Acórdão nº 50007463220168210009 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 15-06-2023

Data de Julgamento15 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50007463220168210009
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003823894
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000746-32.2016.8.21.0009/RS

TIPO DE AÇÃO: Relações de Parentesco

RELATOR: Desembargador JOAO RICARDO DOS SANTOS COSTA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por MARIA E. M. DE O., contra a sentença de improcedência proferida nos autos da ação declaratória de filiação socioafetiva c/c anulação de partilha de bens com pedido de antecipação de tutela de reserva de quinhão, ajuizada em face de ESPÓLIO de DILETA E. B., ESPÓLIO de DOMENANDO DO C. B., LUIS V. E. B. e LICIANE T. P. B., cujo dispositivo transcrevo (evento 5, PROCJUDIC6 - fls. 32/37):

Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação declaratória ajuizada por MARIA E. M. DE O., já qualificada, em face de ESPÓLIO de DILETA E. B., ESPÓLIO de DOMENANDO DO C. B. e LUIS V. E e LICIANE T. P. B., julgando extinto o feito com fulcro no artigo 487, I, do CPC/15.

Face à sucumbência, condeno a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios à parte adversa, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, que deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir da publicação da sentença e acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês a contar do trânsito em julgado, o que faço com base no que dispõe o artigo 85 §2^ do Código de Processo Civil de 2015, considerando o trabalho realizado pelo profissional, a importância da causa e a ausência de instrução. Suspensa a exigibilidade em razão de que a parte litiga sob o abrigo da AJG (fl. 39).

Nas razões de recurso (evento 5, PROCJUDIC6, fls. 49/50 e evento 5, PROCJUDIC7, fls. 1/11), aduz a parte apelante que as provas produzidas nos autos demonstram a existência da relação familiar socioafetiva, sobretudo pelo depoimento da testemunha Luís, referindo ter residido e participado ativamente da vida de Dileta e Domenando até o seu casamento aos 20 anos de idade. Alega que os requisitos da filiação socioafetiva se encontram presentes, corroborado pela inexistência de qualquer contato com seus pais biológicos, não havendo elementos que excluam o seu direito à herança. Pede "o recebimento das razões da apelação, da qual requer a sua total procedência, a fím de reformar a decisão recorrida e dar a total procedência dos pedidos da inicial, requerendo inclusive a reversão com a majoração dos honorários de sucumbência".

Foram apresentadas contrarrazões (evento 5, PROCJUDIC7, fls. 16/18), pugnando o apelado pelo desprovimento do recurso.

O Procurador de Justiça declinou da intervenção (evento 7, PARECER1).

Os autos vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso interposto atende aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprio, tempestivo, havendo interesse e legitimidade da parte para recorrer, merecendo conhecimento.

A pretensão recursal consiste no reconhecimento da filiação socioafetiva pela autora/recorrente e a consequente relação de herdeira dos bens de Dileta e Domenando, alegando ter sido acolhida e criada como filha por estes desde os 3 anos de idade, e que as provas produzidas na instrução revelam a posse do estado de filha.

Com efeito, conforme preceitua o artigo 1.593, do Código Civil, "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem".

É cediço que existem outras espécies de parentesco civil além daquela decorrente de origem biológica, dentre as quais se encontra a paternidade socioafetiva, consoante estabelece o Enunciado 103, aprovado na Jornada de Direito Civil do Superior Tribunal de Justiça de 2002:

103Art. 1.593: O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.

Sobre a paternidade socioafetiva a lição do autor Rodrigo da Cunha Pereira (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de Direito de Família e Sucessões: ilustrado. 2ª ed., São Paulo, Saraiva Educação, 2018, p. 577):

"É a paternidade formada pelos laços de afeto, com ou sem vínculo biológico. Desprendendo-se do conceito de paternidade biológica, ou desfazendo-se das ideologias que disfarçam os sistemas de parentalidade, a paternidade constitui, segundo a Psicanálise, uma função.

A paternidade socioafetiva tem seu embrião na antiga expressão posse de estado de filho. Para que haja a posse de estado é necessário que o filho seja tratado como filho e que sua condição oriunda da filiação seja reconhecida socialmente."

Em situações como a dos autos, necessária a análise da existência, ou não, de vínculo afetivo entre as partes envolvidas, a fim de se aferir concreta e devidamente a posse do estado de filho. Para tanto, é necessário a produção de prova robusta acerca da existência dos seus elementos caracterizadores, quais sejam: nome, tratamento e fama.

Outrossim, no caso de reconhecimento de paternidade socioafetiva post mortem, consoante lição do professor Conrado Paulino da Rosa (in “Direito de Família Contemporâneo”, 8ª ed., Editora JusPODIVM, 2021, p. 416:

"(...) imprescindível é a manifestação inequívoca por parte do de cujus, ainda que de forma verbal, no sentido de querer ver o vínculo paterno-filial exclusivamente afetivo reconhecido e protegido, muito embora não tenha iniciado o processo de adoção."

Portanto, para o estabelecimento da posse de estado de filiação revela-se imprescindível prova robusta acerca da socioafetividade entre os falecidos e a apelante.

Pois bem.

Analisando o acervo fático-probatório produzido nos autos, verifico que não há prova suficiente de que a autora/recorrente foi efetivamente criada como filha pelo casal e assim reconhecida.

Isso porque, inobstante a autora referir, na petição inicial, que Dileta e Domenando a tratavam como filha, não trouxe qualquer prova documental robusta para corroborar sua alegação, mas tão somente uma fotografia (evento 5, PROCJUDIC2, fl. 2), revelando-se insuficiente para demonstrar alegada afetividade entre a autora e os falecidos, bem ainda o inequívoco desejo dos de cujus em ver o vínculo paterno-filial afetivo reconhecido e protegido.

Da mesma forma, verifica-se na prova oral produzida que, inobstante a testemunha Armindo tenha dito que a apelante era tratada como membro da família, chamando Dileta de "mãe", referiu que não sabia a intenção dessa quando buscou Eva para cuidar.

Em depoimento pessoal, o requerido Luiz referiu que sua genitora lhe contava ter ajudado Eva (que passava necessidades) dos 3-4 anos até os 15 anos, quando ela saiu para casar, época em que não era nascido, bem ainda que sua mãe nunca reconheceu Eva como filha, ao menos nunca lhe disse isso. Questionado, declara que seus pais e Eva se chamavam pelos nomes, e que a autora raramente ia à casa de sua mãe.

A testemunha Lisete, vizinha dos de cujus, referiu que todas as vezes em que se reunia com Dileta - com quem possuía boa relação - para rezar o terço, esta "sempre colocava que tinha apenas um filho que era o Luiz." Pontua que nunca ouviu Dileta dizer que teria dado uma casa para Eva, mas apenas que teria acolhido a recorrente e a ajudado na criação. Alega nunca ter visto Eva visitar Dileta, inclusive enquanto estava no hospital, pois sempre quem cuidava e atendia os de cujus era Vicente, Liciane ou uma cuidadora. Por fim, não identifica qualquer relacionamento de filha e pais entre Maria Eva com Dileta e Domenando.

Logo, conclui-se que inexiste conjunto probatório firme da implementação dos requisitos da posse de estado de filiação, não havendo como aferir inequívoca manifestação por parte dos de cujus no sentido de quererem ver o vínculo paterno-filial afetivo reconhecido e protegido.

Com tais considerações, em que pese a inconformidade recursal apresentada, entendo que o Juízo a quo examinou com acerto e correção o contexto probatório. Desta forma, para...

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