Acórdão nº 50007381220108210059 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 09-06-2022

Data de Julgamento09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50007381220108210059
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001904701
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000738-12.2010.8.21.0059/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação, interposta por JAMIR LEANDRO, contra decidir que o condenou como incurso nas sanções do artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03, às penas de 03 anos de reclusão, no regime aberto, substituída, e de 10 dias-multa, por fatos assim descritos na inicial acusatória:

“No dia 24 de março de 2008, por volta das 22h20min, na RS 389, Km 21, balneário de Atlântida Sul, em Osório/RS, o denunciado JAMIR LEANDRO portava 01 (uma) espingarda, calibre 22, marca Winchester, modelo 1902, com número de série raspado, bem como 05 (cinco) cartuchos, cal. 22, intactos.

Na oportunidade, o denunciado foi abordado por policiais militares, em serviço de patrulhamento na via pública, sendo a arma de fogo encontrada dentro de uma meia de lã de futebol, em uma caixa, na garupa da bicicleta. Já as munições foram localizadas no bolso da roupa do denunciado.

A arma e as munições foram apreendidas (fl. 06 do IP) e submetidas a exame pericial (fl. 28 do IP)."

Nas razões, sustentando insuficiência probatória e atipicidade da conduta devido à ausência de lesividade, pugna por absolvição.

O recurso foi contrarrazoado.

Em parecer, a Dra. Procuradora de Justiça opina pelo improvimento do apelo defensivo.

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. O argumento de defensivo de atipicidade da conduta, por ausência de lesividade/ofensividade, também não merece acolhida.

O tipo penal em tela não exige que o agente pretenda praticar algum crime com a arma, bastando que incorra numa das condutas tipificadas no dispositivo denunciado, pois o delito em análise se trata de crime de perigo abstrato, cuja norma objetiva prevenir a ocorrência de outros ilícitos.

Por isso, tal crime é considerado como de mera conduta, ou seja, não exige nenhum resultado fático para sua consumação.

Aliás, o escopo do legislador, ao tipificar as condutas relativas às armas de fogo, foi o de garantir proteção contra ofensa à incolumidade pública, a qual, nos termos da lei, é presumida.

Nessa linha, posicionamento da Corte Suprema:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS COUS. POSSE DE ACESSÓRIO DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ART. 16 DA LEI 10.826/2003. BUSCA E APREENSÃO. ILICITUDE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE DELITO. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. IRRELEVÂNCIA DA POTENCIALIDADE LESIVA DO ARTEFATO. DESCRIMINALIZAÇÃO TEMPORÁRIA PREVISTA NOS ARTIGOS 30 E 32 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. PRORROGAÇÃO DO PRAZO CONFERIDO PELAS LEIS 11.706/2008 E 11.922/2009. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Busca e apreensão autorizada judicialmente em propriedade rural, compreendida por seus vários imóveis. Inocorrência de ilicitude da prova por ofensa ao princípio da inviolabilidade do domicílio. 2. Ademais, havendo fundada suspeita, a busca domiciliar nos crimes permanentes se justifica em decorrência do flagrante delito. Inexistência de ingresso abusivo e constatação posterior de crime permanente. 3. A posse de arma de fogo de uso restrito, de seus acessórios ou de munições constitui crime de mera conduta e de perigo abstrato cujo objeto jurídico tutelado compreende a segurança coletiva e a incolumidade pública. 4. Presente laudo especificando o modelo do silenciador de uso restrito, desnecessária a realização de perícia a comprovar a potencialidade lesiva do acessório para configuração do delito. 5. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a descriminalização temporária prevista nos arts. 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento, com a redação conferida pela Lei 11.706/2008, restringe-se ao delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12) e não se aplica à conduta do art. 16 da Lei 10.826/2003. 6. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RHC 128281, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 25-08-2015 PUBLIC 26-08-2015) (g.n.)

Nesses crimes, o legislador tipifica um agir que, por si só, representa alta potencialidade danosa à sociedade, e o reprova, não exigindo qualquer resultado para sua configuração.

Não protegem diretamente a vida, mas, sim, a incolumidade pública, independendo, portanto, da demonstração efetiva de ocorrência de perigo à coletividade.

Assim, não há se falar em atipicidade por ausência de lesividade. Mantenho, portanto, o condenar.

3. Sem trânsito a tese defensiva de insuficiência probatória.

Com efeito, a materialidade veio demonstrada pelo boletim de ocorrência, fls. 08/10 dos autos originais, auto de apreensão, fl. 10 dos autos originais, auto de verificação de funcionamento de arma de fogo, fl. 23 dos autos originais (Evento 3 - PROCJUDIC1), bem como pela prova oral coligida, cuja síntese adoto do decidir combatido, in verbis:

"Em juízo, o Policial Militar LEANDRO DOS SANTOS ESPÍNDOLA narrou que visualizou o acusado de bicicleta e que nesta havia uma caixa em sua parte traseira com diversos pertences. Relatou que considerou a atitude do réu suspeita, uma vez que não havia ninguém na rua, em razão do horário, efetuando, assim, a abordagem. O réu aduziu que estava indo pescar. Desconfiado com o horário da pescaria, revistou os pertences do acusado, encontrando uma arma. O réu, então, afirmou que estava indo caçar. Quando perguntado quanto à procedência da arma, o acusado relatou que a possuía havia muito tempo, que não possuía registro, negando-se a esclarecer de quem a obteve. Recordou que a arma estava dentro de uma meia, envolvida em uma toalha. Não recordou quanto à apreensão de munições, em razão de sua oitiva ter sido realizada 07 (sete) anos após o fato. O réu afirmou que pretendia apenas caçar com a arma. A situação demonstrava que o réu realmente caçaria, considerando que o modelo da arma era do ano de 1902 e que provavelmente nunca conseguiria registrá-la, uma vez que a arma estava com coronha e cano cortados (mídia fl. 74).

Jairo leandro, irmão do acusado, narrou que estava junto de Jamir quando da abordagem. Disse que, de fato, seu irmão portava a arma e as munições. Ambos saíram para pescar no banhado e acabaram por levá-la. Era uma arma velha, levada para proteção pessoal, uma vez que o lugar para onde iam, tinha muitas cobras e outros bichos. Não sabia informar se seu irmão tinha conhecimento da necessidade de registro da arma. Não sabiam que a arma possuía numeração raspada. A arma era tão antiga que não tinha mais a coronha. Não soube informar como seu irmão adquiriu o artefato. Iam atravessar o mato para pescar. Foi criado com seu irmão, que sempre foi trabalhador. Estava presente quando a arma fora apreendida. Não soube dizer se a arma funcionava, pois nunca fora utilizada por eles (mídia fl. 123)."

Analisados os autos, entendo que o conjunto probatório é suficiente para juízo de procedência.

Não é demais acrescer, com relação ao depoimento prestado por policial, meu entendimento de que deve ser analisado como o de qualquer outra pessoa, mas que, por uma questão lógica, geralmente preponderam sobre a declaração de quem é acusado do cometimento de um...

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