Acórdão nº 50006595920188210089 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50006595920188210089
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001809495
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000659-59.2018.8.21.0089/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: REJANE BEATRIS GOELZER (AUTOR)

APELADO: MATEUS LIMA TOLLENS (RÉU)

APELADO: SIGESC SISTEMAS DE GESTAO DE CONVENIOS EIRELI (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por REJANE BEATRIS GOELZER em face da sentença [Evento 4, PROCJUDIC6, p. 31-39] que, nos autos de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada em face de MATEUS LIMA TOLLENS e SIGESC SISTEMAS DE GESTÃO DE CONVÊNIOS EIRELI, julgou improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, condenando a autora ao pagamento das custas do processo e honorários advocatícios do patrono da parte adversa, fixados em vinte por cento sobre o valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade em face do deferimento da gratuidade da justiça.

Em suas razões de recurso [Evento 4, PROCJUDIC7, p. 3-15], a autora discorreu acerca dos acontecimentos de origem em relação ao atendimento pelo cirurgião dentista demandado perante a clínica ré para a extração de sisos, reclamando a responsabilidade dos demandados pela fratura de sua mandíbula. Disse que após o procedimento sentia muito dor, o que foi relatados aos demandados, sem que os mesmos tenham dado a efetiva atenção, senão apenas receitado remédios. Disse que procedeu conforme o indicado e que retornou dias após para a extração dos sisos superiores, mesmo ainda sentindo fortes dores no local e inchaço na face, referindo que sua situação somente piorou, com inchaço e dores insuportáveis, tendo consultado com médico clínico-geral na empresa apelada que lhe receitou medicamentos os quais não surtiram efeito, oportunidade em que consultou outro profissional dentista a qual requisitou exame de raio-x. Diante do desespero e abalo, procurou outro médico o qual pediu exame de ecografia que sugeriu fratura mandibular, sendo encaminhada a especialista bucomaxilofacial, que realizou tratamento extenso pata conseguir conserta a sua mandíbula após tanta dor e sofrimento. Na sequência, discorreu acerca da prova testemunhal e mencionou que se não fosse a extração dos sisos, a apelante não teria sofrido tudo que sofreu, situação esta que abalou sua vida como um todo de forma drástica. Alegou que a atitude da empresa, bem como do cirurgião, deveria ter sido de auxiliá-la e orientá-la, examiná-la, requisitar mais exames e buscar o diagnóstico e não de se omitir como fizeram, permitindo que ficasse sozinha em sua dor sem saber o que fazer, tendo que buscar respostas para seu caso fora da empresa demandada, buscando restaurar seu bem-estar e sua saúde. Ainda, referiu que a fratura está comprovada no local de extração do siso; que a cirurgia foi realizada pelo profissional de forma imprudente/imperita; tendo havido negligência no atendimento pós-operatório, assim como na orientação pós-procedimento, mesmo após diversas reclamações, devendo ser reparada pelo abalo emocional e físico sofridos. Citou precedentes jurisprudenciais e, ao final, pugnou pelo provimento do recurso para reforma a sentença e julgar procedentes os pedidos.

Apresentadas as contrarrazões ao recurso pelo apelado Mateus Tollens [Evento 4, PROCJUDIC7, p. 20-33], os autos foram remetidos a esta corte e vieram a mim conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Quanto ao mérito, como visto do relatório, a matéria controvertida nos autos diz respeito aos supostos danos materiais e morais perseguidos pela autora em decorrência do procedimento odontológico de extração de dentes realizado sob a responsabilidade do primeiro demandado perante a clínica codemandada que, segundo alega, não alcançou o resultado esperado, causando-lhe graves prejuízos de ordem material e moral. Postula, assim, a condenação dos demandados ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, esses consubstanciados nos valores despendidos para tentar solucionar seu problema.

Os demandados, por sua vez, defendem a correção do tratamento dispensado, argumentando a ausência de qualquer falha na prestação do serviço ou do atendimento prestado à autora.

Diante da declaração de improcedência do pedido, a autora recorre devolvendo à apreciação desta Corte a totalidade das questões controvertidas nos autos.

Pois bem.

Inicialmente, firmo que a relação entre as partes está submetida às normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, uma vez que a autora buscou assistência odontológica junto à clínica demandada na condição de consumidora (art. 2º, caput, CDC), figurando a demandada como fornecedora (art. 3º, caput¸ CDC). E, à luz do microssistema do consumidor, considerando que a questão aqui controvertida está vinculada à atuação de profissional liberal, sua responsabilidade, em princípio, é baseada na culpa, nos termos do artigo 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor.

