Acórdão nº 50007216320168210059 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 01-12-2022

Data de Julgamento01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50007216320168210059
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002980175
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000721-63.2016.8.21.0059/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000721-63.2016.8.21.0059/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: ANTONIO FLAVIO DE OLIVEIRA (DPE)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público denunciou LUCAS CAMARGO DE SOUZA, já qualificado nos autos, como incurso nas sanções do art. 16, caput, da Lei nº 10.826/03, em vista da prática do seguinte fato:

No dia 02 de maio de 2016, por volta das 12h30min, na Rua Juca Borba, n ° 95, em Osório/RS, em via pública, o denunciado, LUCAS CAMARGO DE SOUZA, portou 01 (um) revólver marca Wimson, calibre .44, numeração infratambor 8417, oxidado, municiado com 05 (cinco) cartuchos intactos, de mesmo calibre, arma de fogo de uso restrito, sem autorização e em desacordo com as determinações legais e regulamentares.

Na ocasião, o acusado portava a referida arma de fogo em via pública, acompanhado de dois indivíduos não identificados, quando, ao avistar a viatura da Polícia Militar, pediu um copo d’água em uma residência próxima ao local, a fim de despistar os Policiais. No entanto, ao perceberem a conduta suspeita do denunciado, os Policiais Militares pararam a viatura e, ao abrirem as portas do veículo, o denunciado adentrou na referida residência, correndo (fis. 08 e 13/14), lançando a arma de fogo na varanda da casa, onde foi localizada e apreendida.

Consequentemente, o denunciado foi preso em flagrante (fis. 12/16) e o armamento foi apreendido (fl. 11), submetendo-se este a Auto de Constatação Preliminar de Funcionabilidade de Arma de Fogo (fl. 44), 0 qual apontou que o referido revólver “é eficaz para efetuar disparos”.

A denúncia foi recebida no dia 24/01/2017 (evento 3, PROCJUDIC2, p. 11).

Após regular intrução do feito, sobreveio sentença, publicada no dia 07/01/2021 (evento 3, PROCJUDIC3, p. 47), que julgou procedente a ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 16, caput, da Lei 10.826/03, à pena de 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, e pagamento de 10 dias-multa, à razão mínima legal (evento 3, PROCJUDIC3, p. 42).

A defesa apelou e, nas razões, requer a absolvição do réu, alegando: atipicidade formal do crime de porte de arma de fogo por falta de competência constitucional (legislativa) da união para a regulação dos registros e portes; atipicidade da conduta em razão da ausência de lesividade ao bem jurídico; impossibilidade da condenação com base em elementos inquisitórios; e insuficiência probatória quanto ao delito de porte ilegal de arma de fogo. Subsidiariamente, pleiteia a redução da pena ao mínimo legal, pelo afastamento da valoração negativa da moduladora antecedentes (evento 3, PROCJUDIC3, p. 49).

Apresentadas contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC4, p. 13).

Neste grau de jurisdição, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 7, PARECER1).

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RIJTERGS.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Preliminar

A defesa alega atipicidade formal do crime de porte de arma de fogo imputado ao réu, sob o argumento de que falta competência constitucional (legislativa) da união para regulação dos registros e portes.

Sem razão.

A competência da União Federal para legislar sobre os crimes e materiais bélicos está expressa no art. 21, inciso VI (Art. 21. Compete à União:...VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico) e art. 22, inc. I, ambos da CF (Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho).

