Acórdão nº 50008134120208210143 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50008134120208210143
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001683822
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000813-41.2020.8.21.0143/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO VESCIA CORSSAC

APELANTE: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

APELADO: Valiria Alma Haupt da Silva (AUTOR)

ADVOGADO: Joelson Fernando Konrad (OAB RS090406)

ADVOGADO: JULIA ROBERTA HAMMERSCHMITT (OAB RS120850)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A em face da sentença proferida nos autos da da ação anulatória cumulada com repetição do indébito e dano moral que lhe move VALIRIA ALMA HAUPT DA SILVA, nos seguintes termos:

ISTO POSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados na presente ação, forte no artigo 487, I do CPC, para declarar a resolução do contrato firmado entre as partes, diante do reconhecimento da nulidade do contrato de reserva de margem para cartão de crédito, devendo as partes retornarem ao “status quo ante”, com a restituição daquilo que foi creditado na conta do autor a título de empréstimo, no montante de R$ 4.765,20 (fl. 22 e 36), bem como, a devolução daquilo que o banco tenha descontado dos rendimentos do autor para pagamento das avenças nulas. Os valores devidos reciprocamente serão apurados em sede de liquidação de sentença, com correção monetária, pelo IGPM, desde os desembolsos, e juros de mora, na taxa legal, desde a mesma época, admitida a compensação.

Dada a sucumbência recíproca, deverá cada uma das partes arcar com 50% das custas. Fixo os honorários advocatícios no valor de R$ 1.000, 00 (um mil reais), para cada procurador, forte no artigo 85, § 8º do CPC, dada a singeleza da causa e o trabalho desenvolvido. Suspensa a exigibilidade da parte autora face à gratuidade da justiça concedida.

Diante da nova sistemática do Código de Processo Civil acerca da inexistência do juízo de admissibilidade, (art. 1010, § 3º do NCPC), em caso de interposição de recurso de apelação, proceda-se à intimação da parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Decorrido o prazo, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado do RS.

Em suas razões, a instituição financeira aduz a legalidade do ajuste, voluntariamente firmado pela parte. Discorre sobre a possibilidade da RMC em folha de pagamento, conforme Instrução Normativa 28 - INSS, Aponta que a sentença determinou a conversão do contrato de cartão de credito para empréstimo pessoal consignado, o que se revela descabida porquanto comprovada a efetiva contratação do cartão de crédito. Requer, portanto, o provimento do recurso, mantendo-se a contratação como realizada.

Intimada, a parte apelada apresenta contrarrazões.

Após, subiram os autos a esta Corte.

Vieram, então, conclusos para julgamento, cumpridas as formalidades legais.

É o relatório.

VOTO

DA ADMISSIBILIDADE RECURSAL

O presente norteia-se pelas disposições processuais estabelecidas pelo Código de Processo Civil de 2015.

Com fundamento no art. 1010, §3º, in fine, presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos, recebo o recurso em ambos os efeitos.

Ausentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 933 do CPC, passo ao exame do mesmo.

CONTEXTO FÁTICO

A causa de pedir fundamenta-se nos descontos de valores indevidos no benefício previdenciário da parte autora, sob a rubrica RMC – reserva de margem para consignação. Alega o autor que realizou empréstimo com a parte ré, no entanto, nunca solicitou e tampouco utilizou o cartão de crédito fornecido pelo demandado.

A defesa da parte ré argumenta que os valores descontados são legais e devidamente contratados, pois decorrem de saque efetuado pela autora através de seu cartão de crédito.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Dentre os princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor, encontra-se o da vulnerabilidade (art. 4º, I), o qual emergiu em decorrência da mitigação do modelo liberal da autonomia da vontade e a massificação dos contratos, ocasionando uma discrepância na discussão a aplicação das regras comerciais, o que justifica a presunção de vulnerabilidade, reconhecida como uma condição jurídica pelo tratamento legal de proteção (in Flávio Tartuce e Daniel Amorim A. Neves, Manual de Direito do Consumidor, Ed. Método, 4ª edição, 2015, p. 33).

Nesse norte, referido diploma legal adota a teoria do risco do empreendimento, da qual deriva a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, independentemente de culpa, pelos riscos decorrentes de sua atividade lucrativa.

Assim o art. 14 do CDC:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual, consoante doutrina de Sérgio Cavaliere Filho[1]:

“(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar a ocorrência de uma das causas excludentes do nexo causal, insertas no §3º do art. 14 do CDC, que assim dispõe:

“§ 3o. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Tampouco se pode desconsiderar o teor da Súmula 479 do STJ:

“Os bancos respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.

No presente caso, a adesão ao serviço foi realizada, como se extrai dos documentos de Ev. 22, EXTR2, Origem, tendo constado que o pagamento mínimo fixado na fatura seria realizado via desconto mensal no benefício previdenciário do autor.

O cerne da questão está na sistemática de cobrança realizada pela instituição financeira ré, que efetua descontos mensais nos proventos de aposentadoria do demandante no valor mensal de R$44,00 (Evento 1, OUT6, Origem), relativos aos valores do pagamento mínimo da fatura, tornando a dívida eterna, gerando, com isso, lucros exorbitantes ao banco e, principalmente, desvantagem exagerada ao consumidor, o que é vedado expressa e categoricamente pelo Código de Defesa do Consumidor[2].

Veja-se que os documentos acostados ao evento 22, EXTR2, fl. 1, comprovam o depósito com o cartão em tela no valor de R$ 1.098,00 em 21.03.2016, assim como não ter a autora feito uso da tarjeta para compras. Da mesma forma, não houve comprovação da devida informação à parte contratante da forma de utilização da modalidade de contratação.

Assim, entendo que restou demonstrada a falha na prestação do serviço da instituição...

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