Acórdão nº 50006294020208210158 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50006294020208210158
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003275494
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000629-40.2020.8.21.0158/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000629-40.2020.8.21.0158/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador UMBERTO GUASPARI SUDBRACK

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

ADVOGADO(A): CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885)

APELADO: HILDA LURDES FROZZI (AUTOR)

ADVOGADO(A): GILBERTO LUIZ DA SILVA (OAB RS070718)

RELATÓRIO

De início, transcrevo o relatório da sentença:

HILDA LURDES FROZZI ajuizou esta ação declaratória de nulidade de contrato cumulada com reparação por dano moral em face do BANCO BMG S.A., ambos qualificados nos autos.

Aduziu, em suma, ser aposentada do Instituto Nacional do Seguro Social, recebendo o benefício nº NB 138.529.400-8. Referiu ter verificado a ocorrência de desconto em seu benefício, a título de cartão de crédito, "desde o ano de 2017 de contrato de cartão de nº 12771732 no valor mensal de R$ 52,25, (cinquenta e dois reais e vinte e cinco centavos), desconto este não contratado". Registrou que "os descontos do contrato de cartão de crédito irregular totaliza a quantia de R$ 2.246,75 (dois mil duzentos e quarenta e seis reais e setenta e cinco centavos), com descontos sem previsão de término". Sustentou a ilegalidade da contratação. Asseverou ser caso de incidência do Código de Defesa do Consumidor, com reconhecimento da responsabilidade objetiva da parte demandada. Argumentou fazer jus à repetição do indébito. Discorreu acerca do dano moral sofrido. Colacionou julgados para ilustrar os argumentos. Ao final, requereu: a) o deferimento de gratuidade de justiça; b) a concessão de tutela de urgência, com a consequente suspensão dos descontos; c) a declaração de irregularidade do contrato nº 12771732, condenando o réu a restituir os valores descontados de forma dobrada e corrigida; d) a condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos no valor de 5 (cinco) salários-mínimos; e) a condenação do réu ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Juntou procuração e documentos (Evento 1).

Foram deferidas a gratuidade de justiça e a tramitação preferencial, sendo determinada a emenda à inicial (Evento 3).

A parte autora apresentou emenda à inicial (Evento 6).

Houve deferimento do pedido de tutela de urgência (Evento 8).

Citada, a parte ré apresentou contestação (Evento 13). Arguiu, prejudicialmente, a prescrição trienal, a teor do disposto no artigo 206, § 3º, inciso IV, do Código Civil. Mencionou que as partes celebraram o Contrato de Cartão de Crédito BMG CARD nº 5259.0927.1347.5117, oportunidade em que foi acordada, também, a averbação de Reserva de Margem Consignável - RMC no Benefício nº 1385294008, valor de R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais), destinado ao desconto do valor mínimo das faturas que iam sendo geradas conforme a utilização do cartão, incumbindo à parte autora o pagamento do valor restante da fatura que não fora objeto de desconto. Informou que no ato da contratação foi solicitado saque autorizado no valor de R$ 1.090,60 (mil e noventa reais e sessenta centavos), cujo montante foi disponibilizado à parte autora. Sustentou que a parte autora teve prévio conhecimento acerca das cláusulas contratuais pactuadas, firmando o pacto. Aduziu a ausência de ilegalidade na pactuação. Teceu comentários a respeito da distinção entre os produtos cartão de crédito consignado, cartão de crédito convencional e empréstimo consignado. Defendeu a ausência de vício de consentimento no contrato celebrado entre as partes e ressaltou as características da contratação, afirmando ser caso de incidência do princípio pacta sunt servanda. Referiu a impossibilidade de liberação da margem consignada. Asseverou a inexistência do dever de indenizar e de dano extrapatrimonial sofrido pela parte autora. Mencionou a ausência de danos materiais, ressaltando a impossibilidade de devolução em dobro dos valores cobrados, porque não houve má-fé na cobrança. Discorreu acerca da impossibilidade de inversão do ônus da prova. Colacionou julgados para ilustrar os argumentos. Argumentou, em atenção ao princípio da eventualidade, a necessidade de devolução de valores depositados na conta da parte demandante, a título de compensação. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos e, na hipótese de procedência, que caso declarada a inexistência do contrato, seja realizada a devolução, pela parte autora, dos créditos por ela recebidos ou a compensação com o valor da condenação. Juntou procuração e documentos.

Em réplica, a parte autora refutou as teses defensivas e ratificou suas alegações (Evento 16).

Foi rejeitada a prejudicial da prescrição, reconhecida a incidência do Código de Defesa do Consumidor, com inversão do ônus da prova, bem como fixados os pontos controvertidos e distribuído o ônus probatório e determinação de intimação das partes para informarem o interesse na produção de outras provas (Evento 18).

Intimadas, as partes informaram o desinteresse na produção de outras provas (Eventos 23 e 24).

Autos conclusos. É o relatório.

Sobreveio julgamento, nos seguintes termos:

Isso posto, com base no art. 487, I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por HILDA LURDES FROZZI em face do BANCO BMG S.A., a fim de:

a) declarar a inexistência dos débitos objeto do contrato combatido neste processo (reserva de margem consignada nº 12771732);

b) condenar o réu a restituir em dobro os valores descontados indevidamente do benefício previdenciário da parte autora, com correção monetária pelo IGP-M a partir do momento de cada pagamento indevido, bem como juros moratórios a contar de cada desconto realizado, após prévia compensação com o valor de R$ 1.090,60 (mil e noventa reais e sessenta centavos), o qual deve ser monetariamente atualizado pelo IGP-M a contar da data do depósito;

c) condenar a parte ré a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária pelo IGP-M a partir desta sentença e juros de mora a contar de 22/03/2017, permitida a compensação com eventual saldo positivo em favor do réu após a incidência do disposto no item anterior.

Confirmo, por conseguinte, a tutela de urgência concedida (Evento 8).

Considerando que a parte autora sucumbiu em parte mínima do pedido, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais de 10% sobre o valor da condenação, a teor do art. 85, § 2º, do CPC.

Inconformada, recorre a instituição financeira ré.

Em suas razões, afirma ser nula a sentença, pois reconhecida a nulidade do contrato sem ao menos ser realizada perícia. Aduz encontrar-se prescrita a pretensão de compensação e/ou repetição de valores, dada a aplicabilidade do prazo trienal previsto no artigo 206, §3°, inciso IV, do CPC/2015. Ressalta, nesse aspecto, que o primeiro desconto relativo ao contrato teria ocorrido em maio de 2017, ao passo que ajuizada a demanda em novembro de 2020. No mérito, discorre sobre a regularidade da contratação e acerca da inexistência de falha no dever de informar. Tece comentários a respeito das peculiaridades do negócio, observando que todos os requisitos formais necessários à sua concretização teriam sido devidamente seguidos. Aponta inexistir dano moral indenizável, bem como que descaberia falar em repetição de valores. Requer, ao menos, seja minorada a verba indenizatória, ou determinada a incidência de juros moratórios a partir da data em que fixada na origem. Repisa não ter havido qualquer falha quando da contratação, e que, se entabulada mediante fraude, tal configuraria fato de terceiro, e, assim, afastaria o dever de indenizar. Destarte, pede o provimento do recurso.

Em contrarrazões (Evento 45), pugna a parte demandante seja mantida a sentença.

VOTO

De início, afasto as preliminares de cerceamento de defesa e de nulidade da sentença. É que, ao contrário do que quer fazer crer a instituição financeira, vê-se que esta mesma, em petição de Evento 24, ressaltou que não viria a postular a produção de prova pericial. De mais a mais, a sentença assentou de modo claro as razões pelas quais a firma presente no documento, por si só, não conferiria autenticidade ao aceite que supostamente expressaria, dado que necessário seria indagar se a parte consumidora, hipervulnerável, estaria ciente dos termos da contratação.

Além do mais, ainda que se cuide de matéria de ordem pública, mostra-se preclusa a questão atinente à inocorrência da prescrição, por força do disposto no artigo 507 do CPC/2015. Afinal, a matéria em apreço fora apreciada em Evento 18, sem que contra o decidido viesse a instituição financeira a opor irresignação, embora assim lhe coubesse, nos termos do artigo 1.015, inciso II, do CPC/2015.

Nesse exato sentido, vejam-se as seguintes decisões proferidas no âmbito desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÕES DE COBRANÇA JULGADAS EM CONJUNTO. COMPRA E VENDA DE APARELHO AUDITIVO. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO PRECLUSA. VÍCIO DO PRODUTO NÃO DEMONSTRADO. PAGAMENTO NÃO COMPROVADO. DÉBITO DEVIDO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO EVIDENCIADA. Por se tratar a prescrição de matéria relativa ao mérito (art. 487, inc. II, do CPC), a decisão interlocutória proferida pelo juízo de origem estava sujeita a agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, inc. II, do CPC, o qual não foi oportunamente interposto pelo demandado, configurando-se a preclusão. (...) APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50044386320178210022, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosana Broglio Garbin, Julgado em: 23-01-2023)

APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS MÉDICO HOSPITALARES. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA ANALISADA EM DECISÃO...

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