Acórdão nº 50008377020188210036 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50008377020188210036
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003251875
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000837-70.2018.8.21.0036/RS

TIPO DE AÇÃO: Seqüestro e cárcere privado (art. 148)

RELATOR: Desembargador RINEZ DA TRINDADE

RELATÓRIO

Na Comarca de Soledade/RS, o Ministério Público ofereceu denúncia contra D.M.M., dando-o como incurso nas sanções pela prática dos artigos 147 (duas vezes) (1º e 4ºfato), art. 148 (2º fato) e art. 129, §9º (3º fato), c/c o art. 61, I e II, alínea “f’ (reincidência e violência contra a mulher), todos do Código Penal, com a incidência da Lei n.° 11.340/2006.

Consta da denúncia (fls. 02/05 - evento 3, PROCJUDIC1):

A denúncia foi recebida em 11/07/2018 (fl. 24-evento 3, PROCJUDIC2).

Citado (fl. 26), o acusado apresentou resposta à acusação (fl. 31), do evento 3, PROCJUDIC2.

Sobreveio decisão determinando o prosseguimento do feito, ante a ausência de causas de absolvição sumária do artigo 397 do Código de Processo Penal (fl. 32evento 3, PROCJUDIC2).

Realizada a oitiva de duas testemunhas de acusação e, ao final, interrogado o réu (E14). Encerrada a instrução, foram substituídos os debates orais pela apresentação de memoriais escritos que foram acostados pelas partes (E18 e E22)

Processado o feito, sobreveio sentença, a qual julgou extinta a punibilidade do acusado em relação aos delitos de ameaça, com fundamento no art. 61 do CPP e art. 107, inc. IV, 109, inc. VI e, nos termos do art. 386, inc. VII do CPP, julgou improcedente a ação (evento 24, SENT1 ).

Irresignado, o Ministério Público apelou (evento 30, APELAÇÃO1). Em suas razões recursais, postulou pela reforma da v. sentença, com a condenação do acusado nos termos da denúncia, ante a prova da autoria e materialidade do delito em relação as sanções do art. 148 e 129, §9º, do Código Penal. Pediu provimento ao recurso.

A Defesa apresentou contrarrazões recursais, postulando o improvimento do recurso (evento 36, PET1).

Nesta instância, com vista ao Parquet, exarou parecer, o Dr. Luciano Pretto, opinando pelo provimento do recurso (evento 10, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores.

Conheço do recurso de apelação, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Trata-se de apelação ministerial interposta contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Soledade/RS, que julgou improcedente a denúncia, absolvendo D.M.M. das imputações do art. 148 e 129, §9º do CP.

Pugna, o Parquet, pela reforma da v. sentença, com a condenação do acusado, ante a prova da materialidade e autoria do delito.

A materialidade se encontra devidamente comprovada considerando o Boletim de Ocorrência Policial nº 2564/2018 (fls. 09/12); pelo Auto de Apreensão (fls. 13); pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 22); pelas Medidas Protetivas de Urgência (fls. 39/41); pela fotografia do material apreendido (fl. 42); pelo Atestado Médico (fl. 43); constantes do evento 3, PROCJUDIC1; pelo Laudo Pericial nº 92697/2018 (fl. 17-evento 3, PROCJUDIC2), e pela prova oral.

Quanto à autoria, extrai-se da prova oral constante nos autos:

- A vítima M.M. não foi ouvida em Juízo, todavia, na fase policial, prestou o depoimento:

"(...) Na noite de ontem, por volta da meia noite, o acusado esteve na casa da depoente e disse que se ela não abrisse a porta, ele iria arrebentá-la, quebrar tudo dentro de casa e iria matar a depoente. Que devido a insistência e por medo das ameaças a depoente abriu a porta, momento em que o acusado a pegou pelos cabelos e a levou para a casa dele. Que quando chegaram no local o acusado trancou a porta e as janelas, colocando lacre para que a depoente não conseguisse abrir. Que desde o início da madrugada de ontem foi agredida com um pedaço de madeira, com golpes nas pernas e na nuca, tendo restado lesionada. Que o acusado assou carne e mandou a depoente comer e tomar remédio para não sentir dor devido as agressões que sofria. Que foi agredida com socos no estômago e que também o acusado pisava em sua nuca, restando com escoriação. Acrescenta que durante todo o dia o acusado passou ingerindo cachaça e que quando a depoente pedia para sair, ele lhe batia com pauladas nas pernas. No início da noite de hoje o acusado saiu, perguntou se a depoente sabia nadar e disse que tinha uma surpresa para lhe apresentar por volta das 5 horas da manhã. Que quando o acusado saiu a depoente conseguiu ligar para a Brigada Militar, informando que estava em cárcere desde a noite anterior e que a porta estava trancada por fora, com cadeado. Que a Brigada Militar deslocou até o local e conseguiu libertar a depoente e a trouxe até esta DPPA.(...)”

