Acórdão nº 50008114020178210155 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50008114020178210155
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003342362
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000811-40.2017.8.21.0155/RS

TIPO DE AÇÃO: Auxílio-Acidente (Art. 86)

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: MARCELO GONCALVES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra sentença (evento 44, SENT1) que, nos autos da ação movida por MARCELO GONÇALVES, julgou procedente o pedido inicialmente formulado, nos termos do seguinte dispositivo:

“[...] Diante do exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MARCELO GONCALVES em desfavor do INSTITUTO NACIONALDO SEGURO SOCIAL - INSS, para DETERMINAR à autarquia demandada a implementação, em favor da parte autora, do benefício de auxílio-doença, bem como CONDENÁ-LA ao pagamento das parcelas vencidas a partir de 04/05/2005, corrigidas pelo INPC, acrescidas de juros de 1% ao mês a contar da citação, descontando os valores eventualmente pagos administrativamente e no decorrer do trâmite processual, bem como respeitada a prescrição quinquenal.

Condeno a parte demandada ao pagamento das custas processuais por metade, em face da previsão do art. 11 da Lei Estadual no 8.121/851, e ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, incidindo tão-somente sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 76 do TRF42), excluídas as parcelas vincendas (Súmula 111 do STJ3).

Decisão sujeita a reexame necessário, nos termos do art. 496, I, do Código de Processo Civil.

Por fim, considerando que o §3º, do art. 1.010, do Código de Processo Civil retirou o juízo de admissibilidade deste 1º grau de jurisdição, uma vez interposto recurso de apelação, caberá ao Cartório abrir vista à parte contrária para contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias, consoante art. 1.010, §1º, do mesmo diploma legal. Idêntico procedimento deverá ser adotado na hipótese de recurso adesivo, conforme §2º do artigo supramencionado.

Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa."

[sic]

Posteriormente, acolheram-se embargos declaratórios para: i) modificar o marco inicial do benefício para 28/02/2017; ii) aplicar a Lei nº 11.960/09 quanto aos juros moratórios; iii) readequar os honorários advocatícios ao patamar de 10% sobre as prestações vencidas até a data de prolação da sentença condenatória; e iv) isentar o INSS do pagamento de custas processuais (evento 60, DESPADEC1).

Em suas razões recursais, a autarquia apelante assevera, em resumo, que não há viabilidade jurídica para a determinação, por decisão judicial, de submissão do acidentado a procedimento de reabilitação profissional, uma vez que só cabe ao INSS avaliar a possibilidade de inclusão do trabalhador em programa reabilitativo mediante análise multiprofissional a ser realizada por equipe especificamente designada para aferir o preenchimento eventual dos critérios necessários à execução do referido procedimento. Pugna, assim, pelo afastamento da ordem de realização da reabilitação profissional. Pede o recebimento e o provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça, por seu turno, opinou pelo desprovimento da apelação apresentada.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o sucinto relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

A apelação reúne condições de admissibilidade, razão por que dela conheço.

De antemão, devo registrar a minha compreensão de que a nova normatização do duplo grau obrigatório de jurisdição é suficientemente clara quanto à dispensa da remessa oficial nos casos em que a sentença for impugnada mediante recurso voluntário da Fazenda Pública.

Ora, é de conhecimento geral que não se presumem, na lei, palavras inúteis. Recomenda a boa hermenêutica, efetivamente, que todas as palavras, expressões, locuções e orações empregadas em textos normativos devem ser compreendidas, sempre que possível, com a sua devida utilidade e eficácia, em conformidade com a velha máxima segundo a qual verba cum effectu sunt accipienda.

Sob tal perspectiva, é preciso reconhecer que expressões e termos introduzidos em legislações revogadoras – seja mediante substituição de uma palavra, frase ou período anteriormente positivado na norma, seja mediante acréscimo de uma ou mais expressões que não constavam do texto revogado – ganham especial relevo quando se busca interpretar determinada regra a partir da nova redação que lhe foi conferida.

E dúvida não há, nesse passo, de que o Código de Processo Civil de 2015 constitui um dos exemplos mais atuais da legislação nacional em que as diversas mutações implementadas no respectivo texto normativo devem ser analisadas eficaz e criteriosamente, à luz do próprio espírito de transformação estrutural do processo que a codificação nova buscou infundir nos seus intérpretes e aplicadores.

No caso do reexame necessário, observam-se relevantes mudanças em sua disciplina normativa no âmbito do novo Código, cabendo destacar, nesta específica análise, a expressa eliminação do seu cabimento quando identificada a interposição de recurso voluntário pela Fazenda Pública sucumbente.

Repare-se que a alteração operada na redação do artigo 475, § 1º, do velho CPC, embora seja aparentemente sutil, materializa o intuito inequívoco do legislador de extinguir a possibilidade de trâmite conjunto da remessa oficial com apelações voluntariamente interpostas por entes fazendários.

Com efeito, assim dispunha a norma revogada:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (Grifei)

Deveras, o excerto acima grifado não abria margem para dúvidas interpretativas, pois nele se determinava, com clareza, que a remessa dos autos era impositiva independentemente de apelação voluntariamente interposta. Vale dizer: no regime anterior, houvesse ou não apelação do ente público vencido, deviam os autos ser sempre remetidos ao Tribunal para reapreciação da lide quando configurada uma das hipóteses legais do reexame necessário.

A regra correspondente no novo Código, entretanto, suprimiu o fragmento textual acima destacado, com sua consequente substituição por trecho de significação substancialmente diferente (cuja inserção, a toda a evidência, não pode ser concebida como vã). Veja-se:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. (Grifei)

Como dito, a modificação textual acima sublinhada revela o propósito claro do legislador de limitar a incidência do duplo grau obrigatório aos casos em que a Fazenda Pública deixa de recorrer voluntariamente da sentença. Deve-se apreendê-la, a valer, em sentido condicional, com a conseqüente inferência de que o juiz só deve ordenar a remessa oficial dos autos se não houver interposição de apelação no prazo legal, isto é, desde que não sobrevenha apelo tempestivo da pessoa jurídica de direito público.

A meu sentir, a inovação em comento é bastante compreensível se considerarmos o atual estágio de estruturação e desenvolvimento dos sistemas de representação judicial das Fazendas Públicas. Como cediço, as pessoas de direito público dispõem, nos dias de hoje, de aparato material e humano suficientemente capaz de assegurar a defesa judicial de seus direitos e interesses por meio da atuação exclusiva de advogados públicos.

Nesse contexto, é bem de ver que o reexame necessário de sentenças proferidas contra entes públicos representados por profissionais especializados e organizados em carreira não mais se justifica – na sistemática e conjuntura atuais –...

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