Acórdão nº 50006635920208210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 03-02-2021

Data de Julgamento03 Fevereiro 2021
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50006635920208210014
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000517058
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000663-59.2020.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Defeito, nulidade ou anulação

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: ATIVOS S.A. SECURITIZADORA DE CREDITOS FINANCEIROS (RÉU)

APELADO: EDUARDO ANDREATTA DOS SANTOS (AUTOR)

RELATÓRIO

A sentença julgou procedente a ação denominada declaratória de inexistência de débito ajuizada por Eduardo Andreatta dos Santos a Ativos S.A. Securitizadora de Créditos Financeiros.

A parte demandada, como cessionária dos valores discutidos, apela e alega que os débitos são legítimos e decorrentes de contratos de crédito firmados originalmente com o Banco do Brasil, contratos de Adiantamento a Depositantes - Pessoa Física nº 1084525 - operação original nº 95/000163-8 e Cartão Múltiplo Ourocard Visa Gold nº 949825, créditos cedidos à parte demandada pela credora primitiva. Requer, assim, a reforma da sentença para reconhecer a legitimidade dos valores cobrados, que totalizam R$ 2.995.031,59, e a diminuição do valor de honorários sucumbenciais arbitrados pelo juízo em 10% sobre o valor atualizado da causa, pois são desproporcionais às circunstâncias da causa (evento 73).

A parte demandante contra-arrazoa para a reafirmação da sentença de procedência da ação e majoração dos honorários advocatícios (evento 77).

Assim, este caso contém circunstâncias que o distinguem, corresponde às pretensões do devedor primitivo de encontro à cessionária do crédito, e caracteriza a importância da transcrição da sentença (evento 66) para servir ao relatório e ao voto e, principalmente, para caracterizar a lide que entrou para o processo e o que define os limites do julgamento pela Câmara quanto ao mérito do recurso e quanto ao arbitramento de honorários:

EDUARDO ANDREATTA DOS SANTOS ajuizou a presente demanda em desfavor de ATIVOS S.A SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS GESTÃO DE COBRANÇA - SEPN, ambos qualificados, narrando que recebeu uma ligação da empresa ré informando um suposto débito referente aos contratos nºs 1084525 e 949825, no valor total de R$ 2.995.031,59. Aduziu que desconhece a origem do suposto débito e, ao ir até a instituição financeira que teria originado a dívida, foi informado que os documentos não estavam mais com ele. Afirmou que não existe operações que deixou de quitar e que não teve conta na agência onde teriam sido assinados tais contratos. Requereu seja declarada a inexistência de débito, assim como a concessão da gratuidade da justiça. Acostou documentos (evento 01).

Recebida a inicial, foi deferida a gratuidade da justiça e invertido o ônus da prova (evento 03).

Citado, o réu contestou (evento 11), afirmando que a dívida decorre de contrato firmado originariamente com o Banco do Brasil, objeto de cessão à contestante, que é a atual credora. Que os débitos são oriundos do contrato de adiantamento a depositante - pessoa física 1084525 - operação original 95/00163-8 e cartão múltiplo ourocard visa gold 949825. Defendeu a legalidade da cessão de crédito ocorrida, argumentando que eventual ausência de notificação quanto à cessão não isenta a parte autora de cumprir a obrigação. Ainda, argumento que é desnecessário o consentimento expresso do devedor para que a cessão seja considerada legal. Que como credor, o demandado pode tomar todas as medidas para a cobrança do débito. Referiu que a cessão de crédito ocorreu de maneira eletrônica, sendo que todos os dados do cliente são de responsabilidade da instituição financeira. Imputou ao autor o ônus da prova dos fatos constitutivos do seu direito. Discorreu sobre a inexistência do dever de indenizar e a ausência de danos morais. Requereu a improcedência dos pedidos. Acostou documentos.

O autor replicou (evento 15).

Durante a instrução foram acostados documentos aos autos (eventos 32), com manifestações das partes (eventos 44, 46), assim como indeferida a produção da prova pericial (evento 48).

É o relatório. Passo a decidir.

Considerando que as partes não manifestaram interesse na produção de provas em audiência, passo a proferir o julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, inciso I, do CPC.

Trata-se de demanda em que o autor pleiteia a declaração de inexistência de débito em relação aos contratos de ADIANTAMENTO A DEPOSITANTES - PESSOA FÍSICA nº 1084525 - Operação Original nº 95/00163-8 e CARTÃO MULTIPLO OUROCARD VISA GOLD nº 949825.

E o ônus de provar a origem e higidez dos débitos somente pode ser atribuído à parte ré, a quem competia trazer aos autos cópias dos contratos firmados pelo autor, notadamente por força da regra de inversão do ônus da prova contemplada no artigo 6º, VIII, do CDC, conforme decisão do evento 03.

Tal ônus imputado à parte demandada decorre, também, da aplicação do Princípio da Carga Dinâmica do Ônus da Prova (que consiste em retirar o peso da carga da prova de quem se encontra em evidente debilidade de suportá-lo, impondo-o sobre quem se encontra em melhores condições de produzir a prova essencial ao deslinde do litígio), sob pena de exigir-se a produção de prova negativa pelo autor.

No presente, tenho que o demandado não comprovou a origem e higidez do débito.

Isso porque, o documento acostado no evento 32 é um "Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente", o qual não se confunde com os contratos objetos da lide.

Já o documento OUT5, acostado no evento 11, além de ser uma mera tela de sistema, que não é suficiente para comprovar a existência da relação jurídica, diz respeito a um contrato perfectibilizado em 17/09/1995, há mais de 25 anos, cujo débito certamente está prescrito.

Ou seja, não vieram aos autos os supostos contrato de adiantamento a depositantes e de cartão de crédito ourocard Visa, tampouco provas de que o autor, de alguma forma, tenha se beneficiado de tais valores.

Sequer foi juntado aos autos extratos ou faturas do cartão de crédito que justificassem a cobrança do valor total de R$ 2.995.031,59.

Aliás, chama atenção a cessão dos créditos pelo Banco do Brasil (Evento11 - Out4) e a cobrança de valores tão elevados pelo réu (Evento 01 - Out7), sem o mínimo suporte probatório da relação jurídica.

Assim sendo, ante a ausência de provas robustas da relação negocial e do débito, a procedência da ação é impositiva.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos para DECLARAR a inexistência do débito em relação aos contratos em discussão, o que faço com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC.

CONDENO a parte ré ao pagamento da totalidade das custas e despesas processuais, assim como honorários advocatícios ao procurador do autor, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa pelo IGP-M, com base no art. 85, §2º, do CPC.

Interposta apelação (inclusive adesiva), dê-se vista à parte contrária para contrarrazões e, independentemente de despacho, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado (art. 1.010 do CPC).

Intimem-se.

É o relatório.

VOTO

Introduzo meu voto de um modo destinado a melhor compreensão da essência do que se deve resolver.

Há anos atrás, iniciaram-se e avolumaram-se na praxe forense pretensões dos devedores originários de encontro aos cessionários de instituições creditícias adquirentes, mediante cessões de crédito onerosas, dos créditos originários das instituições de crédito credoras.

A alegação principal era a de que inexistiria relação negocial entre o devedor e o cessionário, o que é uma aparência, porque o que realmente se deve questionar, se for o caso de discutir judicialmente, diz respeito à situação originária da qual resulta a cessão do crédito do credor ao cessionário correspondente ao débito que o devedor tem de pagar ao credor primitivo.

Alegar que inexiste relação direta com a cessionária do crédito não anula a relação originária da qual resulta a cessão de crédito, que persiste, existe, é válida e eficaz, porque o devedor não se opõe a ela, opõe-se ficticiamente à relação direta com a cessionária.

Assim, juridicamente, sentido algum tem em dizer que inexiste relação entre o devedor e o cessionário, porque existe uma relação originária entre o devedor e credor originário a qual se vincula à cessão de crédito ao cessionário que se tornou credor do devedor pela cessão do crédito.

Como exemplos dessas pretensões que se avolumaram na praxe forense, menciono a ação jurisprudencial da Câmara:

Apelação cível. Ação declaratória. Inexistência de relação jurídica. Inscrição em sistema de proteção ao crédito. Cessão de crédito decorrente de contrato de cartão de crédito. Notificação à devedora. A notificação prévia deixa de ser requisito da cessão de crédito, que, como dívida, subsiste independentemente da notificação ao devedor e justifica a inscrição em sistema de proteção ao crédito, faltando o pagamento. Deram provimento à apelação.(Apelação Cível, Nº 70081000242, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em: 15-05-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. RECONVENÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CONTRATAÇÃO...

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