Acórdão nº 50006747020218210041 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-11-2022

Data de Julgamento04 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50006747020218210041
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002736327
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000674-70.2021.8.21.0041/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: VITORIA DA UNIAO EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA (RÉU)

APELADO: FRANCISCO MATIAS MENGUE (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por VITORIA DA UNIAO EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA contra a sentença proferida na ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais cumulada com revisional de contrato ajuizada por FRANCISCO MATIAS MENGUE, com o seguinte dispositivo (Evento 57 da origem):

Em face do exposto, na forma do artigo 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE a ação ajuizada por FRANCISCO MATIAS MENGUE em face de VITÓRIA DA UNIÃO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, para o efeito de revisar o contrato em questão determinando:

a) que as parcelas sejam mensalmente corrigidas, considerando o índice de caderneta de poupança, sem acréscimos;

b) o afastamento da cobrança da capitalização de juros em qualquer periodicidade;

c) a fixação da multa de mora decorrente do inadimplemento de obrigações em percentual de 2%, em atenção aos termos dispostos no CDC;

d) descaracterização da mora até o recálculo do montante da dívida;

e) determinar a imissão do autor na posse do imóvel objeto do Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda de imóvel, haja vista o adimplemento de mais de 20% do valor do bem.

Arcará a parte ré com as custas processuais e honorários advocatícios do patrono da parte autora, que arbitro em 10% sobre o valor da causa, corrigidos pela variação do IGP-M, a serem atualizados desde esta data até o efetivo pagamento, considerando o disposto no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitado em julgado, arquive-se com baixa.

Diligências legais.

Da sentença foram opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados (Evento 69 do processo de origem).

A parte-ré, declinando suas razões (Evento 76 do originário), requer a reforma da sentença. Refere que "a lei 10.931/04, que regulamenta a comercialização de imóveis e os índices que poderão ser utilizados para fins de correção monetária, em seu artigo 46, faz menção expressa ao índice de remuneração básica da caderneta de poupança, também conhecido no mercado como Taxa Referencial (TR)". Diz que "a TR acrescida daquele adicional de 0,5% compõe a conhecida remuneração plena da caderneta de poupança". Destaca que "no âmbito do próprio STJ, pacificou-se o entendimento de que “a Taxa Referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui fator que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda”. Alerta, por isso, que "a manutenção daquele adicional de 0,5%, juntamente com a TR, para fins de reajuste do valor das parcelas contratuais, sem prejuízo da incidência dos juros remuneratórios pactuados em 1% a.m., é algo que se impõe, sob pena desta apelante restar alijada no direito de lograr a recomposição do poder monetário dos valores investidos no empreendimento descrito nos autos". Em caráter sucessivo, admite "a substituição do índice de remuneração plena da caderneta de poupança pelo IPCA, ou pelos parâmetros de atualização monetária do TJMG, mantida, em qualquer caso, a incidência dos juros remuneratórios pactuados contratualmente em 1% a.m., mediante a capitalização anual dos mesmos (juros simples)". Ainda, defende a reforma da sentença quanto "à exclusão dos juros remuneratórios pactuados em 1% a.m., a pretexto de que a sua incidência concomitante com o índice de remuneração da caderneta de poupança configuraria bis in idem", destacando ", que o percentual pactuado pelas partes, a título de juros remuneratórios, está dentro dos limites previstos em Lei, devendo, por isso mesmo, ser mantido naquele patamar 1% a.m., autorizando-se, portanto, a capitalização anual (juros simples)". Registra que "os tribunais estaduais, também tem reconhecido o cabimento da cobrança de juros remuneratórios em 1% a.m, de forma cumulada com a aplicação de índice de correção monetária". Quanto à capitalização dos juros, diz "que esta é possível de forma anual na composição dos juros remuneratórios, haja vista que a cobrança destes nas operações imobiliários encontra respaldo no art. 5º da Lei nº 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema Financeiro Imobiliário". Entende que, "embora a apelante não integre o Sistema de Financiamento Imobiliário, o parágrafo segundo do art. 5º mencionado autoriza, nas operações de comercialização de imóveis, a aplicação das mesmas condições permitidas aos entes autorizados a operar no SFI". Por fim, pede o afastamento da descaracterização da mora e a impossibilidade de imissão na posse tendo em vista a rescisão de pleno direito por falta de pagamento do financiamento.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 84 do processo originário).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTO

DA RELAÇÃO JURÍDICA LITIGIOSA.

Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLAÚSULAS CONTRATUAIS c/c REVISIONAL DE VALORES.

As partes firmaram, em 19 de maio de 2016, Contrato Particular de Promessa de Compra e Venda de Imóvel para aquisição de lote inscrito na Matrícula n° 18.569, Ficha 01, livro 02, do Cartório de Registro de Imóveis de Porto Seguro/Bahia, com valor de negociação na quantia de R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) - Evento 1 - CONTR4.

REVISÃO JUDICIAL DO CONTRATO

A revisão judicial dos contratos encontra-se amparada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum.

De fato, a Constituição Federal de 1988, entre as garantias fundamentais, assegura a intervenção do Poder Judiciário para apreciação de lesão ou ameaça a direito da parte, consoante dispõe seu inciso XXXV do art. 5º.

Outrossim, na colisão entre os princípios da autonomia privada e os princípios da boa-fé e da função social do contrato, estes receberam precedência pelo Código Civil de 2002, o que não significa que o princípio cedente – pacta sunt servanda – tenha perdido sua validade.

Nesse sentido, transcrevo jurisprudência do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA. [...] 1.1. Ademais, a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o princípio da pacta sunt servanda pode ser relativizado, visto que sua aplicação prática está condicionada a outros fatores, como, por exemplo, a função social, a onerosidade excessiva e o princípio da boa-fé objetiva dos contratos. Incidência da Súmula 83/STJ. [...] 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1506600/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/12/2019, DJe 12/12/2019).

Dessa forma, não prevalecem os genéricos argumentos defensivos da acerca da obediência aos princípios do "pacta sunt servada”.

PEDIDOS SUCESSIVOS/ALTERNATIVOS. INOVAÇÃO RECURSAL.

Pelo princípio da estabilidade objetiva da demanda as partes não podem alterar o pedido nem as questões e os fatos suscitados na petição inicial e na contestação.

Acerca do princípio da estabilidade objetiva da demanda, o jurista Rui Portanova1refere o seguinte:

O princípio da consubstanciação é um desses limites que o interesse público que rege o processo impõe às partes. A liberdade das partes quanto aos fatos e aos pedidos constantes do processo sofre as limitações impostas em lei [...] tanto a consubstanciação como a adstrição do juiz ao pedido da parte se referem aos termos da ação, mas um é conseqüência do outro. A consubstanciação impede que as partes alterem a causa pedir e o pedido. Já a adstrição constrange o juiz aos limites que a imutabilidade impõe ao processo [...] Entendemos o princípio da substanciação como estabilidade objetiva da lide que opera seus efeitos tanto para o autor quanto para o réu [...] Em verdade, depois da citação as partes mantém plena disponibilidade, mas devem estar de acordo. Essa liberdade vai até o saneamento do processo. Depois desse ato, incide interesse público na estabilidade objetiva e material da demanda. Logo, em nenhuma hipótese serão permitidas alterações. [...] Quanto ao réu, o princípio geral do acesso à justiça (também chamado disponibilidade) informa a ampla defesa. Na contestação, o réu pode alegar o que entender conveniente para defender-se. Depois disso, os termos da lide estabilizam-se .

Ora, conforme o Princípio da Eventualidade, as partes têm obrigação de produzir, de uma só vez, todas as alegações e requerimentos nas fases processuais correspondentes, ainda que as razões sejam excludentes e incompatíveis umas com as outras2.

Em relação ao dever de indicar os fatos a partir dos quais move sua pretensão, leciona Fredie Didier Jr.3:

Tem, assim, o autor de, em sua petição inicial, expor todo o quadro fático necessário à obtenção do efeito jurídico perseguido, bem como demonstrar como os fatos narrados autorizam a produção desse mesmo efeito (deverá o autor demonstrar a incidência da hipótese normativa no suporte fático concreto).

Adotou, nosso CPC a chamada teoria da substancialização da causa de pedir, que impõe ao demandante o ônus de indicar, na petição inicial, qual o fato jurídico e qual a relação jurídica dele decorrente que dão suporte ao seu pedido. Não basta a indicação da relação jurídica, efeito do fato jurídico, sem que indique qual o fato jurídico que lhe deu causa – que é o que prega a teoria da individualização.

Discorrendo acerca da causa de pedir e da limitação que impõe ao feito, refere Luiz Guilherme Marinoni4:

É correto afirmar que o autor deve afirmar um fato...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT