Acórdão nº 50006347320208210122 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 12-05-2023

Data de Julgamento12 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50006347320208210122
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003261357
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000634-73.2020.8.21.0122/RS

TIPO DE AÇÃO: Vias de fato

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

RELATÓRIO

ALEXSANDRO M.S., 30 anos na data do fato (DN 03/07/1989), foi denunciado junto ao Juízo da Vara Judicial da Comarca de Santo Antônio das Missões, por incurso no artigo 21 do Decreto Lei 3.688/41, c/c o artigo 61, inciso II, alíneas 'e' e 'f', da Lei nº 11.340/06.

O fato foi assim descrito na denúncia, recebida em 20/01/2021 (abreviaturas ausentes no original):

No dia 21 de agosto de 2020. por volta das l9h30min. na rua (...) no Município de Santo Antônio das Missões/RS. o denunciado ALEXSANDRO M.S. praticou vias de fato contra a vitima TALLIA M.S., sua irmã.

Na oportunidade. o denunciado. agrediu a vítima com empurrões e pontapés.

Em razão do cometimento dos crimes, a vítima postulou medidas de proteção. com lastro na Lei n“ 11340/2006. nos termos da ocorrência policial nº 472/2020/152921 (fls. 03-04). as quais foram deferidas pelo Juízo (conforme decisão das fls. 09 -10 do processo-crime nº 122/2.20.0000235-5).

A infração penal de vias de fato foi perpetrado no contexto de violência intrafamiliar. baseada no gênero. constituindo violência física. na forma do art. 7º. inciso I, da Lei nº 11.340/2006. uma das formas de violação dos direitos humanos, conforme art. 6º do referido diploma legal.

Ultimada a instrução, foi proferida sentença de parcial procedência para condenar ALEXSANDRO M.S. por incurso no artigo 21 da Lei de Contravenções Penais.

A DEFESA apelou, buscando atipicidade material da conduta, sendo necessária aplicação dos princípios da subsidiariedade e da fragmentariedade do direito penal. Subsidiariamente, requer o afastamento da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea “f”, do CP, bem como da indenização à vítima.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo improvimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a fundamentação da sentença (abreviaturas ausentes no original, contrariando as recomendações do Of. Circ. 001/2016-CGJ, art. 25, XVIII da Cons. Normativa Judicial, e Resolução 01/2017-OE/TJRS):

Inicialmente, aponto o teor da prova oral produzida:

TALLIA M. S. (vítima) relatou que o acusado era bastante alterado. Mencionou que sempre quando brigavam, o acusado pedia desculpas e a vítima aceitava. Que no dia do fato, chamou o acusado para conversar acerca da namorada. Informou que quando começou a falar, o acusado ficou bastante alterado, momento em que lhe empurrou contra a porta. Referiu que o vidro da porta foi quebrado. Destacou que sempre era humilhada pelo acusado. Declarou que após as medias protetivas, nunca mais teve contato com o acusado.

Acosto, ainda, o conteúdo das declarações do réu em interrogatório:

ALEXSANDRO M. S. em suma, confirmou que agrediu a vítima com empurrões. Declarou que na época do fato, estava bastante estressado. Que em vista do falecimento de seu pai, teve de "tomar as rédias da família". Informou que suas irmãs não lhe respeitavam, o que acarretou no acumulo de estresse entre as partes, terminando nas vias de fato.

Da Materialidade

A materialidade da conduta restou comprovada pelo depoimento da vítima, prestado em juízo. Não há sequer dúvida sobre este fato porque o réu o confessou em seu interregatório, motivo pelo qual foi desnecessária a oitiva de testemunhas arroladas pelo Parquet.

Com efeito, verifica-se que a vítima recordou as circunstâncias da agressão física que sofreu na oportunidade, bem como o réu as confirmou.

No caso, a contravenção foi perpetrada de forma a atrair os ditames da Lei 11.340/06 porque há relação familiar entre o réu e a vítima, aplicando-se o inc.I do art.5º do diploma legal apontado.

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150 de 2015).

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

A violência física cometida, por sua vez, se enquadra no conceito do inc.I do art.7º da Lei 11.340/06:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

