Acórdão nº 50007630320208210050 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-04-2022
Data de Julgamento | 14 Abril 2022 |
Órgão | Terceira Câmara Cível |
Classe processual | Apelação / Remessa Necessária |
Número do processo | 50007630320208210050 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001657713
3ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação/Remessa Necessária Nº 5000763-03.2020.8.21.0050/RS
TIPO DE AÇÃO: Admissão / Permanência / Despedida
RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER
APELANTE: MUNICÍPIO DE GETÚLIO VARGAS (INTERESSADO)
APELADO: WELLINGTON GIRARDI RODRIGUES (IMPETRANTE)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por MUNICÍPIO DE GETÚLIO VARGAS contra a sentença proferida nos autos do mandado de segurança impetrado por WELLINGTON GIRARDI RODRIGUES, nos seguintes termos:
“Diante do exposto, CONCEDO A SEGURANÇA pretendida no presente mandado de segurança impetrado por WELLINGTON GIRARDI RODRIGUES contra ato do PREFEITO - MUNICÍPIO DE GETÚLIO VARGAS - GETÚLIO VARGAS e pelo SECRETÁRIO MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO - MUNICÍPIO DE GETÚLIO VARGAS - GETÚLIO VARGAS, para o fim de determinar que restabeleçam o pagamento da remuneração ao impetrante, bem como alcancem os salários acumulados de abril, maio, junho e julho de 2020, atualizados com correção monetária pelo IPCA-E e juros moratórios, aplicados às cadernetas de poupança, tendo como a dies a quo, o dia seguinte à data do vencimento da obrigação até a data do efetivo pagamento, com os benefícios correspondentes.
Sem condenação em honorários advocatícios em face do que dispõe o artigo 25 da Lei Federal n° 12.016/09.
Oficie-se à autoridade apontada como coatora, informando-a sobre o conteúdo da decisão ora exarada.
O reexame necessário é obrigatório (artigo 14, § 1°, da Lei Federal n° 12.016/09). Então, não havendo recurso voluntário, remetam-se os autos ao TJRS.
Realizado o reexame necessário, nada mais sendo requerido, arquive-se com baixa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”
A parte demandada apela (Evento 57) sustentando, em síntese, que no presente writ deveria ter sido denegada a ordem, diante inaplicabilidade do Mandado de Segurança como típica ação de cobrança, bem como em face da excepcionalidade enfrentada pela pandemia da Covid-19, corroboradas pelas providências fáticas e jurídicas adotadas pelo Município recorrente, as quais são suficientes para legitimar a suspensão dos contratos, bem como a suspensão momentânea do repasse da contraprestação ao contratado. Requer o desprovimento do apelo.
A parte apelada apresentou contrarrazões (Evento 62), alegando que a visualização de ofensa a direito líquido e certo do apelado originou a impetração do mandado de segurança, sendo que o reestabelecimento da remuneração não ofertada nos meses em que ocorreu a suspensão decorre de consequência da segurança concedida. Defende acerca da irregularidade das providências adotadas pelo Município. Requer o desprovimento do apelo.
Subiram os autos, e, neste grau, o Ministério Público, por meio do parecer lançado pelo Procurador de Justiça Ricardo Alberton do Amaral, manifestou-se pelo parcial provimento da apelação.
VOTO
I – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.
O recurso é tempestivo e está isento de preparo em virtude de lei. Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.
II – MÉRITO.
Conforme consta nos autos, a parte autora impetrou mandado de segurança, objetivando o restabelecimento da remuneração e o alcance imediato dos salários não pagos a partir do ato ilegal de suspensão no período de abril a agosto de 2020, bem como o pagamento dos seus reflexos.
Cabimento do Mandado de Segurança
Segundo o disposto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal:
“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
A Lei nº 12.016/09, no seu artigo 1º, caput, igualmente prevê:
Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
O direito líquido e certo é aquele que se mostra inequívoco, sem necessidade de dilação probatória, urgindo, para sua configuração, a comprovação dos pressupostos fáticos adequados à regra jurídica. A propósito do tema, alude Hely Lopes Meirelles o seguinte:
“... o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há vir expresso em norma legal e trazer em si todos requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.” (Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, 14 Edição, 1992, p. 25)
Sobre o tema, importa referir o entendimento do Ministro Luiz Fux:
“O direito líquido e certo no Mandado de Segurança diz respeito à desnecessidade de dilação probatória dos fatos em que se fundamenta o pedido. Trata-se de pressuposto processual objetivo (adequação do procedimento), que não subtrai do autor o direito à jurisdição sobre o litígio, mas apenas invalida a sua tutela através da via do Mandado de Segurança.
