Acórdão nº 50006505920208210079 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50006505920208210079
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001997987
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000650-59.2020.8.21.0079/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Desembargadora MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra ADEMIR DA C., imputando-lhe as condutas subsumidas no artigo 217-A, caput, c/c art. 61. inc. I, ambos do Código Penal e art. 1º, inc. VI, da Lei nº 8.072/90, pela prática do seguinte fato delituoso:

"No dia 01 de março de 2020, por volta das 18h30min, na RS 122, em Antônio Prado/RS, o denunciado ADEMIR DA COSTA praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com a vítima P. DOS S. DA S., adolescente de 12 anos de idade à época do fato (DN: 26/06/2007), com o fim de satisfazer a sua lascívia.

Na oportunidade, o denunciado foi contratado pela avó paterna da vítima, Senhora BELMIRA DE F. S. DA S., para levá-las até a cidade de Caxias do Sul. No retorno da viagem, o denunciado, aproveitando-se do fato de a Senhora BELMIRA ter dormido, para satisfazer sua lascívia, passou a molestar a vítima P., que estava no banco de trás, passando as mãos nas suas pernas e partes íntimas, ignorando a repulsa da ofendida.

O denunciado, para encobrir o fato, ameaçou de matar a vítima e sua família. O ataque sexual perpetrado pelo denunciado foi registrado pela vítima na câmera do seu celular. O denunciado é reincidente, vez quer restou condenado em 27/11/2019 no processo nº 079/2.17.0000375-2, pelo delito do art. 180 do Código Penal, sendo que a decisão transitou em julgado em 28/01/2020."

A denúncia foi recebida em 26/11/2020 (evento 3).

Mantido o recebimento da denúncia e a prisão preventiva, Evento 33, DESPADEC1, foi designada audiência virtual, Evento 48, DESPADEC1; o preso indicou defensor, Evento 73, PET1, que acompanhou a audiência do dia 08/07/2021, Evento 77, TERMOAUD1.

Houve o prosseguimento da instrução no dia 21/09/2021, Evento 164, TERMOAUD1, declarando-se encerrada a instrução, com abertura dos prazos do art. 402 do Código de Processo Penal.

Em memoriais, o Ministério Público o Ministério Público postulou a condenação do réu nos termos da denúncia (Evento 183, MEMORIAIS1).

A defesa, por sua vez, pugnou pela absolvição do acusado por inexistirem elementos suficientes para que se conclua que sua conduta foi dolosa, com base no art. 386, VII, CPP; não sendo esse o entendimento, requereu fosse desclassificado o delito para aquele contido no art. 215-A, CP; subsidiariamente, requereu fosse reconhecida a forma tentada do delito, aplicando-se o redutor máximo, de 2/3.

Sobreveio sentença (evento 187), julgando procedente a denúncia, para condenar Ademir da C. nas sanções do art. 217-A, com a agravante do art. 61, I, ambos do Código Penal, na forma do art. 1º, VI, da Lei dos Crimes Hediondos, à pena de 11 anos de reclusão, em regime inicial fechado.

Irresignado com a sentença, o réu apelou através de sua Advogada constituída (evento 199).

Em suas razões recursais (evento 205), aduziu o apelante, inicialmente, que a condução do presente processo pelo magistrado de primeira instância é digna de enérgico repúdio, vez que atenta frontalmente contra os princípios mais basilares eleitos pela Constituição Federal, sobre os quais se funda o Estado Democrático de Direito.

Asseverou que desde a primeira manifestação judicial nos presentes autos, o douto magistrado não se contentou apenas em deixar meros indícios, mas sim permitiu que se tivesse a plena certeza a respeito da sua convicção quanto à culpa do apelante, mesmo antes que qualquer prova pudesse ser produzida sob o crivo do contraditório.

Após discorrer sobre a atuação do julgador singular no feito originário, salientou que nem a vítima e nem a testemunha são capazes de identificar a data exata em que os fatos ora imputados teriam ocorrido, sendo no mínimo estranho que um episódio aparentemente tão marcante, seja relatado de forma tão vaga e imprecisa.

Destacou que a ocorrência foi registrada cerca de sete meses após o fato. A ofendida e seus responsáveis buscam justificar esse irrazoável lapso temporal referindo que, antes, temeriam a concretização de supostas ameaças proferidas pelo réu, sendo que tais ameaças, além de fantasiosas e inverossímeis, jamais foram comprovadas, tanto é que sequer foram incluídas na exordial acusatória.

Sustentou que nenhum dos responsáveis pela vítima presenciou o apelado proferir as intimidações descritas, nem chegou a contata-lo, seja para pedir explicações, após os relatos da neta, seja para pedir que Ademir se mantivesse afastado da garota.

Disse, ainda, que a própria vítima, que constitui a fonte primária tanto das provas de autoria quanto das de materialidade do delito sequer foi ouvida na fase de inquérito. Ou seja, a investigação, a prisão do réu e o início da ação penal foram todos realizados sem que a própria ofendida fornecesse a sua versão sobre o ocorrido.

