Acórdão nº 50006748220218210134 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 07-07-2022

Data de Julgamento07 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50006748220218210134
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001865746
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000674-82.2021.8.21.0134/RS

TIPO DE AÇÃO: Contra a Mulher

RELATOR: Desembargador MANUEL JOSE MARTINEZ LUCAS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Sobradinho, E. L. L., 47 anos à época dos fatos, foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 129, § 9º (1º fato), do artigo 147 (2º fato) e do artigo 140, §3º, (3º fato), todos do Código Penal, com incidência dos artigos e da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

A peça acusatória, recebida em 01 de junho de 2021 (Evento 4, DESPADEC1), foi do seguinte teor:

1º FATO - LESÃO COORAL:

No dia 11 de maio de 2021, às 20h, na residência localizada na Localidade de Linha Cascata, s/n, interior, no Município de Ibarama/RS, o denunciado EDEMAR LUIS LINHAR, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, ofendeu a saúde física e a integridade corporal da vítima Lovane Fatima Bertoti, sua companheira à época dos fatos.

Na oportunidade, o denunciado, sob efeito de álcool e/ou entorpecentes, por motivos não esclarecidos nos autos, agrediu a vítima com socos, bem como lhe desferiu golpes com um cabo de vassoura, causando-lhe as lesões descritas no Laudo de Lesão Corporal da p. 12 do INQ1 – Evento 21, consistentes em: “(...) lesão traumática no olho esquerdo (e) hematoma (no) couro cabeludo”.

O delito foi praticado em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, a teor do disposto nos artigos e , ambos da Lei nº 11.340/06.

A vítima representou contra o denunciado, conforme Boletim de Ocorrência nº 1008/2021/151831, e requereu as Medidas Protetivas (Evento 1 – INQ1, ps. 13-14).

2º FATO - AMEAÇA:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do fato anterior, o denunciado EDEMAR LUIS LINHAR, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, ameaçou a vítima Lovane Fatima Bertoti, sua companheira à época dos fatos, por palavras, ou gestos, de causar-lhe mal injusto e grave.

Na ocasião, o denunciado, sob efeito de álcool ou entorpecentes, por motivos não esclarecidos nos autos, ameaçou a vítima, com uma faca em mãos (objeto não apreendido), aduzindo que a mataria, sendo que em seguida desferiu diversas estocadas com o referido objeto nas paredes da casa.

A infração penal foi praticada em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, a teor do disposto nos artigos e , ambos da Lei nº 11.340/06.

A vítima representou contra o denunciado, conforme Boletim de Ocorrência nº 1008/2021/151831, e requereu as Medidas Protetivas (Evento 1 – INQ1, ps. 13-14).

3º FATO - INJÚRIA RACIAL:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local dos fatos anteriores, o denunciado EDEMAR LUIS LINHAR, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, injuriou a vítima Lovane Fatima Bertoti, sua companheira à época dos fatos, lhe ofendendo a dignidade e o decoro, utilizando elementos referentes à raça, cor e etnia.

No ensejo, o denunciado, sob efeito de álcool ou entorpecentes, por motivos não esclarecidos nos autos, injuriou a vítima, chamando-a de “negra suja”, além de injuriá-la utilizando dos termos “cadela, ‘pestiada’ e imundícia”.

O crime foi praticado em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, a teor do disposto nos artigos e , ambos da Lei nº 11.340/06.

A vítima representou contra o denunciado, conforme Boletim de Ocorrência nº 1008/2021/151831 (Evento 1 – INQ1, ps. 13-14).

Processado o feito, sobreveio sentença (Evento 50, SENT1), assinada digitalmente em 09 de setembro de 2021, julgando procedente a ação penal, a fim de condenar o acusado como incurso nas sanções do artigo 129, § 9°, combinado com o artigo 61, II, "j", ambos do Código Penal (1° fato); do artigo 147, combinado com o artigo 61, II, "f" e "j", ambos do Código Penal (2° fato); e do artigo 140, § 3°, combinado com o artigo 61, II, "f" e "j", ambos do Código Penal (3° fato), todos com a incidência dos artigos e da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), incidindo entre os fatos a regra prevista no artigo 69, caput do Código Penal.

A pena foi fixada em 03 (três) anos de reclusão, e em 11 (onze) meses de detenção e 30 (trinta) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação (Evento 56, REC1). Em suas razões (Evento 64, RAZAPELA1), preliminarmente, alegou falta de condições de procedibilidade da ação quanto ao crime de ameaça, tendo em vista a ausência de representação da vítima. No mérito, no tocante ao crime de lesões corporais, requereu a absolvição do acusado por legítima defesa. No que condiz com os delitos de injúria racial e de ameaça, igualmente, postulou a absolvição, argumentando que o vizinho do casal, senhor Odair Cardoso, referiu não ter presenciado qualquer ameaça ou injúria em desfavor da vítima. Alternativamente, pleiteou a aplicação da atenuante prevista no artigo 129, § 4°, do Código Penal, alegando que a ação do réu se deu após a vítima agredir o filho deficiente; o afastamento da agravante prevista no artigo 61, II, "j" do Código Penal; o redimensionamento da penas-bases em seus patamares mínimos legais; e a aplicação da detração do período em que o réu estava segregado.

Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público (Evento 67, CONTRAZAP1).

Vieram os autos a este Tribunal.

Nesta instância, o parecer do Procurador de Justiça, Dr. Ivory Coelho Neto, foi pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

O recurso interposto é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais é conhecido.

Passo ao exame da preliminar.

Não prospera o pedido defensivo.

Da leitura do boletim de ocorrência policial n° 1008/2021/151831 (5000610-72.2021.8.21.0134 - Evento 1, P_FLAGRANTE1 - pág. 07), percebe-se que a ofendida manifestou o seu desejo em representar criminalmente contra o acusado, no que se refere ao crime de ameaça.

Assim, não há que se falar em ausência das condições de procedibilidade da ação, já que a tramitação do feito foi desenvolvida de maneira regular, sem qualquer vício a ser sanado.

Assim, afasto a preliminar suscitada.

Passo à análise do mérito.

A materialidade dos delitos restou consubstanciada pelo boletim de ocorrência policial n° 1008/2021/151831 (5000610-72.2021.8.21.0134 - Evento 1, P_FLAGRANTE1 - págs. 07/10), pelo atestado médico do Hospital São João Evangelista da cidade de Sobradinho/RS (5000610-72.2021.8.21.0134 - Evento 21, INQ1 - pág. 13), pela certidão policial (IP 5000610-72.2021.8.21.0134, Evento n. 21, INQ2, fl. 12), pelos termos de declarações colhidos em sede policial (IP 5000610-72.2021.8.21.0134, Evento n. 21, INQ1, fls. 21, 22 e 23, INQ2, fl. 24), bem como pela prova oral colhida em juízo.

A autoria dos delitos é certa e recai sobre a pessoa do acusado.

A fim de evitar inútil e fastidiosa tautologia, transcrevo a análise dos depoimentos contida na sentença:

A vítima Lovane Fatima Bertoti, em juízo, disse que é companheira do réu há 12 anos, período em que Edemar sempre fez uso de bebida alcoólica e lhe agrediu. Ressaltou que o réu nunca lhe respeitou, e que sempre lhe “poupou” por pena, pois este já “perdeu” a filha mais velha e não queria que o mesmo ocorresse em relação ao “pequeno”. Disse que já havia feito registros contra o réu, possuindo, inclusive, medida protetiva. No dia dos fatos, disse que foi servir seu prato para jantar, oportunidade em que o réu estava bebendo perto do fogão e “resmungando”, quando lhe agrediu com uma vassoura, oportunidade em que utilizou de uma “cadeirinha” para se defender. Após, o réu conseguiu derrubar a cadeira e passou a lhe agredir com as próprias mãos, “[…] aí ele achou que tinha me matado. Daí ele correu no patrão dele, a sorte que o patrão dele veio, que ele começou […] e prometendo de me matar”. Informou que já ignorava os xingamentos proferidos pelo réu “eu já sentava perto do nenê pra não dá bola, pra não dá encrenca com ele, né”. Disse que as lesões do couro cabeludo e da orelha esquerda foram ocasionadas por socos e que saiu sangue. Ressaltou que, quando voltou da casa de seu patrão, o réu desferiu golpes de faca na parede da casa, enquanto prometia que iria lhe matar. Além das lesões e ameaças, o réu também lhe chamou de “nega suja, cadela, pesteada e imundícia”. Ressaltou que no dia dos fatos ficou com medo de que algo pudesse acontecer, e mesmo depois de ter sido preso, parecia que ia aparecer de algum lugar e lhe fazer mal. Edemar não estava aceitando a separação, pois fazia tempo que dizia a ele que queria se separar e pedia para que colocasse água e luz na residência que passou a morar com seu filho. No dia dos fatos o réu havia ingerindo bebidas alcoólicas, o que fazia corriqueiramente. Disse que a situação começou desde a sua gravidez, quando Edemar bebia e lhe deixava nas estradas à noite, “ele não tinha pena de mim, ele fazia de tudo”. Disse que é por isso que seu filho, deficiente, com 11 anos de idade, que não caminha e não fala, é tão nervoso, por presenciar as cenas, inclusive, durante a gravidez. Salientou que o réu não atirou a vassoura, lhe bateu com ela. Disse que o réu sempre foi assim, que todos xingavam e aconselhavam Edemar, mas que nunca adiantou. Relatou que em uma oportunidade somente “venceu” o réu, que chegou “podre de bêbado em casa, quebrado tudo”, dando soco nas coisas. Disse que o réu só chamou o patrão Odair Cardoso por achar que tinha lhe matado e, quando retornou, proferiu golpes de faca contra a residência querendo lhe matar. Informou que o patrão do réu lhe aconselhava “Para com isso, Miquim, respeita teu filho deficiente, homem, dá um carinho pra aquela criança, que eu não vejo tu dar um...

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