Acórdão nº 50007976020138210005 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 11-03-2022

Data de Julgamento11 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50007976020138210005
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001741595
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000797-60.2013.8.21.0005/RS

TIPO DE AÇÃO: Aquisição

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES (AUTOR)

APELADO: BOSCO PIMENTEL SANTANA (RÉU)

APELADO: LEODI TERESINHA RODRIGUES ORIQUES (RÉU)

APELADO: MARCIO RODRIGUES ORIQUES (RÉU)

APELADO: MARIA LUIZA RODRIGUES DA SILVA (RÉU)

APELADO: MARISELIA CUNHA ORIQUES (RÉU)

APELADO: RENI NASCIMENTO DA SILVA (RÉU)

APELADO: ROBERTA TERESINHA RODRIGUES ORIQUES (RÉU)

APELADO: RODRIGO RODRIGUES ORIQUES (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES contra a sentença proferida na ação possessória cumulada com pedido de demolição ajuizada em face de BOSCO PIMENTEL SANTANA, LEODI TERESINHA RODRIGUES ORIQUES, MARCIO RODRIGUES ORIQUES, MARIA LUIZA RODRIGUES DA SILVA, MARISELIA CUNHA ORIQUES, RENI NASCIMENTO DA SILVA, ROBERTA TERESINHA RODRIGUES ORIQUES e RODRIGO RODRIGUES ORIQUES, com o seguinte dispositivo (Evento 3 do originário - PROCJUDIC6, fl. 41):

Pelo exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Município de Bento Gonçalves contra Leodi Teresinha Rodrigues Oriques e outros e extingo o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC.

Tratando-se de processo ajuizado antes de junho de 2015, inaplicáveis as disposições da Lei Estadual nº 14.634/2014, conforme artigo 25 do referido diploma legal; assim, considerando que no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade nº 70041334053, julgado pelo Órgão Especial do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 04-06-2012, foi reconhecida a inconstitucionalidade formal da Lei Estadual nº 13.471/2010, que alterara a redação do artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985, condeno o requerido ao pagamento de metade das custas e emolumentos, consoante redação original do artigo suprarreferido, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00, atualizados pelo IPCA-E a partir da presente data1, a serem repartidos igualmente entre os demandados (a parcela da Defensoria Pública deve ser convertido ao FADEP), atendidos o grau de zelo profissional, o trabalho desenvolvido, a complexidade da causa e a necessidade de dilação probatória, forte no artigo 85, § 3º, do Código de Processo Civil.

MUNICÍPIO DE BENTO GONÇALVES, declinando suas razões (Evento 3 do originário - PROCJUDIC6, fls. 47-50 e PROCJUDIC7, fls. 01-02), requer a reforma da sentença para julgar procedente a pretensão de possessória e demolitória, sobretudo porquanto é necessário o exaurimento da via administrativa para que se demonstre o interesse processual na via judicial, sendo que não foi postulada a concessão especial pela via administrativa. Ressaltou também que descabe a concessão do direito real de uso, já que carece de ação própria e a eficácia da sentença é ex nunc, não podendo ser utilizada a concessão de uso especial para fins de moradia como se fosse exceção de usucapião oponível ao Município.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 3 do originário - PROCJUDIC7, fls. 04-6 e 10-5)

O Ministério Público opina pelo provimento da apelação.

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTO

Tratando-se de litígio envolvendo direitos possessórios, o possuidor tem o direito a ser mantido na posse em caso de turbação, reintegrado na hipótese de esbulho e, ainda, segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado (art. 1.210, caput, do CCB).

Para obter a proteção possessória, incumbe ao autor provar a sua posse, a turbação ou esbulho praticado pela parte adversa e a sua data, bem como a continuação da posse na ação de manutenção e a sua perda na ação de reintegração (art. 561 e incisos do CPC/2015).

Consoante doutrina de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento1, o esbulho ocorre quando, por ato de terceiro que se utiliza de violência, clandestinidade ou precariedade, que são vícios objetivos, se afasta o titular da posse, que por isso a perde, obstaculizando-o de usar a coisa, de fruí-la e dela dispor [...]. O fim da reintegratória de posse é restituir o possuidor a posse perdida.

Tratando-se de imóvel público, a posse é inerente ao domínio, motivo pelo qual não há necessidade de sua demonstração pelo ente público. Isso é o que a jurisprudência vem denominando de "posse jurídica".

A posse jurídica dispensa a ocupação direta do imóvel objeto do litígio, assegurando-se o pleno direito ao ente público de ser reintegrado na posse caso demonstrado o esbulho cometido.