Destaco que, ainda que não fosse o caso da confissão, ressalto que a palavra da vítima, nos delitos praticados no ambiente familiar ou doméstico contra a mulher, possui fundamental relevância para a prova dos autos.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA E VIAS DE FATO. PALAVRA DA VÍTIMA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. CONSABIDO QUE A PALAVRA DA VÍTIMA ASSUME ESPECIAL RELEVÂNCIA NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, HAJA VISTA A TIPOLOGIA DELITIVA OCORRER, NA SUA MAIORIA, SEM A PRESENÇA DE TESTEMUNHAS. OS DEPOIMENTOS PRESTADOS PELA OFENDIDA, EM SEDE POLICIAL E EM JUÍZO, SÃO CONVERGENTES E DEMONSTRAM A PRÁTICA DOS CRIMES DE AMEAÇA E DA CONTRAVENÇÃO DE VIAS DE FATO. A VERSÃO DO ACUSADO, QUE NEGOU A PRÁTICA DAS INFRAÇÕES, ENCONTRA-SE ISOLADA NOS AUTOS. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. INDENIZAÇÃO EM FAVOR DA VÍTIMA. ART. 387, IV, DO CPP. MANTIDA. NO ÂMBITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, PODE O JUIZ FIXAR UM VALOR MÍNIMO DE INDENIZAÇÃO À VÍTIMA, SUFICIENTE QUE TENHA HAVIDO A DEDUÇÃO DE SEU PEDIDO NA DENÚNCIA OU QUEIXA, AINDA QUE NÃO ESPECIFICADA A QUANTIA, E INDEPENDENTEMENTE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA, SEGUINDO TESE FIRMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO ESPECIAL Nº. 1.643.051, J. 28/02/2018. CUSTAS. O RÉU FOI ASSISTIDO POR ADVOGADO CONSTITUÍDO E NÃO COMPROVOU IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA DE MODO QUE NÃO CABE A SUSPENSÃO DAS CUSTAS. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 50005777920198210093, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em: 28-07-2022).

Não se pode aplicar ao caso os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade porque a via de fato foi praticada no âmbito da violência doméstica. Nesse sentido, não há falar em desvalor da ação a afastar a aplicação do Direito Penal.

Aliás, em sede de violência doméstica a jurisprudência dos Tribunais Superiores é firme no sentido de afastar os princípios penais que buscam o afastamento da sanção penal, como é o caso do verbete sumular de nº 589 do Superior Tribunal de Justiça: "É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas".

Da Autoria

A autoria é certa e recai sobre o acusado.

O depoimento da vítima foi esclarecedor ao apontar o autor das agressões sofridas, no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher. Aliás, como já mencionado, não dúvida sobre a autoria uma vez que o réu é confesso.

Tipicidade

O fato é típico e se amolda ao art. 21 da Lei de Contravenções Penais, na forma da Lei 11.340/2006, no dia 21 de agosto de 20320, por volta das l9h30min, na rua (...) no Município de Santo Antônio das Missões/RS, o denunciado ALEXSANDRO M.S. praticou vias de fato contra a vitima TALLIA M.S. sua irmã.

O crime se consumou e o elemento subjetivo (dolo) restou demonstrado eis que o próprio réu afirmou que agrediu a vítima com empurrões e que estava bastante estressado porque a vítima, sua irmã, não o respeitava, o que gerou a perpetração das vias de fato.

Antijuridicidade e Culpabilidade

Não há excludentes de ilicitude ou de culpabilidade. O acusado é imputável, tinha potencial consciência de ilicitude e era exigida conduta diversa.

Agravantes e Atenuantes

No caso, se aplica a atenuante genérica da confissão, prevista no art.65, inc.III, alínea d) do Código Penal. Entretanto, não há falar, como pretende a defesa, em redução da pena aquém dos limites fixados no preceito secundário do tipo em razão da posição já pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula nº.231: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal

Considero presente a agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal, deixando de aplicar a agravante prevista no art. 61, II, "e", do Código Penal, por considerar bis in idem.

Causas de aumento e de diminuição de pena

Não há causas de aumento ou de diminuição de pena a serem consideradas.

Antes de ingressar no dispositivo, importante mencionar que o preceito secundário do tipo prevê aplicação da pena de "prisão simples" ou de multa, demonstrando que o juiz, ao decretar deverá eleger apenas uma delas.

No caso concreto, entendo que, embora não se aplique o princípio da subsidiaridade, é desnecessária a aplicação de qualquer pena que possua cunho de privação da liberdade. Isso porque, como bem menciona a vítima em seu depoimento, após a obtenção de medida protetiva, nunca mais teve contato com o acusado.

Tal demonstra que o acusado, ao menos até o momento, alcançou a compreensão de que sua atitude caracterizou um crime, sendo evidentemente inadequada. Tanto é assim que não há nos autos notícia de que a protetiva tenha sido violada. Além disso, eventual aproximação danosa do réu em relação à vítima desse processo poderá desencadear nova persecução penal.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva e CONDENO o acusado ALEXSANDRO M.S., qualificado na denúncia, exclusivamente à pena de multa prevista no preceituo secundário do tipo do art. 21 da Lei de Contravenções Penais, c/c art.9 e 50 do Código Penal n/f da Lei 11340/2006, c/c art. 61, II, "f", do Código Penal.

Passo à dosimetria da pena, com fundamento no sistema trifásico de Nelson Hungria, contido no art. 68 do Código Penal.

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