Acórdão nº 50007205320188210077 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 03-02-2022
Data de Julgamento | 03 Fevereiro 2022 |
Órgão | Quarta Câmara Criminal |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50007205320188210077 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001202313
4ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Criminal Nº 5000720-53.2018.8.21.0077/RS
TIPO DE AÇÃO: Denunciação caluniosa (art. 339)
RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER
APELANTE: RODRIGO BARCELLOS LOPES (RÉU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)
RELATÓRIO
O Ministério Público denunciou RODRIGO BARCELLOS LOPES, já qualificado, por incurso nas sanções do art. 339, caput, e art. 342, §1º, na forma do art. 69, caput, todos do CP, em vista da prática dos seguintes fatos (evento 3, DENUNCIA2):
A denúncia foi recebida em 10/09/2018 (evento 3, DOC4).
Após regular instrução do feito (evento 3, DOC7), sobreveio sentença, prolatada em 30/03/2020 (evento 3, DOC9), que julgou procedente a ação penal para condenar o réu, nos termos da denúncia, às penas de 4 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 20 dias-multa, no valor unitário do mínimo legal.
O réu apelou (evento 3, DOC11) e, nas razões (evento 3, DOC12), pede reforma da decisão. Alega que as provas não são suficientes para a condenação e que, na dúvida, deve ser absolvido. Entende que as condutas imputadas são atípicas. Subsidiariamente, pede a desclassificação da conduta para a autoacusação falsa.
Apresentadas contrarrazões (evento 20, DOC2).
A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo improvimento do recurso (evento 10, DOC1).
VOTO
I. Admissibilidade
O recurso preencheu os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.
II. Mérito
O réu foi condenado pela prática de dos crimes de denunciação caluniosa e falso testemunho, pois "No dia 14 de setembro de 2016, por volta das 17h, na sede da Promotoria de Justiça de Venâncio Aires/RS, [...] deu causa à instauração de investigação policial e administrativa contra PEDRO ILDO MARTINS e agentes policiais lotados na Delegacia de Polícia de Venâncio Aires, imputando, ao primeiro, crime de ameaça e, aos segundos, crime de prevaricação, sabendo sê-los inocentes", bem como por "No dia 12 de junho de 2017, por volta das 13h30min, na sala de audiências da 1ª Vara Judicial da Comarca de Venâncio Aires, [...] na condição de testemunha compromissada, fez afirmações falsas, acusando-se de crimes praticados por outrem, com o intuito de obter prova destinada a produzir efeito na Ação Penal n.º 077/2.15.0000180-0 [...]".
No presente recurso, alega serem insuficientes as provas para a condenação.
Para a referida análise, inicio pela contextualização dos fatos, conforme registro da sentença:
Joelsi e Juarez foram denunciados (evento 3, DENUNCIA2 - fls. 5/10), incluído José Telmo no aditamento (evento 3, DENUNCIA2 - fls. 22/30), recebido em 25/03/2015. No curso daquele expediente, o acusado compareceu à Promotoria de Justiça, acompanhado de advogado, para dizer o que segue (evento 3, DENUNCIA2 - fls. 81/82):
Joelsi e Juarez foram condenados na ação penal 077/2.15.0000180-0, prolatada em 05/02/2018 (evento 3, DENUNCIA2 - fls. 86/122 e evento 3, DENUNCIA3 - fl. 01), confirmada na apelação nº 700790314071, ao passo que José Telmo, cujo processo foi cindido e correu sob o nº 077/2.15.0001485-5, teve a condenação confirmada na apelação nº 700709299712, transitada em julgado em 07/04/2017. Com base nas declarações prestadas por RODRIGO, José Telmo ingressou com a revisão criminal nº 70073733081, julgada improcedente pelo Terceiro Grupo Criminal deste TJRS (evento 3, DENUNCIA3 - fls. 11/41).