Quanto à prova, asseverou que a prova da materialidade do crime, de acordo com a acusação, restaria cabalmente comprovada pela filmagem realizada pela vítima, de seu próprio aparelho celular, destacando que o vídeo, que conta com apenas dois segundos, mostra uma mão indo em direção às pernas de uma pessoa vestindo calças jeans e, logo em seguida, se afastando, depois de levar um “soquinho”. De acordo com as imagens, não se poderia dizer a quem pertence a mão ou as pernas, tampouco o modelo do carro ou se existiria algum passageiro no carona.

Segundo a defesa, estranhamente, o aparelho que registrou a filmagem não foi apreendido. Não se pode saber se existiam ou não outros vídeos do mesmo dia armazenados. Também não se pode dizer se esse era apenas um fragmento de um vídeo maior, que teria sido destacado por meio de edição.

Alegou que no caso em julgamento, inclusive, ao contrário do que usualmente acontece, o crime imputado teria sido praticado na presença de uma testemunha, a qual estava sentada há poucos centímetros do suposto agressor durante o suposto agir delituoso. Justamente em razão disso, é claro que eventuais discrepâncias entre os depoimentos da ofendida e de sua avó devem ser apontadas.

Apontou discrepâncias existentes entre as declarações da testemunha em relação às da ofendida, afirmando que ambas as versões são, em todo, incompatíveis, eis que, de acordo com a vítima, no dia dos fatos, Ademir teria sido contratado para conduzir a sua avó à cidade de Caxias do Sul para realizar atividades relacionadas à Igreja e, posteriormente, trazê-la de volta à Antônio Prado. Durante o percurso de retorno, o acusado teria colocando o seu braço direito em direção ao banco traseiro do veículo, de forma a aproximar a sua mão da região genital da vítima.

Já de acordo com a vítima, a avó, que estava dentro do mesmo veículo, sentada ao lado do acusado, estaria dormindo durante toda a viagem, após ingerir fortes medicações para tratar problemas de ordem nefrológica e, por isso, não teria visto o agir do apelante. A vítima acrescentou que o réu colocou várias vezes o braço para trás, sendo que ela dava tapas e chutes em sua mão. Diz ela que teria gravado o episódio para provar que não era mentira sua.

Salientou que a avó sempre foi responsável pelos cuidados da neta desde a mais tenra infância, tendo desempenhado a verdadeira função de mãe da menina durante praticamente todo o seu desenvolvimento. E, sendo assim, dificilmente alguém puderia conhecer melhor a ofendida do que a própria testemunha, afirmando que caso os episódios de abuso tivessem realmente acontecido, por certo, Belmira teria percebido que algo estranho estaria se passando – se não pelas próprias circunstâncias, pela presumível alteração de ânimo de P. - até mesmo porque, de acordo com vítima, em todas as oportunidades em que o réu tentou tocá-la de forma indevida, a avó estaria presente, embora sonolenta.

A defesa ainda alegou que em seu depoimento, a avó acrescenta que a neta apenas tinha manifestado o desejo de não a acompanhar nas viagens à Caxias do Sul/RS cerca de duas ou três vezes, dentro de um período de dois anos. A vítima, ao tempo do fato, estava recém entrando no período da adolescência, sendo completamente compreensível que, vez ou outra, isso já fosse suficiente para justificar o seu desinteresse em acompanhar a avó a viagens para prestar serviços à Igreja Evangélica. No entanto, caso houvesse algum outro motivo mais sério, como, por exemplo, o temor de que pudesse ser abusada sexualmente, é evidente que as recusas da menina aos convites da avó seriam muito mais frequentes e enérgicas.

Após referir longamente acerca do comportamento da vítima durante o trajeto, discorreu acerca da versão apresentada pelo réu, segundo o qual, no dia do ocorrido, a vítima estava bastante agitada, se movimentando de forma brusca no banco de trás e vindo até a espalhar farelos de biscoito que comia no carro, o que veio a incomodar Belmira, fazendo com que a avó ralhasse com a neta, mandando que ela se acomodasse. Conforme o réu, a chamada de atenção fez com que a garota ficasse bastante chateada e irritadiça. Passado um tempo, este tentou animá-la, fazendo cócegas e mexendo com a menina, no entanto, a princípio, ela rejeitou a brincadeira, dando-lhe os registrados “soquinhos”. O carro estava em movimento na estrada, sendo dirigido pelo acusado, que, necessariamente, olhava para a frente, atento ao trânsito. Afirmou ser possível que ele tenha vindo a aproximar a sua mão, brevemente, da região íntima da ofendida, mas jamais com a intenção de satisfazer a sua lascívia! O réu, com todo o corpo virado para a frente do veículo – vez que estava conduzindo o automóvel pelo tortuoso e movimentado trecho que liga Caxias do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT