Acórdão nº 50008148020198210104 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 28-06-2022

Data de Julgamento28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50008148020198210104
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002228501
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000814-80.2019.8.21.0104/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador TULIO DE OLIVEIRA MARTINS

APELANTE: BANCO PAN S.A. (RÉU)

APELADO: ERCI NYLAND STEIN (AUTOR)

RELATÓRIO

Inicialmente, adoto o relatório da sentença:

ERCI NYLAND STEIN ajuizou ação declaratória de nulidade de contrato e inexistência de débito c/c repetição do indébito e indenização por danos morais contra BANCO PANAMERICANO S/A, ambos qualificados na inicial.

Sustentou a autora ser pensionista do INSS e possuir mais de 60 anos. Disse que no mês de maio de 2019 se deparou com um crédito em sua conta-corrente junto à CEF no valor de R$ 1.772,42, desconhecendo o valor. Contatou a Caixa Econômica Federal que informou ser uma TED proveniente do banco Pan, ora demandada, com a finalidade de liberação de empréstimo consignado. Disse que não contratou com a requerida. Entrou em contato via call center, contudo sem receber maiores esclarecimentos, foi orientada a registrar uma ocorrência policial. Registrou Ocorrência Policial e enviou carta à demandada declarando não ter realizado nenhum empréstimo, no entanto, o banco negou o pedido de cancelamento e enviou cópia do contrato de empréstimo à autora. Afirmou que, em 01.07.2019 ocorreu o desconto da primeira parcela do empréstimo diretamente do seu benefício previdenciário. Pediu tutela de urgência para o requerido se abster de efetuar os descontos do benefício previdenciário da autora e a autorização para consignar o valor inerente ao valor creditado na conta-corrente da autora, bem como para que o requerido junte aos autos a cópia original do suposto contrato. Ao final, requereu a procedência do pedido declarando a nulidade do contrato de empréstimo, a inexistência do referido débito, a devolução em dobro do indébito e danos morais em 10 salários-mínimos. Pediu AJG e juntou documentos.

Foi deferida a tutela de urgência para determinar que a autora consignasse o valor de R$ 1.772,42 e determinado que a ré se abstivesse de descontar as parcelas do crédito em questão. Foi deferida a AJG à parte autora.

A autora acostou a guia de depósito à fl. 29.

Designada audiência conciliatória, restou inexitosa a conciliação. A autora disse que ainda estava sendo descontado valores em seu benefício previdenciário, razão pela qual foi determinada que a ré cumpra a liminar, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (fl. 30).

Devidamente citado (fl. 28 verso), o requerido alegou, preliminarmente, a revogação da concessão de Justiça Gratuita e a ausência da pretensão resistida, uma vez que não há pedido administrativo. No mérito, alegou estar regular a contratação do empréstimo consignado, Disse que o contrato foi celebrado em 20.05.2019, no valor de R$ 1.772,42 – contrato nº 327099845-7 -, a ser pago em 72 parcelas de R$ 50,00, diretamente descontado do benefício previdenciário da autora. Rechaçou todos os argumentos da autora. Disse ser válido o negócio jurídico entre as partes e ser ausente o dano moral. Afirmou ainda inexistir dano material a justificar o pedido de devolução em dobro de indébito. Alegou a má-fé da parte autora. Questionou a inversão do ônus da prova. Por fim, disse que cumpriu a medida liminar. Pediu a improcedência do pedido. Acostou documentos.

Houve réplica.

Intimadas as partes para que indicassem as provas que pretendiam produzir, a autora pugnou pela inversão do ônus da prova – o que foi deferido - e que a requerida trouxesse aos autos a via original do empréstimo, o que foi indeferido (fl. 84).

Intimada as partes, não houve manifestação.

Sobreveio sentença julgando procedente a ação, declarando a inexistência do débito objeto da ação, condenando a ré ao pagamento da repetição do indébito em dobro e ao pagamento de danos morais no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Inconformada, apelou a requerida. Em suas razões recursais, preliminarmente, arguiu a ocorrência de cerceamento de defesa por ausência de determinação do juízo a quo para a realização de perícia grafotécnica, de ofício. No mérito alegou a inexistência de vício na prestação do serviço. Referiu que o empréstimo não gerou descontos indevidos e por isso não há sentido na restituição dos valores em dobro. Defendeu a validade da contratação e a não ocorrência de danos morais. Pediu provimento do recurso. Alternativamente, postulou a redução do quantum indenizatório e alteração do termo inicial da atualização dos juros de mora a partir da condenação por dano moral.

Apresentadas contrarrazões, os autos subiram a esta Corte para julgamento.

Foi o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas:

Conheço do presente recurso eis que preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Preliminarmente, o apelante arguiu a ocorrência de cerceamento de defesa por ausência de determinação do juízo a quo para a realização de perícia grafotécnica, de ofício.

Sendo o Juiz o destinatário das provas, cabe a ele aferir e aquilatar sobre a necessidade ou não de sua produção, a teor do que estabelece o art. 370 do Código de Processo Civil, mas cabem às partes requererem a produção de provas que entendem necessárias e quando intimada, a parte quedou-se silente (evento 4, PROCJUDIC2, fl. 49).

Assim, afasto a preliminar suscitada.

Passo ao exame do mérito.

Pretendeu a parte autora a suspensão de descontos efetuados em seu benefício previdenciário a título de empréstimo consignado, alegando não ter contratado com o requerido. Postulou, ainda, a repetição do indébito e indenização por danos morais.

Uma vez comprovada a realização dos descontos mensais referente ao contrato nº 327099845-7, não se pode exigir da parte autora a prova negativa da não contratação. À requerida cabia demonstrar que a demandante contraiu o empréstimo consignado em seu benefício previdenciário, ônus do qual não desincumbiu.

O contrato juntado aos autos não apresenta a correta continuidade de páginas, possui assinatura diferente da assinatura que consta no documento pessoal da autora e consta como originador, a razão social com o nome de uma pessoa física e como tendo sido firmado na cidade de Eusébio/CE:

Dessa forma, presume-se ter se tratado de contrato firmado mediante fraude, sendo que a instituição financeira ao não tomar as devidas precauções no momento de identificar corretamente os dados do contratante, prestou um serviço defeituoso, devendo responder pela reparação de danos, independentemente de culpa, na forma do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

O Egrégio STJ entende que as fraudes praticadas por terceiros no âmbito das operações bancárias inserem-se no conceito de fortuito interno, o que não exclui a responsabilidade civil objetiva do fornecer, por força da teoria do risco da atividade. A respeito, tem-se a Súmula 479, que assim estabelece:

Súmula 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

O fortuito interno, para o doutrinador SERGIO CAVALIERI FILHO, é entendido como o "fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da realização do serviço, e não exclui a responsabilidade do fornecer porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento [...]".1

Evidenciada, pois, a falha na prestação do serviço está presente a obrigação de indenizar. O dano moral, no caso, decorre das próprias circunstâncias fáticas, eis que a autora foi privada de quantia utilizada para sua subsistência, estando configurado o dano in re ipsa.

A respeito, cito precedentes da Câmara:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO. FRAUDE. DANO MORAL. QUANTUM. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. Sendo o Juiz o destinatário das provas, cabe a ele aferir e aquilatar sobre a necessidade ou não de sua produção, a teor do que estabelece o art. 370 do Código de Processo Civil. Cerceamento de defesa não reconhecido. A situação narrada nos autos, na qual foram cobrados valores por empréstimos não contratados pela parte autora, caracteriza dano moral e gera o dever de indenizar. O valor do dano moral deve ser estabelecido de maneira a compensar a lesão causada em direito da personalidade e com atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Quantum indenizatório mantido. Diante da demonstração de fraude na contratação, cabível a restituição de todas as parcelas descontadas de forma indevida da parte autora, de forma simples, pois a repetição em dobro, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor. Apelo não provido.(Apelação Cível, Nº 70083467183, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em: 05-03-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL OCORRENTE. - Caso em que a instituição financeira requerida não evidenciou a regularidade da cobrança de valores em nome da consumidora, ônus este que lhe era dirigido, consoante dispõe o art. 373, II do CPC. -...

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