Acórdão nº 50006720920158210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 22-06-2022

Data de Julgamento22 Junho 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50006720920158210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002084622
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5000672-09.2015.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio Simples (art. 121 caput)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

RECORRENTE: RUI ALBERTO QUADRI (ACUSADO)

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

De início, trago à baila o relatório da sentença de lavra do Juiz de Direito Dr. Vancarlo Andre Anacleto, que bem sintetizou os principais eventos da marcha processual (evento 70, SENT1):

O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu agente, ofereceu denúncia contra RUI ALBERTO QUADRI, já qualificado nos autos, como incurso nas sanções do art. 121, §1º, do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

"No dia 09 de maio de 2015 (sábado), por volta das 20h15min, na Rua Eduardo Boza, nº 115, no Bairro Pioneiro, nesta Cidade, sob violenta emoção e logo em seguida a injusta provocação da vítima, RUI ALBERTO QUADRI matou Johnatan Rodrigues Marques, mediante disparos de arma de fogo (não apreendida), atingindo-o na região tronco abdominal direita e braço esquerdo, produzindo-lhe as lesões descritas no auto de necropsia anexo, o qual aponta como causa da morte hemorragia torácica.

Na oportunidade, momentos antes da execução da vítima, após a ingestão de bebida alcoólica durante uma partida de cartas, desencadeou-se discussão verbal entre RUI e Johnatan, que cessou por intervenção dos frequentadores do local. Superado e episódio, em circunstâncias não bem esclarecidas no inquérito policial, o denunciado encontrou Johnatan em via pública, onde, após ameaças por parte da vítima, partiu para agressão física e, utilizando-se de arma de fogo não apreendida, desferiu dois disparos contra o ofendido, causando-lhe a morte".

A denúncia foi recebida em 18.08.2015 (evento 3, PROCJUDIC4, fl. 08).

O réu foi pessoalmente citado (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 25/26) e, por intermédio de defesa constituída, apresentou resposta à acusação (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 15/25).

Afastada a hipótese de absolvição sumária e designada audiência de instrução (evento 3, PROCJUDIC5, fl. 23).

Durante a instrução, foram ouvidas as testemunhas José Francisco Marques, Alex Marques, José Luiz Antunes (degravação, evento 3, PROCJUDIC11) e Leodacir Luiz Tiratti (evento 49). Houve desistência na inquirição da testemunha Alex Sandro de Almeida (evento 3, PROCJUDIC12, fl. 21). A testemunha Daniel da Silva Pinto juntou declaração abonatória (evento 58, DECL2). Ao final, o réu foi interrogado (evento 49).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais escritos, na forma do artigo 403, §3º, do Código de Processo Penal.

Em memoriais, o Ministério Público requereu a pronúncia do acusado pela prática do delito previsto no art. 121, §1º, do Código Penal (evento 64).

Por sua vez, a Defesa Constituída sustentou a hipótese de absolvição sumária pelo reconhecimento da legítima defesa. De forma subsidiária, requereu a impronúncia do acusado, por insuficiência probatória. Ainda, pediu a exclusão das qualificadoras (evento 68).

Por fim, os autos vieram conclusos para decisão.

Por sentença publicada em 03/11/2021 (data do primeiro ato cartorário, ausente certidão de publicação nos autos), o réu RUI ALBERTO QUADRI foi PRONUNCIADO nas sanções do artigo 121, caput, do Código Penal, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri; facultado o direito de recorrer em liberdade (evento 70, SENT1).

Inconformado, o réu interpôs recurso em sentido estrito (evento 80, RSE1).

Em suas razões, preliminarmente, defendeu a inconstitucionalidade do art. 7º da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal, alegando que a pronúncia deve respeitar a tipificação prevista na denúncia, pugnando, portanto, pelo reconhecimento da privilegiadora prevista no art. 129, §1º. No mérito, requereu a absolvição sumária com base no reconhecimento de que o denunciado agiu sob o manto da legítima defesa. Subsidiariamente, postulou pela impronúncia nos termos do art. 414 do Código de Processo Penal. Por fim, apresentou pedido de prequestionamento (evento 87, RAZRECUR1).

Apresentadas contrarrazões (evento 90, CONTRAZ1, fls. 25/34), o decisum combatido foi mantido em juízo de retratação (evento 92, DESPADEC1, fl. 35).

Os autos foram remetidos a este Sodalício, sendo distribuídos à minha Relatoria (evento 3, INF1).

Nesta instância, em parecer exarado pelo Dr. Airton Zanatta, Procurador de Justiça, o Ministério Público manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, acolhendo-se parcialmente a preliminar proposta pela Defesa (evento 12, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Cuida-se de recurso em sentido estrito manejado pela Defesa de RUI ALBERTO QUADRI, inconformado com o decisum que o pronunciou nas iras artigo 121, caput, do Código Penal.

