Acórdão nº 50006719520088210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 01-06-2022

Data de Julgamento01 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50006719520088210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002159038
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000671-95.2008.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Improbidade Administrativa

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: GERALDA MARIA BAUER PEREIRA RIGOTTI (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL da sentença que, nos autos da ação de improbidade administrativa que ajuizou em face de GERALDA MARIA BAUER PEREIRA RIGOTTI, julgou improcedentes os pedidos, condenando o Estado ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 5.000,00.

Em suas razões, alegou que a ré, médica, na condição de funcionária celetista da FGTAS, cedida à Secretaria Estadual de Saúde - SES - para desempenhar a função de Coordenadora do Programa Estadual DST/AIDS, praticou atos ímprobos consistentes em contratações de consultores técnicos para o Departamento de Ações em Saúde (DAS) por meio de processo dirigido de seleção; emissão de pareceres favoráveis à ONG Laços - Ações em Educação e Saúde, visando à aprovação de projetos desta organização pelo Programa Nacional de DST/AIDS; participação remunerada em palestras de capacitações profissionais promovidas pela ONG Laços nos projetos acima referidos, em horários em que deveria estar laborando para a Secretaria Estadual de Saúde (SES); sugestão aos Municípios para que efetuassem a contratação da ONG Laços para realizar capacitação profissional na área da saúde. Referiu que os processos de seleção para a contrataçao de técnicos para o DAS eram dirigidos a determinadas pessoas, revelando-se irregulares e contando com a aprovação da demandada na condição de coordenadora do programa. Exemplificou com a contratação de dois coordenadores que não possuíam conhecimentos de informática atestado por cursos, embora tal fosse exigência do edital, e mesmo assim foram aprovados porque já haviam trabalhado no serviço público de saúde. Disse que a prova testemunhal corrobora todas as acusações, sendo de conhecimento das testemunhas qie a ré participava de palestras e cursos de capacitação profissional promovidos pela ONG Laços, em horário que deveria estar trabalhando na Secretaria, tendo ainda por tais participações recebido honorários que totalizaram R$ 27.480,00). Salientou que sua conduta vai de encontro aos princípios da legalidade e da moralidade exigidos do agente que desempenha função pública. Sustentou que não cabia à ré alegar ausência de dolo na sua prática, porque, em face da natureza dos atos, era plenamente possível prever a imoralidade das ações, tendo ela obrado com dolo, seja direto ou eventual. Requereu o provimento do recurso, modificando-se a sentença recorrida para julgar procedentes os pedidos.

Vieram contrarrazões pela manutenção da sentença.

Nesta Corte, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pela conversão do feito em diligência, a fim de que as partes se manifestassem acerca dos efeitos da Lei nº 14.230/2021.

Convertido o feito em diligência, sobreveio manifestação das partes, o Estado argumentando pela inaplicabilidade da nova lei ao caso, uma vez que os fatos se deram anteriormente à sua vigência, e a demandada pela aplicação da nova lei, entendendo deva retroagir para benefício da parte ré.

Novamente com vista dos autos, a Procuradoria de Justiça opinou pela suspensão do feito até que se defina o Tema 1199 no STF. No mais, manifestou-se pela irretroatividade da lei nova, afastando-se a prescrição intercorrente e julgando-se procedente o apelo.

É o relatório.

VOTO

Desde logo adianto que o recurso vai desprovido.

Inicialmente, afasto a suspensão do feito, sustentada pelo Ministério Público em razão da ausência de definição do Tema 1199 do STF1, uma vez que, durante a tramitação do Leading Case (ARE 843989), que deu origem ao tema, foi determinado expressamente pelo Ministro Relator, Alexandre de Moraes, que a suspensão só se daria em relação aos feitos que estivessem para julgamento de Recurso Especial, referindo "Na presente hipótese, não se afigura recomendável o sobrestamento dos processos nas instâncias ordinárias, haja vista que (a) a instrução processual e a produção de provas poderiam ser severamente comprometidas e (b) eventuais medidas de constrição patrimonial devem ser prontamente examinadas em dois graus de jurisdição" e finalizando com o seguinte dispositivo: "Por todo o exposto, além da aplicação do artigo 1.036 do Código de Processo Civil, DECRETO a SUSPENSÃO do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021". Grifei

Posteriormente, em abril de 2022, ao apreciar embargos de declaração acerca da suspensão do prazo prescricional nos processos cujo processamento dos Recursos Especiais restou suspenso, definiu o seguinte:

No presente caso, estão presentes as mesmas razões elencadas acima para a suspensão dos prazos prescricionais dos processos sobrestados em face do reconhecimento da repercussão geral neste leading case.