O tema já foi tratado pelo STF em diversos julgados:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 18, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI MATO GROSSENSE N. 8.321/2005. AUTORIZAÇÃO DE PORTE DE ARMA PARA SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS (PROFISSIONAIS DA PERÍCIA OFICIAL E IDENTIFICAÇÃO TÉCNICA – POLITEC-MT). INCONSTITUCIONALIDADE. Competência da união para legislar sobre materiais bélicos, que alcança matéria afeta ao porte de armas. Segurança pública. Interesse geral. Precedentes: ADIS 2.729, 3.058 e 3112. Ausência de contrariedade ao princípio federativo. O caput e a parte remanescente do parágrafo único do art. 18 da lei mato-grossense n. 8.321/2005, que asseguram direito à carteira funcional de identificação dos servidores estaduais, estão em harmonia com a constituição. Ação julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões “livre porte de arma” e “livre porte de arma e” contidas no parágrafo único do art. 18 da lei mato-grossense n. 8.321/2005. (STF, ADI 5010, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2018, DJe-104 public. 20-05-2019)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PODER DE PUBLICO DO MUNICÍPIO. EXPRESSÃO "LEGISLAR SOBRE INTERESSES LOCAIS". LIMITAÇÃO. A comercialização de materiais bélicos (armas, munições, etc) está sujeita ao controle federal e os limites dentro dos quais se realizara essa atividade mercantil e objeto de disciplinamento em legislação editada pela união, compreendendo-se, ainda, que a fiscalização desse comercio e de alçada de órgãos federais, mais precisamente, fica a cargo do ministério do exército. Os municípios, por mais nobres que sejam os objetivos, não dispõem de competência para expedir regulamento sobre a matéria (venda de armas e munições), quando muito exercerão um poder suplementar, conquanto que não conflitante com a legislação federal. A expressão material bélico, consignada na constituição federal (art. 21, vi) compreende todo e qualquer tipo de objeto ou instrumento (revolver, metralhadora, dinamite, granada) utilizado pelas forças armadas na manutenção da ordem interna. Recurso provido. Decisão unanime. (RMS 5.751/RJ, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julg. em 21/08/1995, DJ 11/09/1995).

Trata-se de regramento expresso, como referido, e que decorre da manifesta necessidade de manutenção da ordem do país. Como fundamento no corpo do Acórdão da ADI 5010, da Relatoria da Ministra Carmem Lúcia, há predominantemente interesse geral, nacional, na matéria ora debatida, cabendo aos Estados tratar de assuntos de predominante interesse regional. A questão debatida é de segurança pública e, portanto, é evidente o interesse da União Federal, pois as normas pertinentes afetam as pessoas como um todo, independentemente do ente federado em que se concentrem.

Nesse sentido também é o entendimento desta Câmara:

APELAÇÃO CRIME. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 14, DA LEI Nº 10.826/03. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA. INCONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DE LESIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. REJEITADA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INVIÁVEL. ISENÇÃO DA PENA DE MULTA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUZIDA. I – Compete exclusivamente à União legislar sobre matéria penal, conforme dita o art. 22, inciso I, da Carta Magna... (Apelação Crime, Nº 70077389302, Quarta Câmara Criminal, TjRS, Rel.: Rogerio Gesta Leal, J. em: 21-06-2018)

Vai afastada, portanto, a preliminar.

III. Mérito

O réu foi condenado nas sanções do crime previsto no artigo 16, caput, da Lei 10.826/03, à pena total de 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime aberto, substituídas por duas restritivas de direito, e pagamento de 10 dias-multa, à razão mínima legal.

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindível, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurídico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princípio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmontada ou denunciada.

Conforme a jurisprudência das Cortes Superiores também é desnecessária a perícia da arma ou a comprovação da sua lesividade no crime em tela. Não obstante, a eficácia da arma foi atestada pelo laudo pericial nº 93682/2016 (evento 3, PROCJUDIC2, p. 15).

Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta ou inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato.

Não é o caso, outrossim, de insuficiência probatória.

A materliadade está comprovada pelo auto de prisão em flagrante (evento 3, PROCJUDIC1, p. 16), pelo auto de apreensão (evento 3, PROCJUDIC1, p. 15), pelo laudo pericial, elaborado pelo IGP nº 93682/2016 (evento 3, PROCJUDIC2, p. 15), bem como pela prova colhida em juízo.

O réu, Lucas Camargo de Souza, usou seu direito de permanecer em silêncio, tanto na fase policial quanto em juízo.

A testemunha Maria...

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