Acórdão nº 50007137920218210037 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 01-12-2022

Data de Julgamento01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50007137920218210037
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002999306
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000713-79.2021.8.21.0037/RS

TIPO DE AÇÃO: Desacato (art. 331)

RELATOR: Juiz de Direito MAURO CAUM GONCALVES

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação interposta por J. P. R. P., em face da decisão que, nos autos da representação ajuizada pelo Ministério Público, pela prática de ato infracional equiparado a desacato, com base no art. 331, caput, do Código Penal, cujo dispositivo restou assim redigido:

Isso posto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na representação, a fim de SUBMETER J. P. R. P. às sanções decorrentes da prática de ato infracional análogo ao delito previsto pelo art. 331, caput, do Código Penal, na forma do art. 103 do ECA. (...)

Isso posto, aplico ao adolescente J. P. R. P. a medida socioeducativa de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COMUNITÁRIOS, pelo prazo de 02 (dois) meses, 03 (três) horas semanais.

Em suas razões recursais, sustentou a ausência de dolo de desacatar as conselheiras tutelares. Afirmou que agiu por medo de ter que voltar para a residência da sua genitora, onde sofria agressões. Teceu considerações acerca da prova produzida. Colacionou jurisprudência ao sufrágio de seus argumentos e, ao final, pugnou pela reforma da sentença e a improcedência da demanda. Subsidiariamente, requereu o abrandamento da medida para a de mera advertência ou redução do prazo da prestação de serviços à comunidade.

Em sede de contrarrazões, o Ministério Público pugnou pela manutenção da decisão da origem, refutando os argumentos recursais e ressaltando a existência de provas a apontar a autoria e materialidade do ato infracional. Teceu considerações acerca da prova produzida. Colacionou jurisprudência ao sufrágio de seus argumentos e, ao final, pugnou pela manutenção da sentença e a improcedência do recurso.

Os autos ascenderam a esta Corte sendo a mim distribuídos.

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade conheço da apelação.

A materialidade do delito restou comprovada pelas comunicações de ocorrência policial; relatório de investigações; bem como pela prova oral colhida.

Em relação à autoria, faz-se necessária a análise dos depoimentos colhidos no curso da instrução judicial.

Para fins de evitar desnecessária tautologia, transcrevo os depoimentos na forma da sentença:

(...) o adolescente (...) confessou a prática. Disse que, de fato, desacatou as Conselheiras Tutelares. Justificou seus atos pois referiu que elas queriam lhe levar a força, sob pressão, e queriam que ele entrasse no carro sem explicar nada. Não havia usado drogas. Elas já haviam tentado ir atrás dele. Fugia de casa pois sofria violência da mãe. Disse que estuda no nono ano do ensino fundamental. Atualmente mora no abrigo de Uruguaiana.

A vítima F. I. K., Conselheira Tutelar, narrou, em audiência, que foi desacatado pelo adolescente. Disse que estava em atendimento ao adolescente, a pedido da mãe, pois ele estava fora de casa havia alguns dias e ela havia localizado ele no Bairro em que moravam. O jovem estava na casa de Maria Rossetti e foi bastante agressivo com as conselheiras, negando-se a acompanhá-las e falando as palavras ofensivas da representação. Ficou com medo pois eram apenas mulheres e o local era ermo. Ficou com receio e chamou a Polícia. Chamou de 'filhas da puta', 'diabo de cola'. Ele estava bastante alterado, mas acredita que não estivesse sob efeito de drogas. As palavras foram proferidas contra a depoente e a Conselheira Izabel. Ele tem algum transtorno e não estava fazendo nenhum acompanhamento, o que pode ter agravado a violência. Ele não queria voltar para a casa da mãe. A mãe narrava que ele fugia de casa, permanecer na rua sem aceitar regras. Depois percebeu que a relação com a mãe era conflituosa e que havia negligência. Ele havia se envolvido em algum problema e havia sido ameaçado. Atualmente ele se encontra na Casa de Acolhimento, está bem, medicado e fazendo tratamentos, com a situação controlada.

I. C. V., Conselheira Tutelar e também vítima, afirmou que os fatos ocorreram exatamente conforme narrado na representação. As palavras ofensivas foram proferidas para as Conselheiras, referindo-se a 'essas mulheres', pois ele se negava a acompanhá-las. Não aparentava estar sob efeito de álcool ou drogas, pois acredita que tenha sido uma atitude do momento. A dona da casa em que ele estava dizia que ele não usava drogas.

Essa é a prova oral produzida, sob jugo do contraditório e ampla defesa, aptas a julgamento.

O desacato é um delito comum quanto ao sujeito ativo da infração e próprio quanto ao sujeito passivo, uma vez que exige que a ofensa seja direcionada contra funcionário público.

Cezar Roberto Bittencourt1 define o crime de desacato como sendo aquele em que há “menosprezo ao funcionário público e, por extensão, à própria função por ele exercida. Reclama, por isso, elemento subjetivo, voltado para a desconsideração, para a humilhação”.

Rogério Greco ainda nos ensina que há a necessidade de que a ofensa tenha sido proferida na presença do ofendido. Não se faz obrigatório que a ofensa tenha sido realizada face a face, mas, tão somente, que o ofendido tenha escutado os impropérios que foram ditos contra a sua pessoa.2

No caso, as ofensas teriam sido direcionadas a duas conselheiras tutelares e de forma direta, já que proferidas presencialmente, atendendo ao requisito legal.

Note-se que, em que pese a confissão não possa ser considerada como elemento determinante à condenação, havendo outras provas produzidas, que apontem à autoria, deve ser considerada e analisada à luz do conjunto probatório.

E este é o caso dos autos.

O adolescente confessou os fatos, afirmando que desacatou as Conselheiras Tutelares em razão da ausência de explicações quanto à necessidade de ingressar no veículo, e receio de volta à residência, em face das violências sofridas e provenientes de sua genitora.

Os relatos das conselheiras tutelares também demonstram, de forma segura, a ocorrência do desacato contra as vítimas, que estavam no exercício de suas funções quando foram xingadas com palavras de baixo calão, como “filhas da puta” e “diabos de cola”.

Nesse viés, destaca-se o depoimento de F. I. K., que afirmou que, no momento da agressão, o adolescente estava alterado, e que ficou com medo pois o local onde estavam era ermo e que, em razão do ocorrido, chamou a Polícia. Ressaltou que o adolescente utilizou xingamentos do tipo 'filhas da puta' e 'diabo de cola'.

No mesmo sentido é o depoimento de I. C. V., também...

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