A suspensão dos prazos prescricionais nas ações de improbidade até o julgamento do mérito do Tema 1199 resguarda o exercício da pretensão sancionatória estatal e assegura a efetividade dos processos já instaurados.

Por todo o exposto, ACOLHO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, com efeitos infringentes, para determinar a SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL nos processos com repercussão geral reconhecida no presente tema.

Deste modo, ficou bem delimitado o alcance da suspensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive sendo assegurado que nestes feitos não haveria transcurso do prazo prescricional durante a suspensão, visando a não responsabilizar o Estado por qualquer tipo de inércia em sua atuação processual, uma vez que o não exercício da pretensão se deu por determinação legal, prevista no artigo 1.035, §5º, do CPC, não se podendo caracterizar a desídia ou inércia estatal.

Acrescento tal consideração, a fim de ressaltar que eventual sobrestamento deste feito, à revelia do que decidido pelo Ministro Relator, implicaria paralisação do processo, aí sim podendo dar margem ao transcurso do prazo prescricional da Lei de Improbidade Administrativa.

No que concerne à aplicação da nova lei (Lei nº 14.230/21), que alterou a redação de determinados dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), embora não cogitado pelas partes litigantes, mas levantado pelo Ministério Público já nesta Corte, razão da intimação das partes a que sobre ela se manifestassem, inaplicável à espécie.

Embora a legislação de regência da improbidade trate de apuração de infrações na condução administrativa, prevendo sanções à atuação ímproba daqueles que administram a coisa pública ou dela se valham em contrariedade com os princípios administrativos da moralidade, legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, trata-se de legislação que não possui natureza penal, mas natureza civil (artigo 37, §4º, da CF2), como já decidido pelo STF na ADI 2.7973, tanto que aplicado ao seu processamento a Lei nº 13.105/2015, Código de Processo Civil (artigo 17 da Lei nº 8.429/92).

Mas é da própria Constituição federal que se extrai a conclusão de que se trata de ação de natureza civil, pois estabelece as sanções dos atos de improbidade, ressalvando a ação penal cabível (artigo 37, §4º, da CF).

Ademais, a pretendida retroação da novel legislação aos atos praticados antes de sua vigência, por se tratar de exceção conferida à eficácia das leis penais no tempo que vem expressamente consagrado na própria Constituição Federal, artigo 5º, XL 4, em momento algum estende tal benefício às demais legislações, ainda que mais benéficas.

Assim, por se tratar de exceção à regra de que a legislação entra em vigor na data de sua publicação, deve ser interpretada restritivamente. Ou seja, apenas para as leis de natureza penal, caso de que já se tratou linhas antes, e até que se tenha orientação da Corte Suprema em sentido contrário, não se aplica à legislação acerca da improbidade, de natureza civil, que, em seu artigo 24, dispositivo que não sofreu modificação pela Lei 14.230/21, estabelece que a lei entrará em vigor na data de sua publicação, aplicando-se-lhe as regras processuais civis para o processamento do feito (artigo 17 da Lei nº 8.429/92). Ainda que se considere que as disposições que se pretendam aplicar retroativamente tenham natureza de direito material (aferição do dolo na conduta ímproba e prescrição), a nova lei surtirá seus efeitos quanto a essas determinações somente a partir de 45 dias de sua publicação oficial (artigo 1º da LINDB5).

Seja como for, não há previsão constitucional ou mesmo legal de retroação dos efeitos da lei nova para atingir fatos praticados antes de sua vigência, descabendo sua aplicação, seja para análise do dolo da conduta, seja para análise da prescrição intercorrente.

Adentrando no mérito propriamente dito, como já adiantei, o recurso não prospera, sendo mantida a brilhante sentença recorrida da lavra do Dr. Luis Augusto Domingues de Souza Leal.

Sintetizo que a ação de improbidade ajuizada em face de Geralda Maria Bauer Pereira Rigotti visava a apurar atos ímprobos, cujas acusações, partidas de denúncia anônima, são as seguintes: a demandada, à época funcionária celetista da FUGAST (médica), foi cedida à Secretaria Estadual da Saúde, como Coordenadora do Programa Estadual de DST/AIDS, do Departamento de Ações em Saúde (Evento 3, Processo Judicial 1, fl. 10), e teria se utilizado da sua função para beneficiar a ONG Laços, destinando recursos advindos do programa do Ministério da Saúde, para depois ser chamada pela própria ONG a proferir cursos e palestras, com recebimento de honorários respectivos. A acusação ainda...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT