Acórdão nº 50006983220218210063 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
ÓrgãoOitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50006983220218210063
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001911087
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000698-32.2021.8.21.0063/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000698-32.2021.8.21.0063/RS

TIPO DE AÇÃO: Abuso Sexual

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por BERENICE F. A. S. em face da sentença que julgou procedente a ação de destituição do poder familiar promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, na qual também figura no polo passivo WOLMER C. A., em relação a menor Wanessa F. C. A., e autorizou a instauração do procedimento preparatório para adoção - PPA (evento 99).

Em resumo, alega a demandada/apelante que (1) a sentença se baseou em fatos pretéritos e desconexos com a sua real situação, não tendo o órgão ministerial comprovado as imputações de eventual negligência; (2) não foi negligente nas atribuições como mãe, exercendo-as dentro de sua realidade financeira e de forma condizente às necessidades da infante; (3) não deseja o rompimento dos vínculos parentais; (4) encontra-se, atualmente, com plenas condições financeiras, auferindo renda de R$1.100,00, tem residência fixa e não mais necessita de tratamento junto ao CAPS; (5) possui total discernimento de suas atribuições como mãe, de modo que a menor é tratada com todos os cuidados necessários, o que restou comprovado pelas dez declarações de testemunhas que acompanharam a contestação; (6) as suposições das conselheiras de que haveria risco à integridade da menor em razão do pai possuir perfil de abusador não sai do mundo das ideias, já que o médico da criança afirmou não ter notado nada nas partes íntimas da bebê; (7) vem sofrendo com a retirada de sua filha do lar, tendo em vista o enorme vínculo de carinho e afeto existente, podendo, atualmente, lhe oferecer uma vida confortável, disponibilizando tudo que uma criança precisa; (8) embora a família seja humilde, em situação de vulnerabilidade econômica, está comprometida com o bem-estar da filha e deseja tê-la de volta em sua casa; (9) a medida de destituição do poder familiar é excepcional, devendo ser a última alternativa, porquanto implica privação da convivência familiar; e (10) deve ser priorizada a manutenção da criança junto à família natural. Pede a reforma da sentença, a fim de ser julgada improcedente a ação (evento 104).

Nas contrarrazões, o Ministério Público suscita a preliminar de não conhecimento do recurso, por ausência de impugnação específica aos fundamentos da sentença (evento 120).

O parecer ministerial, nesta instância, é pelo desprovimento (evento 7).

É o relatório.

VOTO

De início, rejeito a preliminar levantada pelo Ministério Público na instância de origem, em contrarrazões, de não conhecimento do recurso, por ausência de impugnação específica aos fundamentos da sentença.

Da leitura da peça recursal, vê-se que a demandada expõe de modo suficiente os fatos e as razões pelas quais entende deva ser reformada a sentença que lhe foi desfavorável.

O fato de ter reproduzido argumentos já externados não torna inepta, nem inadmissível a apelação, porque suficientes as razões do inconformismo.

O recurso satisfaz, portanto, a exigência contida no art. 1.010, II e III, do CPC, merecendo ser conhecido.

Passo ao mérito.

Adianto que estou em desprover o recurso.

Para tanto, adoto, como razões de decidir, os bem lançados fundamentos da irretocável sentença da lavra do Juiz de Direito ROGER XAVIER LEAL, que apreciou com cuidado e de forma detalhada a controvérsia, a seguir reproduzidos, sendo suprimido apenas o sobrenome da criança (evento 99):

(...)

Wanessa F. C. A. foi acolhida em 23/03/2021, conforme ofício nº 140/2021 (evento 1, fls. 85/6).

Conforme consta pelas provas carreadas ao feito, após a internação hospitalar da menor, em 23/02/2021, a Unidade de Saúde Francisco Antônio Plastina encaminhou a família para o programa Primeira Infância Melhor (PIM) para acompanhar o desenvolvimento motor e cognitivo. Em visita domiciliar, Cristiane Pereira (visitadora) e Natasha da Silva Pereira (coordenadora do PIM), constataram que a menor estava apática, sem coordenação motora-cognitivo adequado para sua faixa etária e o ambiente com higiene precária. Constataram, ainda, que a menor estava fazendo uso de medicação para anemia, com peso inadequado, tendo o genitor relatado que não tinha condições financeiras para garantir uma alimentação adequada à filha. Na mesma oportunidade, vizinhos relataram à equipe que o genitor beijava a filha na boca (evento 1, fls. 49 e 51).

Segundo Lidiane Tavares Corrêa (assistente social da SMS), no dia 02/03/2021, o genitor compareceu à Secretaria Municipal de Saúde com o propósito da família ser avaliada para receber formula infantil, e durante a entrevista o Sr. Wolmer contou “já ter tido relações com meninas menores de 12, 13 e 14 anos”, e que era conhecido como garanhão da São Miguel, que ainda têm meninas que o procuram pedindo moedas e balas, mas que, após conhecer a Sra. Berenice, perdeu o interesse nas referidas meninas. Na mesma oportunidade, Wolmer disse à assistente social que “a filha Wanessa é uma bebê muito esperta, que quando o vê expõe a língua para fora pedindo beijos, mas que ele diz: o papai não pode te beijar na boca filhinha” (evento 1, fl. 54).