Na hipótese dos autos, o conjunto probatório permite a conclusão segura acerca da ocupação indevida do bem público pelos atuais moradores, na medida em que, além de não demonstrarem o encaminhamento do requerimento do título de concessão de uso especial para fins de moradia pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública, não se admite transmutar este direito em espécie de exceção de usucapião contrariamente ao Município.

Com efeito, sobre a concessão de uso especial para fins de moradia, cumpre transcrever o artigo 6º da Medida Provisória n. 2.220/01:

Art. 6º O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial.

Esta Câmara Cível já possui jurisprudência no sentido de que é necessário o exaurimento da via administrativa para que se demonstre o interesse processual na via judicial e que a concessão de uso especial não caracteriza prescrição da pretensão aquisitiva, cujo pedido pela via judicial possui eficácia ‘ex nunc’, de forma que não se pode excepcionar concessão de uso especial para fins de moradia como se fosse exceção de usucapião oponível ao Município. O direito à concessão de uso especial de bem público para fins de moradia deve ser requerido em ação própria e a eficácia da sentença é ‘ex nunc’. Repito, não podem os ocupantes transmutar este direito em espécie de exceção de usucapião contrariamente ao Município. Transcrevo:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DO MUNICÍPIO E EMBARGOS DE TERCEIRO POR UM DOS OCUPANTES. QUESTÃO PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. EXCEÇÃO DE CONCESSÃO DE USO ESPECIAL DE BEM PÚBLICO PARA FINS DE MORADIA COMO DEFESA NA REINTEGRAÇÃO DE POSSE E COMO MATÉRIA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO POR AMBOS OS OCUPANTES. REQUISITOS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. Inexiste cerceamento de defesa por ausência de produção de prova pericial quando a parte, instada a produzir provas pelo juízo, nada requer, deixando precluir a questão. Os ocupantes do imóvel que não provam o exercício da ocupação com ânimo de dono do bem público pelo prazo de 5 anos, para fins de moradia, nem provam ou demonstram de forma inequívoca o exaurimento da via administrativa, ou a ausência de oposição do ente municipal, titular do bem ocupado, não possuem direito à concessão de uso especial de bem público para fins de moradia. O direito à concessão de uso especial de bem público para fins de moradia deve ser requerido em ação própria e a eficácia da sentença é ‘ex nunc’, não podendo os ocupantes transmutar este direito em espécie de exceção de usucapião contrariamente ao Município. Incontroversa a propriedade do Município, o exercício da posse jurídica e a ocupação dos recorrentes sem autorização do Município, defere-se a reintegração de posse, rejeitando-se a exceção do ocupante, e indeferem-se os embargos de terceiro. Gratuidade de justiça deferida ao terceiro embargante. QUESTÃO PRELIMINAR REJEITADA E APELAÇÃO NA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DESPROVIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA NOS EMBARGOS DE TERCEIRO.(Apelação Cível, Nº 70075684308, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 25-10-2018).

No caso concreto, restou incontroverso o fato de que o Contrato de Comodato (Evento 3 do originário - PROCJUDIC3, fls. 06-7) firmado pelo Município com ROBERTO DORNELES ORIQUES, em relação a área de 1.225,00m² tinha prazo de validade determinado de 6 (seis) anos, iniciando em 25/05/1983 e encerrando em 24/01/1989, sendo que ao término do contrato "o comodatário poderá retirar do imóvel todas as benfeitorias que nele introduzir e que, por sua natureza, não tenham aderido ao imóvel", comprometendo-se "a zelar pela conservação da escola" e "nos finais de semana a prestar serviço de guarda da Escola Municipal Alfredo Aveline".

Outrossim, incontroverso o fato de que a Autorização de Uso de Bem Público (Evento 3 do originário - PROCJUDIC3, fls. 09-10) foi outorgada a ROBERTO DORNELES ORIQUES de forma gratuita e, embora por tempo indeterminado, de forma "instranferível, sob pena de revogação". Ou seja, a autorização de uso de bem público não pode ser transferida pela via sucessória.

Destarte, incumbia aos réus o ônus de comprovar o encaminhamento do seu próprio requerimento do título de concessão de uso especial para fins de moradia pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública, cumprindo os requisitos legais exigidos pela Medida Provisória n. 2.220/01. Observe-se a redação dos artigos 1º e 2º dessa Medida:

Art. 1o Aquele que, até 22 de dezembro de 2016, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área com características e finalidade urbanas, e que o utilize para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. (Redação dada pela lei nº 13.465, de 2017)

§ 1o A...

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