Acórdão nº 50007150720168210043 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50007150720168210043
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003209889
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000715-07.2016.8.21.0043/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Juiza de Direito CARLA FERNANDA DE CESERO HAASS

RELATÓRIO

Na Comarca de Cerro Largo/RS, o Ministério Público ofereceu denúncia contra A. DA S. V., nascido em 10/09/1985, com 30 anos de idade ao tempo do fato, dando-o como incurso nas sanções do artigo 217-A, caput, do Código Penal, com incidência da Lei nº 8.072/90.

Narra a peça vestibular acusatória (3.1, fls. 02/03), in verbis:

No dia 05 de agosto de 2016, das 10h50min às 11h10min, no Campo de Futebol do Ajax, localizado na Rua Primeiro de Maio, Município de Salvador das Missões/RS, o denunciado A. DA S. V. praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal, com a vítima M. A. T. B., menor de 14 anos na data do fato, consistente em passar o pênis nas nádegas do ofendido.

Naquela oportunidade, o denunciado A., aproveitando-se da condição de vulnerabilidade da vítima M., visto que este possuía 5 (cinco) anos de idade na data do fato, bem como pelo fato de estar sozinho com a criança em um campo de futebol, abaixou a calça e a cueca da vítima e passou a esfregar o seu pênis nas nádegas da vítima vindo a ejacular no mesmo.

As roupas da vítima foram arrecadas e periciadas, sendo constatada a presença de antígeno prostático específico (PSA – sêmen) na calça e cueca da criança.

O crime de estupro de vulnerável é hediondo, nos termo do art. 1º, VI, da Lei nº 8.072/90.

Após representação da autoridade policial pela prisão preventiva do réu, foram-lhe aplicadas medidas cautelares diversas do cárcere, determinada, ainda, a instauração de incidente de insanidade mental (3.1, fls. 32/33).

Recebida a denúncia em 09/07/2018 (3.3, fls. 19/20), o réu foi citado (3.4, fl. 07) e, por intermédio de Defensora Pública, apresentou resposta à acusação (3.4, fls. 13/14).

Ausente hipótese de absolvição sumária, o feito prosseguiu com a oitiva da vítima e testemunhas, restando, ao final, o réu interrogado (3.5, fls. 04/05 e 24/25).

O Ministério Público e a defesa apresentaram memoriais em substituição a alegações finais orais (3.5, fls. 30/50 e 3.6, fls. 01/06).

Em 09/12/2021, sobreveio sentença (3.6, fls. 07/13), julgando improcedente a ação penal e decretando a absolvição imprópria do réu, com fulcro no art. 26 do Código Penal e art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal, sendo-lhe aplicada a medida de segurança de tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 01 (um) ano, devendo a perícia avaliatória ser realizada ao término do prazo estabelecido, a teor do disposto no art. 97 e seus parágrafos, do Código Penal.

Inconformada, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação. Em suas razões, requereu a absolvição própria do acusado, ao argumento de que insuficiente a prova amealhada para revelar a existência do delito e sua autoria, porquanto limitada à palavra do ofendido, cuja credibilidade veio infirmada pela avaliação psíquica a que submetido. Assim não entendido, pleiteou a desclassificação da conduta para o delito de importunação sexual ou, ainda, o reconhecimento da tentativa (3.6, fls. 21/31).

Apresentadas as contrarrazões ministeriais (3.6, fls. 32/35) e intimado o réu acerca do veredicto (3.6, fls. 36/38), subiram os autos a esta Egrégia Corte, manifestando-se a Procuradoria de Justiça pelo improvimento do apelo (7.1).

Conclusos os autos para julgamento.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 207, inc. II, do RITJRS, bem como o art. 609 do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

O voto, adianto, é no sentido de negar provimento ao recurso defensivo.

Passo, de plano, ao exame do mérito.

Da suficiência de provas para manutenção da absolvição imprópria.

Narra a inicial acusatória que, no dia 05 de agosto de 2016, em um campo de futebol, o réu praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com o ofendido M., que contava 05 (cinco) anos de idade à época, consistente em passar o pênis nas nádegas da vítima, vindo a ejacular na criança.

A materialidade delitiva veio demonstrada pelo registro de ocorrência (3.2, fls. 16/17), pelo auto de arrecadação (3.2, fl. 18), pelo laudo pericial de pesquisa de sêmen (3.2, fls. 29/31), pela avaliação psíquica (3.3, fls. 03/06) e pela certidão de nascimento (3.3, fls. 22/23), bem como pela prova oral coligida ao feito. No ponto, de se destacar, a palavra da vítima é meio probatório válido ao fim de demonstração dos fatos existencializados, sobretudo quando executados na clandestinidade e sem deixar vestígios.

No tocante à autoria do fato, a despeito da incapacidade do apelante de responder as perguntas formuladas durante o interrogatório judicial, permanecendo em silêncio (3.5, fl. 24), exsurge inequívoca dos elementos probatórios colacionados ao feito.

A propósito, adoto excerto da decisão recorrida, no ponto em que esmiuçou a prova oral coligida, como razão de decidir:

A vítima M. A. T. B., em depoimento especial tomado em juízo na forma da Lei nº 13.431/2017, referiu que na época possuía 5 anos de idade. Relatou que estava brincando com um carrinho na frente de sua residência, oportunidade em que um homem convidou para ir até um campo de futebol onde estava soltando pipa. Expôs que o sujeito falou que se quisesse uma pipa ele teria que fazer um "pipi" nele, levando-o aos fundos do campo de futebol, tancando-o, baixando as calças e colocando o pênis na sua bunda. Respondeu que o réu não introduziu o pênis. Relembrou que começou a gritar solicitando socorro e chamando a sua mãe, momento em que foi solto e saiu correndo. Contou o episódio para a sua genitora, apontando para o sujeito "lá em baixo". Falou que sua mãe pegou a mochila e foi até a polícia. Mencionou que os policiais encontraram o indivíduo "lá embaixo nas taquaras", perto de um riacho. Sustentou que no local não havia nada.

A testemunha A. P. T., genitora do ofendido, em juízo, falou que foi havia ido até o posto de saúde e deixado seus filhos brincando na frente de casa. Mencionou que quando estava retornando, aproximadamente 15 minutos depois, escutou o choro desesperado de uma criança, sentindo ser de M. Aduziu ter ido até o campo de futebol, mas seu filho já estava subindo. Referiu que M. contou que "um menino, ali em baixo, queria fazer xixi nele". Sustentou ter acreditado ser uma brincadeira, pois não avistou ninguém. Contou que quando chegou na parte de baixo do campo, encontrou a mochila de A. Relembrou que, em casa, M. contou que o acusado o jogou no chão, deitou por cima dele e baixou sua calça. Proferiu que entregou a mochila na Brigada Militar, tendo a guarnição saído em busca do denunciado, sem êxito. Aduziu que em razão do réu ter problemas mentais, pensou em não fazer o registro. Respondeu que M. possuía 5 para 6 anos de idade. Contou que M. tinha o réu como amigo, por isso foi com ele até o campo de futebol. Esclareceu que o episódio ocorreu em uma espécie de vestuário dos jogadores, entre o campo e um mato. Contou que depois do episódio descrito na denúncia ficou sabendo que A. já tinha praticado fato semelhante. Confirmou o trecho da ocorrência policial, afirmando que M. falou do pênis. Expôs que a roupa de seu filho foi remetida para perícia. Mencionou que na parte de trás da calça de M. havia uma mancha e um líquido. Na fase policial, a testemunha acrescentou que M. disse que o réu queria colocar o pênis na bunda dele. Contou que um policial falou que o denunciado confessou que havia ejaculado na roupa de M. Entregou em sede policial as roupas usadas pelo seu filho, sujas de esperma.

A testemunha JAIR ANTÔNIO RHODEN, Policial Militar da reserva, em juízo, declarou que fez o atendimento da ocorrência. Aduziu ter ido no campo de futebol com a vítima e encontrado A. no local. Falou a roupa do menino foi arrecadada, supostamente possuindo esperma. Expôs que reconheceu a mochila levada pela genitora até a Brigada Militar, como sendo do denunciado.

As testemunhas T. B. S. e M. B. DA S. não presenciaram o episódio, prestando depoimento meramente abonatório. T. referiu que o acusado possui 35 anos de idade, com comportamento de uma criança.

Interrogado o réu A. DA S. V., em juízo, não apresentou capacidade de responder as perguntas, ficando em silêncio.

Ressabido, em crimes contra a dignidade sexual, amiúde perpetrados na clandestinidade, a palavra da vítima, alhures referido, apresenta validade probatória e se mostra apta a formar o convencimento do julgador, sobremodo quando não infirmada por outros elementos. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, em razão das dificuldades que envolvem a obtenção de provas de crimes contra a liberdade sexual - praticados, na maioria das vezes, longe dos olhos de testemunhas e, normalmente, sem vestígios físicos que permitam a comprovação dos eventos - a palavra da vítima adquire relevo diferenciado (AgRg no REsp n. 1.774.080/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 15/02/2019).

Na espécie, o ofendido apresentou discurso minucioso e coerente, dando conta do ato perpetrado pelo réu, revelando-se autêntico em sua narrativa, não descobertos quaisquer interesses espúrios na incriminação do sentenciado. No aspecto, malgrado o transcurso de mais de quatro anos desde o fato e a tenra idade à época, o menino corroborou, em juízo, a ocorrência do abuso a que fora submetido pelo réu, modo emocionado. Contou que, na oportunidade, brincava de carrinho em frente à sua residência quando um indivíduo convidou-lhe para soltar pipa em um campo de futebol. Ato contínuo, o agente disse que, se quisesse uma pipa, teria de deixar ele fazer um pipi em...

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