A partir das declarações prestadas por RODRIGO no Ministério Público, em que acusava Pedro de ameaçá-lo e os policiais civis de se negarem a registrar ocorrência, foi encaminhado ofício à autoridade policial, requisitando a instauração de inquérito policial para apurar os fatos. Eis o conteúdo do Boletim de Ocorrência n.º 4850/2016/151810 (evento 3, DENUNCIA2 - fls. 83/85):
A despeito disso, não há notícia da efetiva instauração de procedimento investigativo contra os policiais ou mesmo contra Pedro Ildo, pois, à toda evidência, se percebeu de plano a falsidade da declaração. Na denúncia, o Ministério Público solicitou fosse requisitado à autoridade policial a remessa do expediente policial correlato à ocorrência acima, porém, nos autos, não aportou referida informação:
Não há notícia, nos autos, sequer da realização de investigações preliminares, de maneira que, não tendo havido instauração de procedimento investigatório, a conduta não caracteriza o tipo do art. 339 do CP. A ação tipifica uma outra infração, no entanto, um minus em relação à denunciação caluniosa, qual seja, a comunicação falsa de crime, prevista no art. 340 do CP:
Comunicação falsa de crime ou de contravenção
Art. 340 - Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Veja-se que a própria denúncia se limita a narrar a simples comunicação de ocorrência, em vista das declarações prestadas no Ministério Público, porém, sem notícia de ulteriores procedimentos decorrentes da falsa comunicação. Nesse respeito, indica Nucci3 ser o momento consumativo do crime "Quando houver a instauração da investigação, processo, inquérito ou ação, ainda que não ocorra efetivo prejuízo material para o Estado ou para o denunciado". Em sentido semelhante, o STJ:
HABEAS COUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. CONDUTA QUE NÃO DEU CAUSA A QUALQUER ATO INVESTIGATÓRIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTO OBJETIVO DO TIPO. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DEFLAGRAÇÃO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUE SE IMPÕE.
1. O crime de denunciação caluniosa tem como elemento objetivo do tipo a efetiva instauração de procedimento investigatório, seja em sede judicial, policial ou administrativa, e que tenha sido causada, provocada, motivada e/ou originada pelo denunciante, porquanto o seu objeto jurídico é, primeiramente, o interesse da justiça e, de forma secundária, a honra da pessoa eventualmente ofendida.
2. Verificado que o registro de boletim de ocorrência não deu causa à deflagração de inquérito policial ou de qualquer outro procedimento criminal, falta o elemento objetivo do tipo para configurar o crime do art. 339 do CP, e se evidenciada, em um exame perfunctório do apresentado ao mandamus, a carência de justa causa a legitimar a coarctação da actio poenalis promovida, ante a atipicidade da conduta irrogada, ex vi do art. 648, I, do CPP, impõe-se o seu trancamento e o restabelecimento da dignidade do cidadão, sob pena de conferir-lhe constrangimento ilegal, pelos gravames e prejuízos a quem desnecessariamente responde a processo criminal.
3. Ordem concedida.
(HC 115.935/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 15/06/2009)
Por conta disso, no caso concreto, imperiosa a desclassificação do 1º fato para o tipo do art. 340 do CP.
Por ocasião das declarações prestadas no Ministério Público, inclusive, relatou ter sido o autor do crime contra Pedro, em conjunto com Edi de Tal, reiterando a narrativa quando inquirido na condição de testemunha. Embora a conduta se confunda, em parte, com a autoacusação falsa, por evidente, ao prestar compromisso e falsear com a verdade em processo criminal, a conduta tipifica o falso testemunho. E não há dúvidas que ele prestou declarações falsas na condição de testemunha, conforme se verifica a partir dos registros audiovisuais da audiência (evento 26, VÍDEO1). Do mesmo modo, cumpre verificar as circunstâncias envolvendo os processos precedentes envolvendo o crime do qual Pedro Ivo foi vítima (antes...
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