Acórdão nº 50006693720208210056 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 22-06-2022

Data de Julgamento22 Junho 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50006693720208210056
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002280109
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000669-37.2020.8.21.0056/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATORA: Desembargadora LUCIA DE FATIMA CERVEIRA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apela da sentença proferida nos autos da ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em favor de ENZO EVANDRO DOS SANTOS PADILHA , que assim dispôs:

Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 487, I do CPC, tornando definitiva a medida antecipatória de tutela, para condenar os réus a fornecerem, gratuitamente, à parte autora, consulta com médico ortopedista, através da rede pública de saúde, assegurando-lhe todos os procedimentos, instrumentos e medicamentos necessários ao integral atendimento, inclusive fisioterapia. Em caso de impossibilidade pela rede pública, os procedimentos deverão ser custeados pelos réus na rede particular. Ainda, condeno os requeridos a realizarem o transporte do paciente e seu responsável até a cidade onde se encontrar o nosocômio /clínica em que deva ser realizada a consulta/cirurgia, caso não ocorra nesta Cidade.

Os entes públicos ficam isentos do pagamento da taxa única (art. 5°, inc. I da Lei 14634/2014). Condeno-os, porém, ao pagamento integral das despesas processuais (arts. 14 e 16 da Lei nº 14.634/2014), em iguais proporções, com a ressalva, ao Estado, da condução do Oficial de Justiça, se houver (Ofício Circular nº 03/2014-CGJ).

Sem condenação em honorários.

Desnecessário o reexame obrigatório.

Publicada, registrada e intimadas as partes, automaticamente, via sistema.

Em razões recursais, defende a parte apelante, preliminarmente, que a condenação é genérica, uma vez que condenou o ente estatal ao fornecimento de procedimentos, instrumentos e medicamentos necessários ao integral atendimento. Alega que por força da tese firmada no Tema 793 do STF, deverá a autoridade judicial direcionar o cumprimento da obrigação exclusivamente contra o Município de Júlio de Castilhos, uma vez que este é o responsável pelo fornecimento das sessões de fisioterapias. Sustenta que, conforme Resolução CIB/RS n. 005/18, a qual revogou a anterior 36/2017, o transporte sanitário municipal e intermunicipal dentro do Estado do Rio Grande do Sul para a realização de procedimentos ambulatoriais eletivos diversos compete aos municípios de residência dos transportados. Pede provimento.

Com contrarrazões, o Ministério Público opina pelo desprovimento do recurso.

Vêm conclusos os autos para julgamento.

Observado o disposto nos arts. 931 e 934 do CPC.

VOTO

Sentença genérica – configurada

O julgador deve decidir a lide “nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”, conforme dispõe o artigo 141 do CPC/15.

No mesmo sentido prevê o art. 492 do CPC/15: É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.

Com efeito, o autor é quem impõe os limites da lide, deduzindo sua pretensão por meio da petição inicial.

In casu, a parte assistida (Enzo Evandro dos Santos Padilha) é portadora de Síndrome de Ehler-Danlos (CID Q 79.6), apresenta luxação do quadril bilateral, hipotonia muscular, limitação da extensão dos cotovelos e joelhos e pés planos, o Ministério Público moveu a presente ação, cujos pedidos formulados na inicial transcrevo:

[...] condenar os réus a garantirem a realização de consulta com médico ortopedista, através da rede pública de saúde, assegurando-lhe todos os procedimentos, instrumentos e medicamentos necessários ao integral atendimento; (c.2) ou, alternativamente, nos termos do art. 326 do Código de Processo Civil, caso se constate a efetiva impossibilidade de atendimento pelo Sistema Único de Saúde, condenar os réus a procederem à realização da consulta com médico ortopedista, e eventuais exames que se façam necessários, na rede hospitalar particular, excepcionalmente, diante da urgência da situação, suportando as despesas para tanto necessárias, assegurando-lhe todos os procedimentos, instrumentos e medicamentos necessários ao integral atendimento, sob pena de bloqueio de valores; (c.3) condenar os réus a realizarem o transporte do paciente e seu responsável até a cidade onde se encontrar o nosocômio /clínica em que deva ser realizada a consulta/cirurgia, caso não ocorra nesta Cidade

Com efeito, parte do pedido formulado na inicial é, de fato, genérico, pois pretende o fornecimento de "todos os procedimentos, instrumentos e medicamentos necessários". Com efeito, há flagrante violação ao disposto no art. 324 do Código de Processo Civil1, bem como ao art. 3222 e seguintes do CPC/15.

Registro apenas que a sentença, confirmando a antecipação de tutela, não criou situação alguma capaz de perturbar a compreensão da extensão da condenação que impôs, na medida em que, no plano prático, o provimento judicial, pelo que se percebe dos autos, já fora quase integralmente cumprido, com o fornecimento da consulta por conta da medida antecipatória.

