreto nº 9.847/19.

Sem delongas, para que a punibilidade seja extinta pela abolitio criminis temporária, o agente deve entregar o artefato bélico de forma espontânea, o que, logicamente, deve acontecer antes do flagrante e da apreensão deste.

Neste sentido é o entendimento desta 4ª Câmara Criminal do TJRS acerca da matéria, conforme abaixo exemplifico:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 14, DA LEI Nº 10.826/03. ABOLITIO CRIMINIS. ART. 32, DA MESMA LEI. NÃO INCIDÊNCIA. A abolitio criminis prevista no art. 32, da Lei nº 10.826/03, e no art. 58, do Decreto nº 9.785/19, que, revogado, restou repetido no art. 50, do Decreto nº 9.847/19, exige que a entrega do armamento seja espontânea, ou seja, anterior ao flagrante e à apreensão do artefato, situação que não ocorreu no caso dos autos. Ainda, a aplicação deste instituto fica restrita à conduta de posse de arma de fogo, e não porte de arma. EMBARGOS DESACOLHIDOS” (Embargos de Declaração Criminal, Nº 70083297994, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em: 05-12-2019)”.

Sem trânsito, portanto, o argumento.

5. Dando sequência, verifico que as provas demonstraram de modo robusto que o réu possuía arma de fogo, não carecendo de qualquer reforma a sentença, no ponto.

Com efeito, "a materialidade do delito está consubstanciada pelos elementos colhidos no inquérito policial, em especial pelo auto de prisão em flagrante (fl. 14), pela ocorrência policial (fl. 09), auto de apreensão (fl. 13), laudo pericial de funcionamento de arma de fogo, fl. 76, bem como pela prova oral colhida.

A autoria restou demonstrada, não só pela prova material existente, mas igualmente pela prova testemunhal.

As testemunhas de acusação narraram que:

O Policial Militar RENAN FERNANDES disse em juízo que se recordava da ocorrência que atendeu, envolvendo o Valdir Goecks. Contou no dia em que teria se sucedido o fato, foi chamado para atender uma ocorrência no...

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