Acórdão nº 50006463220118210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50006463220118210016
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002281275
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000646-32.2011.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: ELISABETH VIEIRA DA SILVA (AUTOR)

APELADO: RICARDO ZIMPEL (Inventariante)

APELADO: HORST ZIMPEL (Espólio) (RÉU)

RELATÓRIO

ELISABETH VIEIRA DA SILVA apela da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da ação declaratória de rescisão de contrato c/c indenização por perdas e danos e devolução das quantias pagas ajuizada em face de RICARDO ZIMPEL e HORST ZIMPEL. Transcrevo o dispositivo sentencial:

ISSO POSTO, julgo parcialmente procedentes os pedidos feitos por Elizabeth Vieira da Silva nesta Ação Declaratória de Rescisão de Contrato c/c Perdas e Danos e Devolução das Quantias Pagas ajuizada contra o Espólio de Horst Zimpel, qualificados, para o fim de declarar rescindido o contrato firmado entre as partes (fls. 15/16), apenas.

Condeno ambas as partes ao pagamento das custas judiciais, na proporção de 50% para cada, e honorários advocatícios que fixo em R$ 1.000,00 ao procurador da parte autora e o mesmo tanto ao procurador da parte ré, sem compensação, pelo trabalho realizado, nos termos do art. 85, § 2º, c/c art. 86, ambos do Código de Processo Civil. Fica suspensa a sua exigibilidade em relação às partes em razão da concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita, nos termos do art. 1.060/50.

Em razões (Evento 3, Processo Judicial11, fls. 19-27) alega que os alugueis auferidos pela apelante se deram em razão de ter adquirido o imóvel e estar usufruindo do mesmo. Entende ter havido má-fé do réu que, não tendo recebido a integralidade do preço, entendeu como desfeita a negociação, de forma unilateral, vendendo o imóvel novamente sem qualquer satisfação a quem já lhe havia pago parte do valor. Sustenta que os valores obtidos a título de aluguel não podem ser compensados do valor que deve ser restituído pelo réu, pois o aluguel era uma fonte de renda da autora. Argumenta que o réu não lhe informou acerca dos débitos de IPTU e posteriormente vendeu o imóvel a terceiro, em enriquecimento ilícito às custas da autora. Refere não haver nenhuma cláusula que proibisse a autora de local o imóvel, reiterando seu entendimento de que não usufruiu do mesmo, pois o utilizava como fonte de renda. Invoca o teor dos artigos 402 e 475 do Código Civil para fins de justificar a indenização pretendida, a título do que perdeu (imóvel) e do que deixou de ganhar (alugueis). Postula o provimento do apelo, a fim de que seja reconhecido o dever do réu de ressarcir os valores pagos pela autora, bem como a reparar as perdas e danos por ela suportados. Pugna, por fim, pela condenação do réu a penalidade por litigância de má-fé.

O réu, intimado, apresentou contrarrazões (Evento 3, Processo Judicial11, fls. 30-45) pretendendo, preliminarmente, o não conhecimento do apelo por violação ao princípio da dialeticidade, pois a autora não se insurgiu de modo específico aos fundamentos da sentença, não se insurgindo com relação ao reconhecimento de que foi ela quem deu causa à inexecução contratual, bem como que auferiu 17 anos de alugueis, cujos valores são superiores ao crédito que teria a receber da parte ré. No mérito, alega que é incontroverso que a parte autora não pagou o preço ajustado e tampouco os IPTUs, dando ensejo à resolução do contrato. Argumenta que a autora tinha ciência de seu dever de pagar o IPTU e foi notificada do débito a tal título, não tendo realizado o pagamento de modo a evitar a expropriação do imóvel. Sustenta que a indenização pela fruição do imóvel tem como fundamento a vedação ao enriquecimento sem causa e visa a garantir ao promitente vendedor contraprestação pelo período em que a promitente compradora permaneceu usando e usufruindo do imóvel. Salienta que a parte autora não se insurgiu com relação ao cálculo matemático realizado na sentença. Afirma que quem tem direito a indenização pelas perdas e danos é a parte lesada pelo inadimplemento e não a parte inadimplente, no caso a autora, sendo absurda a pretensão indenizatória, formulada em contrariedade a regra que veda o comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Pugna pelo não conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento, com base nos artigos 475 (exceção do contrato não cumprido) e 368 (possibilidade de compensação) do Código Civil

VOTO

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e comporta conhecimento.

Rejeito a preliminar contrarrecursal de não conhecimento do recurso por violação ao princípio da dialeticidade, pois, em que pese a parte autora, efetivamente, não tenha se insurgido com relação a todos os tópicos da sentença, claramente se insurgiu com relação à improcedência das pretensões de devolução dos valores pagos e indenização por perdas e danos, pontos aos quais se limitará a apreciação por esta Corte.

Pois bem.

As partes entabularam promessa de compra e venda no ano de 1991. A parte autora não efetuou o pagamento da totalidade do preço acordado e tampouco os IPTUs que recaíram sobre o imóvel, tampouco o inquilino que ocupava o bem em razão de contrato de locação firmado com a parte autora. O inadimplemento do débito fiscal levou ao ajuizamento de execução fiscal, onde parte do imóvel acabou por ser penhorado e expropriado.

A sentença recorrida reconheceu a culpa da parte autora pelo desfazimento da avença e declarou que a rescisão contratual já se operou, ainda que tacitamente, reconhecendo, assim, o desfazimento da avença e determinando o retorno das partes ao status quo ante:

No mérito, não há controvérsia de que a autora adquiriu o imóvel do réu mediante Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda, o qual está nas fls. 15/16 dos autos.

Certo, também, que a autora não pagou o valor total avençado, o que é admitido na própria inicial e também no depoimento pessoal. Neste, a autora confirmou que não pagou os débitos de IPTU. Esse fato é corroborado pelo seu locatário Justino.

Seguem as declarações das pessoas ouvidas em juízo.

A autora, em seu depoimento pessoal, disse que seu marido faleceu e daí foi pagar na Prefeitura e o réu já tinha vendido para outro. Não pagou o preço integral da venda, pois seu marido faleceu. Nunca residiu no imóvel. Era usado para locação. Era comércio. Acha que o imóvel ficou locado desde a aquisição. Não possui outros imóveis. Nunca pagou IPTU do imóvel em discussão, nem seus inquilinos. O imóvel foi a leilão, mas não foi vendido.

Edgar Monteiro mencionou que o réu lhe falou que tinha vendido o prédio para Chitolina, que pagou a entrada e ficou um saldo. Quem assumiu o prédio foi a autora. O preço foi de 2.000 sacas de soja, e Horstz lhe falou que recebeu 1.000 sacas. Estava atrás do saldo. O imóvel estava locado em São Luiz Gonzaga. Foi comentado que os impostos estavam todos atrasados, o que foi dito para a autora. Ela tinha ciência dos impostos atrasados junto à Prefeitura e tinha se comprometido a pagar. O imóvel foi a leilão e houve um comprador. Não sabe se a autora procurou o falecido réu para acertar a situação do imóvel.

Justino Flores de Oliveira confirmou que foi locatário da autora por sete ou oito anos. Os pagamentos eram feitos a ela, pegando recibo. Sabia que ela tinha comprado o imóvel. Estava no imóvel quando recebeu ordem judicial para desocupação, em razão de ação de imissão de posse ajuizada por terceiro. Não sabe se o antigo proprietário tinha vendido o imóvel para outro. O companheiro da autora era Celso Chitolina. Não pagou os impostos do imóvel no período. Depois de desocupar o imóvel, não voltou mais.

Zilmar Lemes Vieiro adquiriu o imóvel. O município fez uma adjudicação em razão de débitos de IPTU e depois o depoente adquiriu o imóvel por licitação. Sua companheira adquiriu o restante do imóvel, mediante acordo do então proprietário, de R$ 5.000,00 para pagar despesas que ele já tinha. Daí fecharam os 100% do imóvel. Assumiu todo o débito sobre o imóvel. Quando adquiriu o bem, Justino estava sobre o imóvel, e havia uma “jogatina” no local, uma “carpeta”. Foi ajuizada uma ação para imissão de posse. Em Ijuí, Horstz falou que a autora tinha dado um sinal e nunca mias tinha sido pago. A autora não pagou os impostos do imóvel. Não sabe se a autora era conhecedora dos débitos do bem junto ao município. O nome da autora lhe surgiu depois da concretização da compra do imóvel. Justino não lhe disse de quem estava alugando o bem.

Essa a prova oral.

Por todas essas evidências, e também pelas alegações das partes, visível que a rescisão do contrato já se operou, mesmo que tacitamente, não havendo o que se falar em buscar seu cumprimento efetivo, em termos de creditar direito real sobre o imóvel. Logo, cabe a declaração de rescisão do contrato.

Importante consignar, no entanto, que foi a demandante quem deu causa à não concretização do negócio, já que não adimpliu sua parte no momento avençado e também deixou de arcar do os gastos referentes ao IPTU do imóvel, que era da sua responsabilidade, segundo acerto posto no contrato.

Com a rescisão, imperioso o retorno das partes ao esta anterior.

Assim, incide à hipótese o princípio da exceção do contrato não cumprido, insculpido no art. 476 do Código Civil: nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

Insurge-se a parte autora, todavia, com relação à improcedência da pretensão de ressarcimento dos valores pagos e indenização pelas perdas e danos decorrentes da rescisão contratual.

Inicialmente, com relação às pretensões indenizatórias, não lhe assiste razão, pois tendo dado causa à resolução do contrato...

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