Todavia, nos casos da denominada odontologia estética, bem como o tratamento dentário que envolva a colocação de prótese, correção ortodôntica com uso de aparelho, restauração, obturação, extração de dente, branqueamento, colocação de faces de porcelana visando apenas o embelezamento, o profissional assume a obrigação de resultado, devendo responder pelo não cumprimento de tal mister, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade no procedimento eleito.

Nesse ponto, vale destacar os ensinamentos de Rui Stoco1:

[...] não obstante sua atuação, na maioria das vezes seja de resultado, sua responsabilidade, nos termos de regra de exceção contida no CDC (art. 14, § 4º) e art. 186 do CC, só se configura quando atue com dolo ou culpa. Ou seja, o profissional obriga-se contratualmente a um resultado específico mas só responde pelo insucesso quando tenha um procedimento desconforme com as técnicas e a perícia exigida, por desídia manifesta – que traduz negligência – ou por afoiteza ou imprudência indesculpável, seja no diagnosticar, seja no tratamento.

Mas impende lembrar que a distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado não é inútil e sem consequências. Quando a obrigação do cirurgião-dentista for apenas de meios, de sorte que se propõe a atuar com diligencia, cuidado, atenção e melhor técnica, mas sem poder assegurar um resultado específico em razão da natureza da intervenção e da álea que o tratamento ou intervenção sugerida, sua responsabilidade contratual se escora na culpa, mas caberá a quem pretende reparação fazer prova dessa culpa. Quando, entretanto, cuidar-se de obrigação de resultado, ou seja, quando – ad exemplum – houver promessa de correção da arcada dentária mediante aparelho ortodôntico ou implante, não há necessidade de o paciente comprovar o atuar culposo do profissional, pois presume-se a culpa e inverte-se o ônus da prova. Nessa hipótese, caberá ao profissional fazer prova de que não agiu com culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou que exsurgiu causa excludente da sua responsabilidade, sob pena de ter de reparar.

Ainda nessa esteira, importa constar as pertinentes lições do doutrinador e Magistrado Sérgio Cavalieri Filho2:

Convém, entretanto, ressaltar que, se, em relação aos médicos, a regra é a obrigação de meio, no que respeita aos dentistas a regra é a obrigação de resultado.

E assim é porque os processos de tratamento dentário são mais regulares, específicos, e os problemas menos complexos. A obturação de uma cárie, o tratamento de um canal, a extração de um dente etc., embora exijam técnica específica, permitem assegurar a obtenção do resultado esperado.

Por outro lado, é mais freqüente nessa área de atividade profissional a preocupação com a estética. A boca é uma das partes do corpo mais visíveis, e, na boca, os dentes. Ninguém desconhece o quanto influencia negativamente na estética a falta dos dentes da frente, ou os defeitos neles existentes.

Conseqüentemente, quando o cliente manifesta interesse pela colocação de aparelho corretivo dos dentes, de jaquetas de porcelana e, modernamente, pelo implante de dentes, está em busca de um resultado, não lhe bastando mera obrigação de meio. Tenha-se, ainda, em conta que o menor defeito no trabalho, além de ser logo por todos percebido, acarreta intoleráveis incômodos ao cliente.

Nesse sentido, precedentes deste Tribunal:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DEGLUTIÇÃO DE CHAVE DIGITAL POR PACIENTE SUBMETIDO A PROCEDIMENTO DE IMPLANTE DENTÁRIO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA CLÍNICA E DO PROFISSIONAL LIBERAL. CULPA EVIDENCIADA. DANOS MATERIAIS MANTIDOS. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO MAJORADO. 1. Regime de responsabilidade dos réus. Considerando que a Clínica está sendo demandada juntamente com o profissional liberal que efetuava o procedimento no autor e que compõe seu corpo clínico, em razão de alegada conduta errônea no procedimento, o regime de responsabilidade civil aplicável é o subjetivo, nos termos do art. 14, § 4º, do NCPC, a ambos os réus. Precedente do STJ. 2. Caso dos autos em que restou demonstrado que o cirurgião dentista agiu de forma negligente, pois não tomou medidas efetivas de segurança capazes de evitar a deglutição da chave digital que utilizava para ajustar a prótese no paciente. Incidente que culminou com a submissão do autor a um procedimento de colonoscopia para a extração do objeto estranho de seu organismo. 3. Danos materiais. É devida a devolução do valor pago pelos serviços e prótese em razão da quebra da confiança e da prestação defeituosa do serviço. Reposição das partes ao status quo ante em decorrência da rescisão do contrato. 4...

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