(...)
“O direito líquido e certo é, pois, requisito lindeiro ao âmbito probatório, posto referir-se à comprovação dos fatos e não ao direito objetivo em si, emigrando para o campo eminentemente processual. É, então, titular do direito líquido e certo aquele que demonstrar, desde o ajuizamento da ação, a incontestabilidade do seu direito, mediante prova pré-constituída, em regra, consubstanciada em prova documental ou prova documentada, como v.g., uma justificação ou uma produção antecipada.
(...)
“A liquidez e a certeza, consoante a concepção ora lavrada, não erigem óbice à investigação jurídica da questio iuris envolta no mandamus, exigindo-se tão-somente que os fatos sejam comprovados de plano. Isso quer dizer que a complexidade da interpretação das normas atinentes ao direito invocado não apresenta óbice ao cabimento da ação, tratando-se inclusive de entendimento sumulado –Súmula n. 625 – pelo Supremo Tribunal Federal.” (Mandado de Segurança. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2010, p. 46-48)
A partir da regulação constitucional e da própria Lei nº 12.016/09, também se exige a presença de ilegalidade ou abuso de poder. Ao examinar tais expressões, M. Seabra Fagundes, em obra clássica sobre o tema do controle dos atos administrativos, destacou a abrangência do conteúdo “ilegalidade” tanto em relação à ilegalidade infraconstitucional, como a oriunda de violações de dispositivos constitucionais (O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. Atual. Gustavo Binenbojm. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 322: “Na expressão ilegalidade se compreende também a inconstitucionalidade, o que, vale dizer, se abrangem tanto a violação da lei ordinária, como a infração da lei constitucional”), sendo até desnecessária a referência do abuso de poder. De qualquer modo, conforme Marçal Justen Filho:
“O mandado de segurança destina-se a atacar a ação ou a omissão que configurem ilegalidade ou abuso de poder. A fórmula constitucional é tradicional e revela, em última análise, a tutela, não apenas aos casos de vício no exercício de competência vinculada, mas também no caso de defeito no desempenho de competência discricionária. Há casos em que a lei condiciona a existência ou a fruição de um direito subjetivo a pressupostos determinados, caracterizando-se uma disciplina vinculada. Se, numa hipótese dessas, houver indevida denegação do direito subjetivo assegurado a alguém, o interessado poderá valer-se do mandado de segurança para atacar essa ilegalidade. Alude-se à ilegalidade para indicar que a decisão atacada infringe a disciplina legal, uma vez que recusa ao interessado um direito cujos pressupostos e extensão constam da lei.
“Mas também cabe a impetração para proteger direito líquido e certo nos casos de abuso de poder, que se verifica diante das hipóteses de disciplina legislativa discricionária. A garantia constitucional impede que a denegação de uma pretensão individual se faça mediante a mera invocação da titularidade de uma competência discricionária. Assim, a previsão legislativa de que a autoridade pública poderá deferir um pedido não legitima todo e qualquer indeferimento. Se a denegação do direito do particular evidenciar abuso de poder, o mandado de segurança será cabível.” (Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 1142)
O caso dos autos admite, em tese, a impetração do mandado de segurança.
A Situação Concreta dos Autos
A parte autora impetrou mandado de segurança contra ato do Prefeito e Secretária Municipal de Educação do Município de Getúlio Vargas que, por meio do Decreto Municipal nº 3.478/2020, determinou a suspensão dos contratos emergenciais sem o pagamento da remuneração, tendo em vista a pandemia enfrentada em face do COVID-19.
A parte impetrante requereu na petição inicial:
"e) Seja concedida a ordem do mandado de Segurança para o reestabelecimento da remuneração do Impetrante e o alcance imediato dos salários não pagos a partir do ato ilegal de suspensão, no período de abril a agosto de 2020, bem como o pagamento dos reflexos trabalhistas e benefícios correspondentes ao contrato."
O...
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