Conforme ofício nº 077/2021, Wolmer disse às conselheiras tutelares, Nardélea Giuse Alves e Stéfani Araujo, ser ele quem despende todos os cuidados que Wanessa necessita, por possuir a Sra. Berenice problemas mentais. O genitor disse dormir com a filha, além de relatar que a Sra. Berenice toma medicação e “apaga” toda noite. Wolmer disse que “essa menina foi muito esperada, que sempre sonhou em ter filha mulher”. As referidas conselheiras, igualmente, verificaram que Wanessa é muito pequena para idade e que não movimentava a cabeça, apenas batia as pernas (evento 1, fls. 3/4).

Ante os relatos acima, e sendo de conhecimento da rede de proteção que o Sr. Wolmer possui um histórico de abuso sexual contra vulneráveis, Vivian Bacelo (psicóloga do CREAS) e Rafela Terrra (assistente social do CREAS), no dia 08/03/2021, realizaram visita domiciliar, sendo recebidas pela janela, por Berenice, a qual referiu que Wolmer havia saído, deixando-lhe trancada no imóvel com Wanessa. Questionada sobre os cuidados básicos com o bebê, a genitora não soube informar a quantidade de leite que Wanessa se alimenta, tampouco o peso e idade da filha (evento 1, fls. 60/1).

Denilza Mena Silveira, assistente social dos postos de saúde, também verificou o comprometimento mental da genitora, inclusive a falta de participação de Berenice quanto aos cuidados básicos da filha (evento 1, fl. 31).

No dia 23/03/2021, Daniela Araújo Mena, técnica de enfermagem, declarou aos conselheiros tutelares Verlaine G. Schwanck e José Milton Barreto que Wanessa ficou aos seus cuidados quando internada no dia 18 de fevereiro do corrente ano, já que o genitor não dispensava os cuidados necessários com a filha. Presenciou o genitor sem camisa no quarto, além de ter dormido na cama com a menina. Wolmer beijava a filha na boca, e uma vez presenciou o genitor com a mão dentro das calças, supostamente se masturbando, enquanto sua filha estava deitada (evento 1, fls. 45, 90 e 94).

As informações prestadas no evento 1, fls. 3/4 e 51, apontam que Wolmer se mostra preocupado com a saúde da menor, porém o conjunto probatório não deixa dúvidas acerca dos riscos que Wanessa fica exposta ao se encontrar sob os cuidados do genitor.

Seguem abaixo os depoimentos prestados em Juízo pelos demandados e pelos profissionais que apuraram as condições psíquica e comportamental dos genitores frente aos cuidados e zelo que deveriam apresentar para criação da filha (eventos 65 e 86).

Berenice Farias de Albernaz Soares, questionada sobre os fatos narrados no processo, limitou-se a respondeu que gostaria de ver a filha, pois tem saudades de Wanessa. Não faz tratamento junto ao CAPS. Estudou ate a 5º série, mas não conseguiu aprender nada. Não soube dizer quanto tempo reside com Wolmer, assim como não soube informar seu endereço e o número da casa. Não soube informar a data, mês ou ano em que colhido o depoimento. Não soube dizer quanto está o salário-mínimo. Não trabalha, fica somente em casa. Tem outro filho (Daniel), que reside com Adão (seu ex-companheiro). Não soube dizer a idade do filho e tampouco a data de aniversario. Não soube informar a data do próprio aniversario, referindo que somente Cardozo (demandado) saberia informar. Não soube dizer o dia em que Wanessa nasceu, referindo ter sido em um quinta-feira. Não soube dizer a idade da filha ou a idade em que foi acolhida. Faz a comida em casa, mas quem alimentava a filha era Cardozo (dava papinha de maça e leite para ela). Não vai ao mercado sozinha, “porque não sabe”.

Wolmer Cardozo de Aguiar, disse que em dezembro fará dois anos que reside com Berenice, com quem possui uma filha. Não tem outros filhos além de Wanessa. Berenice tem condições de cuidar a filha. Afirmou que sabe trocar fralda e dar banho. Berenice cuidava da filha durante o dia e o depoente a noite. Nunca pediu a língua da filha para beijá-la. Antes de Berenice teve um relacionamento, mas não recorda o nome da ex-namorada. Questionado sobre Jorgiane, respondeu que a menina era de rua e que não teve relação com ela. Disse não ser verídica a declaração de Jorge (pai de Jorgiane) de que a menina ia para sua casa. Posteriormente, disse que Jorgiane possui 17 ou 18 anos (que ficou sabendo da idade quando Jorgiane ia para sua casa). Não conhece a assistente social Lidiane. Não soube dizer a razão pela qual há declarações nos autos de que possuía relações com menores e que se intitulava como garanhão da São Miguel.

Natasha...

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