O mesmo, todavia, não se há de dizer em relação aos medicamentos e procedimentos necessários, ao quais eventualmente haja recusa do sistema público de saúde ao fornecimento, fica expressamente afastada do âmbito da condenação que se está a confirmar, sob pena, como alegado no recurso, de se estar a lidar com condenação genérica e indeterminada, o que não se mostra adequado às normas do processo, visto que submeteria os entes públicos, sem possibilidade do devido e específico exercício do contraditório na cena judicial, a toda a sorte de intercorrências ao longo do tempo.

A segurança jurídica que se espera de um provimento sentencial resultaria definitivamente comprometida.

Em face disso, merece provimento o recurso, porquanto configurado o pedido genérico, configurado em sentença cuja condenação ostenta-se parcialmente genérica.

A respeito, colaciono jurisprudência de casos análogos:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA PEDIÁTRICA E ACOMPANHAMENTO PÓS-OPERATÓRIO. SENTENÇA GENÉRICA. LIMITAÇÃO DO DISPOSITIVO QUE SE REVELA NECESSÁRIA. Hipótese em que o dispositivo da sentença foi genérico, sendo necessária sua adequação, a fim de restar adstrito ao pedido inicial, que consiste na realização de cirurgia e acompanhamento pós-operatório, estando garantidos os exames e consultas médicas destinados ao tratamento da moléstia. APELO PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50007745220178210142, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Luís Medeiros Fabrício, Julgado em: 09-12-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SAÚDE. CONDENAÇÃO GENÉRICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. NOS TERMOS DOS ARTIGOS 324 E 492, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC, O PEDIDO DEVE SER DETERMINADO E A SENTENÇA CERTA, NÃO PODENDO SER GENÉRICO E INDETERMINADO SOB PENA DE IMPOSSIBILITAR O CONTRADITÓRIO E CONFIGURAR NULIDADE. 2. ASSIM, A CONDENAÇÃO DO RÉU A FORNECER “O TRATAMENTO POSTERIORMENTE PRESCRITO”, SEM MAIORES ESPECIFICAÇÕES, É GENÉRICA E INDETERMINADA, DE FORMA QUE A SENTENÇA HOSTILIZADA É NULA NESTE PONTO, DEVENDO SER MANTIDA A OBRIGAÇÃO DO ESTADO AO FORNECIMENTO DO EXAME DE CÁPSULA ENDOSCÓPICA, O QUE JÁ OCORREU COM O DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação / Remessa Necessária, Nº 50112051620198210033, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em: 29-11-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. PARTE AUTORA RECÉM-NASCIDA. FORNECIMENTO DE UTI NEONATAL. RESPONSABILIDADE DOS ENTES PÚBLICOS. Hipótese de não conhecimento de parte do recurso do Município, porquanto sequer havida condenação no ponto - pagamento de Taxa Única de Serviços Judiciais. Em matéria de saúde pública a responsabilidade da União, Estados e Municípios é solidária, competindo-lhes, independentemente de divisão de funções, garantir direito fundamental à vida e à saúde do cidadão. É dever do Estado lato sensu fornecer ao cidadão necessitado meios para resguardo da sua saúde e vida. Parte autora, nascida prematuramente, que, com quatro dias de vida, necessitava, com urgência, de vaga em UTI Neonatal. Providências anteriores ao ajuizamento da demanda, objetivando a remoção/internação da criança ,que se mostraram inexitosas, a despeito do pleito nesse sentido havido. PARTE DA SENTENÇA COM CONTEÚDO GENÉRICO. AFASTAMENTO DESSA DETERMINAÇÃO DO JULGADO.´ Justificando-se a propositura da demanda pela necessidade de fornecimento de vaga em UTI Neonatal e, consequentemente, dos tratamentos daí decorrentes, não há por que, e nem a ordem processual tanto deve autorizar, incluir pedido genérico e indeterminado de condenação a “quaisquer outras medidas concretizadoras do direito à saúde que se fizerem necessárias, se comprovada a necessidade" de forma global, por tempo indeterminado. Afastamento da determinação, até porque já alcançados os objetivos da inicial. Devida a condenação do Município, quando sucumbente, nas causas patrocinadas pela Defensoria Pública, a honorários advocatícios destinados ao fundo especial dessa instituição. Valor estabelecido em adequação aos parâmetros que têm sido observados neste órgão fracionário, considerando sua destinação ao fundo especial da Defensoria Pública (FADEP), tudo em consonância com o artigo 85 do Código de Processo Civil. APELAÇÃO DO ESTADO PROVIDA E DO MUNICÍPIO, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDA.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 50038325520198210025, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,...

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