- As testemunhas arroladas pela acusação, os policiais militares:

* Alisson Schener Clark:

"Relatou que foram solicitados por M. na ocorrência de Maria da Penha e que estaria trancada no interior da residência, ao chegarem no local seu Dionir não estava e havia um cadeado na porta, o qual estava apenas enganchado. Que a vítima relatou que teria ficado em cárcere durante um dia. Que se não se engana estavam com a M. na viatura para levá-la para a delegacia de polícia quando no caminho encontraram D. voltando para casa, momento que foi abordado, identificado pela vítima e encaminhado para o hospital e após delegacia. Sobre a residência, acredita que fosse a residência do acusado. Que a porta fechada com cadeado do lado de fora, que não lembra se tinha tranca ou lacre. Que a polícia foi acionada pela própria vítima, que teria escondido um celular. Que não lembra as lesões, mas crê que deve ter algo anexado ao processo. Que não lembra de outra ocorrência com o casal e que conhecia D. de abordagem de rotina na rua, mas não lembra de tê-lo prendido. Ainda, sobre a residência, que haviam janelas e que tinham uma espécie de tranca do lado de fora, mas não tinha cadeado."

* Antônio Carlos Prestes dos Santos:

"Disse que foram chamados pelo 190 que a vítima estaria trancada pelo companheiro em cárcere privado. Ao chegar na residência a porta estava trancada com cadeado pro lado de fora, podendo abrir só pelo lado de fora. Que a vítima relatou que o companheiro tinha trancado ela ali dentro, não a deixava sair e a agredia. Que não lembra quanto tempo ela estava ali. Que a residência era de D. Que as janelas estavam trancadas com lacre. Que não lembra de ter atendido outro caso deste casal referente a violência. Sobre a residência, era uma casa bem simples de madeira, com um cadeado do lado de fora da porta, sem estar trancado, apenas enganchado. Que não se recorda sobre os fundos da residência. Que ao lado da residência haviam casas próximas, como sendo de madeira se a pessoa gritasse poderia ser ouvida."

- O acusado, D.M.M., em interrogatório:

"Negou as acusações. Relatou que se relacionou com M. pelo período de 5 anos, tendo inclusive durante 1 ano e 4 meses morado com ela em Porto Alegre. Disse que a conheceu em uma casa noturna de prostituição, a qual M.e residia e o acusado morava 50 metros de distância, que ao M. sair da casa noturna ela passou a morar no bairro Farroupilha próximo ao cemitério. Sobre a casa em que residia e que M. frequentava como sua companheira, trata-se de uma casa simples, pobre, com tramelas e fivelas, pois há época não tinha dinheiro para comprar cadeados, janelas e por isso fez da maneira que conseguiu, com tábuas. No que tange a abordagem policial, relatou que saiu do trabalho por volta das 18h30min, bebeu cerca de 4 latas de cerveja com M. e então esta lhe pediu que buscasse seus pertences e seu cachorro em sua casa no bairro Farroupilha para que ficasse em sua casa, momento em que D. foi e ao voltar para casa foi abordado pela polícia. Ainda, relatou que não possuía faca no momento da abordagem, que em casa haviam facas, mas de uso cotidiano, como tem em toda e qualquer residência. Ainda, sobre a residência, relatou que na sua casa tinha um degrau alto, de cerca de 40cm, e que em uma ocasião durante uma discussão, M. estava bêbada e acabou tropeçando e se machucando no referido degrau."

Inicialmente, a orientação jurisprudencial, para os crimes ocorridos em âmbito doméstico, tem por sentido valorar como prova a palavra da vítima, assumindo crucial importância em razão de inexistência presencial de testemunhas em delitos desta natureza, devendo ser esta coerente e com verossimilhança junto às demais provas colhidas, em especial à prova pericial.

A respeito da importância que assume a palavra da vítima na ocorrência de delitos dessa natureza, colaciono o seguinte julgado recente desta Terceira Câmara Criminal:

“APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÕES CORPORAIS. AMEAÇA. VIAS DE FATO. PROVA. PALAVRA DA VÍTIMA. CONDENAÇÃO MANTIDA. Nos delitos praticados no âmbito doméstico, às ocultas, a palavra das vítimas assume especial valor probatório. Precedentes. Caso em que os relatos das vítimas afiguram-se verossímeis e coerentes, além de que restaram amparados nas provas periciais produzidas. Juízo condenatório confirmado. RECURSO DESPROVIDO.

(Apelação Crime Nº 70066327685, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Miguel Achutti Blattes, Julgado em 04/05/2016)” (grifei)

- Quanto ao crime de cárcere privado (art. 148 do Código Penal) - 2º fato descrito na denúncia

Segundo dispõe o art. 148 do Código Penal, caracteriza o tipo penal em questão quando o agente priva outrem de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado.

De...

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