Acórdão nº 50006579120218210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50006579120218210022
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002354007
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000657-91.2021.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador ANTONIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD

APELANTE: TATIANE DA CUNHA TRINDADE (AUTOR)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por TATIANE DA CUNHA TRINDADE contra a sentença que julgou improcedente a ação de obrigação de fazer c/c indenização proposta em desfavor do BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL. Constou no dispositivo da sentença do evento 12, SENT1:

(...)
Isso posto, julgo improcedente o pedido e condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do procurador do réu, que arbitro em 15% sobre o valor da causa, forte no artigo 85, § 2º, do CPC.
Suspensa a exigibilidade em razão do benefício da ajg.

Em suas razões recursais, evento 16, APELAÇÃO1, após síntese dos fatos, sustenta ter comprovado nos autos que 60% da sua renda está comprometida com descontos oriundos de empréstimos firmados com o réu. Alude que tais descontos são realizados 30% em sua folha de pagamento e 30% em conta corrente. Esclarece que a Lei Municipal n.º 3.008/86 (Estatuto dos Servidores Públicos de Pelotas) dispõe que os descontos em folha de pagamento não poderão exceder 30% dos vencimentos. Enfatiza que sua margem consignável já está comprometida. Discorre sobre o superendividamento e o princípio da dignidade da pessoa humana. Postula pelo provimento do recurso, com a procedência da ação.

Contrarrazões no evento 19, CONTRAZAP1.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo o recurso.

Eminentes Colegas.

Busca a parte apelante, em sede recursal, a declaração de irregularidade dos descontos realizados pela instituição financeira em sua verba salarial, bem como a condenação da parte apelada ao pagamento de indenização por danos morais.

Passo à análise do recurso.

Inicialmente, oportuno ressaltar que a relação jurídica travada entre as partes está sujeita às regras dispostas pelo Código de Defesa do Consumidor, pois há a figura do consumidor e do fornecedor denominados pelos artigos 2º1 e 3º2 da Lei Consumerista.

Ainda, incide na espécie a inversão do ônus da prova, a teor do artigo 6º, inciso VIII3 do mesmo diploma legal.

Sobre o ônus da prova nas relações consumeristas, cita-se o entendimento Humberto Theodoro Júnior4:

O CDC, no inciso VIII do art. 6º do CDC, prevê a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, especialmente mediante a inversão do ônus da prova no processo civil. Essa inversão, todavia, é admitida, a critério do juiz quando “for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Nessa linha, deve-se reconhecer como abusiva a cláusula que inverta o ônus da prova em prejuízo do consumidor (CDC, art. 51, VI). A inversão que a lei admite é tão somente em prol do consumidor.

Essa distribuição dinâmica do ônus da prova quebra a tradicional regra de processo, na qual ao autor cabe a prova dos fatos constitutivos de seu direito, enquanto ao réu, a do fato impeditivo ou extintivo do direito do autor. Ela é admissível, contudo, de forma extraordinária, e deve ser compatibilizada com os princípios informativos do próprio Código de Defesa do Consumidor.

Essa facilitação da defesa justifica-se em razão do reconhecimento de que o consumidor é a parte fraca no mercado de consumo. Mas somente é admitida quando o juiz venha a constatar a verossimilhança da alegação do consumidor, ou sua hipossuficiência, “segundo as regras ordinárias de experiência”. Sem basear-se na verossimilhança das alegações do consumidor ou na sua hipossuficiência, a faculdade judicial não pode ser manejada em favor do consumidor, sob pena de configurar-se ato abusivo, com quebra do devido processo legal.

A verossimilhança é juízo de probabilidade extraída de material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor.

Quanto à hipossuficiência, trata-se de impotência do consumidor, seja de origem econômica, seja de outra natureza, para apurar e demonstrar a causa do dano cuja responsabilidade é imputada ao fornecedor. Pressupõe uma situação em que concretamente se estabeleça uma dificuldade muito grande para o consumidor de desincumbir-se de seu natural onus probandi, estando o fornecedor em melhores condições para dilucidar o evento danoso. É de se ressaltar, outrossim, que a hipossuficiência não nasce simplesmente da palavra do consumidor, pois depende dos indícios que sejam trazidos ao processo.
(...)
O mecanismo da inversão do ônus da prova se insere na Política Nacional das Relações de Consumo, com o objetivo de tutelar o consumidor, e deve ser aplicado até quando seja necessário para superar a vulnerabilidade do consumidor e estabelecer seu equilíbrio processual em face do fornecedor.
Não pode, evidentemente, ser um meio de impor um novo desequilíbrio na relação entre as partes, a tal ponto de atribuir ao fornecedor um encargo absurdo e insuscetível de desempenho.

Ressalte-se que não pode resultar da inversão o ônus para o fornecedor de provar o fato constitutivo do direito pretendido pelo consumidor. O que...

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