Acórdão nº 50007190920188210032 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50007190920188210032
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001393665
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000719-09.2018.8.21.0032/RS

TIPO DE AÇÃO: Padronizado

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO JERÔNIMO (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE SÃO JERÔNIMO, nos autos da ação que lhes move o MINISTÉRIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, da sentença que julgou procedente a demanda, nos termos que seguem:

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MINISTÉRIO PÚBLICO em favor de MARILENA SCHIMITT contra o MUNICÍPIO DE SÃO JERÔNIMO e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, para, confirmando a antecipação de tutela, condenar o demandado a fornecer o medicamento Invega Sustena 150mg, c/1, descrito no atestado médico de fl. 08 de forma gratuita e contínua. Fica autorizada a substituição dos medicamentos postulados pelo nome comercial por outros, de acordo com a Denominação Comum Brasileira, que possuam os mesmos princípios ativos, desde que não acarretem prejuízos à saúde do autor. Relativamente às custas, a alteração da Lei Estadual 8.121/85, por intermédio da Lei Estadual 13.471/10, a qual isentou a Fazenda Pública, quando vencida, do pagamento das custas, despesas processuais e emolumentos, foi suspensa, em parte, por decisão liminar proferida nos autos da ADI 70039278296, mantendo-se a obrigação do ente público ao pagamento apenas das despesas judiciais previstas no art. 6º, “c”, da Lei nº 8.121/85. Assim, condeno o Município ao pagamento das despesas judiciais, nos termos da fundamentação supra.

Sentença sujeita ao Reexame Necessário, nos termos do art. 475, do Código de Processo Civil, em sendo ilíquida nos termos do Recurso Especial n. 1.101.727/PR, julgado em 04/11/2009. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.

Em suas razões, o Estado assinala a ausência de responsabilidade pelo fornecimento do medicamento, tocando à União o dever. Nesse sentido, colaciona o Tema 793 do STF, defendendo a necessidade de remessa dos autos à Justiça Federal. Destaca a ausência de previsão de alcance do fármaco na rede pública, sobretudo pelo alto custo. Ressalta a não incorporação do medicamento no âmbito do SUS. Pugna pelo acolhimento da alegação de competência absoluta da Justiça Federal, desconstituindo-se a sentença prolatada, e declinando a competência à Justiça Federal; subsidiariamente, requer a improcedência.

O Município de São Jerônimo, por sua vez, sustenta, em suma, que a competência para fornecimento do fármaco é exclusiva do Estado do Rio Grande do Sul, ressaltando sua incompetência. Colacionando julgados, pede o provimento do apelo.

Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos, sobrevindo parecer do Ministério Público opinando pela desconstitução da sentença, com o retorno dos autos à origem para realização de prova pericial.

Vieram conclusos.

VOTO

Conheço do recurso do Estado, pois presentes os pressupostos de admissibilidade, e passo à sua análise, adiantando que se queda prejudicada a irresignação do ente municipal como ao final se verá.

O Ministério Público ajuizou ação civil pública em favor de MARILENA SCHMITT em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e do MUNICÍPIO DE SÃO JERÔNIMO, em razão de a favorecida portar a moléstia classificada sob CID10: F20.0, Esquizofrenia, pugnando pelo fornecimento do medicamento Invega Sustena 150 mg c/1.

Pois bem.

Nos termos do artigo 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo assegurado o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Compete ao Poder Público, independentemente da esfera institucional a que pertença, a responsabilidade de cuidar do sistema de saúde posto à disposição da população, o que permite ao cidadão direcionar a busca por seus direitos a qualquer dos entes públicos. Dessa forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detêm competência comum, em matéria administrativa, para cuidar da saúde e assistência pública, consoante dispõe o artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, inexistindo a pretendida ordem na busca dos serviços e ações.

No que tange ao funcionamento do Sistema Único de Saúde, vale destacar que há responsabilidade solidária dos entes federativos, detendo, todos, legitimidade passiva para figurar no polo passivo de ações que versem sobre os serviços e ações de saúde. Os entes públicos possuem o dever de fornecer os meios indispensáveis à promoção da saúde, direito social assegurado pela Constituição Federal, não se podendo isentar da obrigação que lhe cabe.

Nessa moldura, o entendimento dantes adotado por este Órgão Fracionário frente ao julgamento do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal mantinha a interpretação da responsabilidade solidária entre os entes federativos em litisconsórcio passivo facultativo, considerando-se desnecessária a inclusão da União nos casos em que o medicamento não constasse das listas do SUS.

Todavia, dia após dia estão surgindo novos julgamentos monocráticos da Corte Suprema, demonstrando que não houve tão simplesmente a reafirmação da responsabilidade solidária como até então empregada, mas espécie híbrida, na medida em que exige a presença obrigatória da União nas ações em que seja requerido tratamento/medicamento que não faça parte das listas do SUS. Em outros termos, caracterizado o litisconsórcio passivo necessário, em tal hipótese.

A tese, em realidade, permanece com o mesmo enunciado: "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro."

Em realidade, houve inegável atualização quanto à interpretação dada à tese e, por consectário, mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria, havida por ocasião do julgamento dos Embargos Declaratórios (RE 855178 ED/SE). O "desenvolvimento da tese da solidariedade" dera-se do seguinte modo, segundo o relator, Ministro Edson Fachin:

[...]

3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:

I) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss.CF);

II) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

III) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11,e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

IV) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

V) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

VI) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto Federal n. 7.508/11". (Grifei)

Com efeito, denota-se, de plano, que não se está diante de hipótese de reconhecimento de ilegitimidade passiva dos entes apelantes, porquanto mesmo que a responsabilidade pela dispensação, à vista da forma como regrada a repartição das obrigações entre os entes federados, eventualmente não venha a eles tocar, à parte...

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