Acórdão nº 50007437720218210017 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50007437720218210017
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001894712
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000743-77.2021.8.21.0017/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: UNIMED - COOPERATIVA DE SERVICOS DE SAUDE DOS VALES DO TAQUARI E RIO PARDO LTDA. (REQUERIDO)

APELADO: VITORIA CAROLINA IMMICH (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (REQUERENTE)

APELADO: DANIELE CARINE WOLFF IMMICH (Pais)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por UNIMED Cooperativa de Serviços de Saúde dos Vales do Taquari e Rio Pardo Ltda. contra a sentença que, nos autos da Ação Condenatória ajuizada por Vitória Caroline Immich julgou a demanda nos seguintes termos:

Isso posto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por VITORIA CAROLINA IMMICH, representada pela sua genitora, em face de Unimed - Cooperativa de Serviços de Saúde Vales Taquari e Rio Pardo Ltda. para confirmar a antecipação de tutela deferida (evento 3), que determinava à requerida o fornecimento do tratamento à autora, através do medicamento Levetiracetam (Keppra) 100mg/ml, ingerir 2,8 ml duas vezes ao dia, ou seja, dois frascos por mês, conforme prescrição médica.

Por sucumbente, condeno a demandada ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em favor do FADEP arbitrado em 20% sobre o valor atualizado da causa, conforme o art. 85, §2º, do CPC, tendo em vista o trabalho do profissional e o tempo de duração da demanda.

Sustenta a petição recursal que a ausência de cobertura contratual decorrente de previsão legal, contratual e regulamentar, por se tratar de medicamento de uso domiciliar e não antineoplásico. Alega que o contrato de plano de saúde do qual a autora é beneficiária limita a cobertura ao rol da ANS. Destaca que a Quarta Turma do egrégio STJ adotou o entendimento de que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS não é meramente exemplificativo, tratando-se de um mínimo obrigatório para as operadoras de planos de saúde.

Requer o provimento do apelo (Evento 84 dos autos originários ).

Intimada, a autora apresentou as contrarrazões (Evento 87 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, o Ministério Público opinou pelo desprovimento do apelo (Evento 10).

Adiante, vieram os autos conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. O preparo foi devidamente comprovado pela apelante.

Inicialmente, para um melhor entendimento dos fatos debatidos na presente demanda, peço vênia para transcrever parte do relatório da sentença:

Vistos.

VITORIA CAROLINA IMMICH, menor imúbere, representada por sua genitora, Daniele Carine Wolff Immich, ingressou com AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA para fornecimento de medicamento em face de UNIMED - COOPERATIVA DE SERVIÇOS DE SAÚDE DOS VALES DO TAQUARI E RIO PARDO LTDA., todos qualificados. Relatou a Autora ser portadora de PARALISIA CEREBRAL e EPILEPSIA com síndromes epilépticas idiopáticas definidas por sua localização (focal) (parcial) com crises de início focal (CIDs 10: G 80 e G 40), havendo a prescrição, para o seu quadro clínico da utilização do medicamento Levetiracetam (Keppra) 100mg/ml, ingerir 2,8 ml duas vezes ao dia, ou seja, dois frascos por mês. Referiu a autora que não dispõe de meios para a aquisição do fármaco sem prejuízo do próprio sustento, não restando, assim, alternativa senão a propositura da demanda, a fim de assegurar o seu direito à saúde, eis que negado na via administrativa. Postulou a concessão de tutela provisória de urgência (ou de evidência) na forma do art. 300 do Código de Processo Civil, de modo que se determine à demandada o fornecimento do tratamento com a medicação Levetiracetam (Keppra) 100 mg/ml, 2,8 ml duas vezes ao dia, ou seja, dois frascos por mês, ou o equivalente em dinheiro. Ao final, requereu a confirmação da tutela antecipada pretendida. Pleiteou a concessão da AJG. Atribuiu à causa o valor de R$2.133,60. Juntou documentos.

Deferida a AJG, a inversão do ônus da prova, e a antecipação de tutela, para determinar que a requerida, UNIMED, autorize e disponibilize o tratamento prescrito à autora (evento 11).

A parte ré interpôs agravo de instrumento da referida decisão (ev. 25), o qual foi desprovido.

Citada, a ré ofereceu Contestação (evento 19). Afirmou ser a demandante beneficiária de plano privado de assistência à saúde firmado por sua genitora na data de 12/08/2013, junto à ré, ou seja, na vigência da Lei nº. 9.656/98 (Lei de Planos de Saúde – LPS), sendo, portanto, designado plano “regulamentado”, sujeitando-se ao regime e regulamentação da referida lei, bem como às normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Aduziu que o contrato é claro ao referir que o risco assumido corresponde tão somente ao que está previsto no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. Salientou que o medicamento não está previsto no referido rol, sendo, ainda, de uso domiciliar, o que exclui a cobertura pela contestante. Requereu a improcedência da ação. Juntou documentos.

(...)

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médicos-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No caso, a parte autora pretende ver reconhecida a obrigação da operadora do plano de saúde em cobrir os custos para a realização do tratamento com o medicamento Levetiracetam (Keppra).

Conforme os documentos médicos acostados no Evento 1 dos autos originários, a autora, de apenas cinco anos de idade, é portadora de Paralisia Cerebral (CID 10 G80.0), Epilepsia (CID 10 G40.0) e Esquizencefalia (CID 10 Q04), necessitando de tratamento com o fármaco Levetiracetam (Keppra) 100mg/ml, 2,8 ml duas vezes ao dia/dois frascos por mês. Inclusive, conforme pontuado pela médica-assistente da demandante, Dra. Ana Maria Dresch Gois, a não utilização dos medicamentos prescritos, dentre eles o Levetiracetam, poderá levar a descompensação da epilepsia e, por consequência, a morte por estado de mal epiléptico (Evento 1 - LAUDO17).

Por sua vez, a requerida alega que não é devida a cobertura do medicamento porque o mesmo não está previsto no rol de procedimento da ANS.

De fato, o contrato de plano de saúde firmado entre as partes limita a cobertura dos tratamentos àqueles previstos no Rol da ANS (Evento 1 - CONTR7, CONTR8 e CONTR9 dos autos originários).

Entretanto, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de Defesa do Consumidor temos a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé, transparência, informação, normas que buscam o equilíbrio contratual com a proteção da parte vulnerável na...

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