I - Preliminar: Reconhecimento do homicídio privilegiado (violenta emoção e após injusta provocação da vítima)

Em primeiro lugar aponto, desde já, que entendo como impositiva a manutenção da pronúncia do denunciado, de modo que cabível a análise da preliminar proposta pela Defesa.

Alega o recorrente, em suas razões, a inconstitucionalidade do artigo 7º da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal, indicando que sua utilização, por parte do Magistrado sentenciante, viola o teor do artigo 129 da Constituição Federal, responsável pela atribuição da competência privativa do Ministério Público para promoção das ações penais públicas.

Nesse contexto, salientou o recorrente que a denúncia tipificou a conduta do denunciado de acordo com as sanções do art. 121, §1º, do Código Penal, na medida em que apontado na inicial acusatória que o réu agiu mediante violenta emoção e após injusta provocação da vítima.

Com efeito, assim como bem apreciado no parecer ministerial, muito embora descabida a alegação de inconstitucionalidade do dispositivo previsto na Lei de Introdução ao Código Penal, o caso concreto não demanda a aplicação do referido Diploma Legal, na medida em que o Ministério Público, titular privativo da ação penal pública, quando do oferecimento da denúncia, tipificou a conduta homicida vinculada à privilegiadora prevista no §1º do art. 121 do Código Penal.

Ou seja, nos termos do parecer, "o reconhecimento da causa de diminuição advém da própria imputação e não de eventual juízo de valor do magistrado. Assim, entende-se que a manutenção do referido privilégio não ofende a competência do Conselho de Sentença.".

Por derradeiro, se tudo isso nçao bastasse, é vedado o reconhecimento de inconstitucionalidade por órgão fracionário de Tribunal de Justiça, sob pena de violação à cláusula de reserva de plenário, nos termos do artigo 97, da Constituição Federal.

Portanto, mantida a pronúncia, cabível a alteração da tipificação do delito, reconhecendo-se a incidência da privilegiadora.

II - Mérito

II. I - Requisitos do artigo 413 do Código de Processo Penal

Na decisão de pronúncia, veda-se ao Julgador análise "exaustiva, percuciente do processo, como se estivesse julgando um crime de sua competência"1, porquanto somente ao Conselho de Sentença, diante de expressa determinação no texto constitucional, incumbe o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Exige-se do Juiz togado, tão somente, nesta decisão interlocutória mista não terminativa, que encerra o judicium accusationes, a indicação de prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, a teor do artigo 413 do Código de Processo Penal.

Nessa toada, descabe ao Juiz togado, nesta fase processual, realizar exame percuciente do almanaque probatório, bem como a integralidade de fatores que permeiam a acusação, tal apreciação acurada competindo ao Conselho de Sentença, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVIII, “d”, da Constituição Federal.

Entretanto, como preleciona Campos (2021, p. 341/342):

Deve-se tomar redobrado cuidado na interpretação do art. 413, § 1º do CPP que limita a fundamentação da pronúncia à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Isso porque, numa leitura literal de tal dispositivo, a fundamentação, da decisão de pronúncia limitar-se-ia, tão somente, a indicar páginas referentes ao laudo de exame de corpo de delito ou necroscópico e aquelas onde constam os depoimentos colhidos e mais nada! Ora, não se pode aceitar essa indicação de provas como fundamento da decisão; é preciso que o magistrado, além de apontar onde constatou as evidências de materialidade e autoria, analise sua eficácia probante, se suficiente ou não para levar o processo a ser julgado pelo Tribunal do Júri, sem inocorrer; é claro, em exageros terminológicos que poderiam comprometer a imparcialidade dos jurados.2

À luz de tais diretrizes, verifica-se que a materialidade do crime, que sequer foi objeto de impugnação, resta evidenciada pelos laudos periciais (evento 3, DENUNCIA1, fl. 4, evento 3, PROCJUDIC6, fls. 3/7 e evento 3, PROCJUDIC8, fl. 3), registro de ocorrência (evento 3, INQ2, fls. 2/3), certidão de óbito (evento 3, PROCJUDIC6, fl. 2), bem como pela prova oral coligida.

Da mesma forma, indícios suficientes de autoria.

No aspecto, com o escopo de evitar desnecessária tautologia, homenageando o trabalho do nobre Colega a quo, peço vênia para transcrever o resumo da prova oral procedido na sentença, realizado com precisão e propriedade:

A testemunha José Francisco Marques, genitor do ofendido, não presenciou o fato, mas afirmou conhecer o acusado. Soube que seu filho estava baleado, agonizando na rua, dizendo que "me atiraram de dentro de um carro". Colocou o filho dentro do seu veículo e o levou para o hospital. Destacou nunca ter tido qualquer desentendimento com Rui....

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