Acórdão nº 50008453220158210075 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50008453220158210075
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001785168
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000845-32.2015.8.21.0075/RS

TIPO DE AÇÃO: Sem registro na ANVISA

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: MARIS STELLA BENDER (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, em face de sentença que, nos autos da ação proposta por MARIS STELLA BENDER, julgou procedentes os pedidos formulados na inicial. Por oportuno, transcrevo dispositivo sentencial:

III - Dispositivo (artigo 489. inciso III, do CPC)

Isso posto, com fulcro no artigo 487, inciso T, do Código de Processo Civil. JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MARTS STELLA BENDERZ, para, confirmando a tutela antecipada deferida às tls. 16-1 7, condenar o ESTADO DO RJO GRANDE DO SUL a fornecer à autora, gratuita e mensalmente, o medicamento Sulfato de Glicosamina l ,Sg (01 sachê ao dia), de forma contínua e até quando indispensável ao tratamento.

Fica expressamente autorizada a entrega da medicação de acordo com sua denominação comum brasileira. desde que não implique alteração da dose e das substâncias que constituem o princípio ativo do remédio.

No particular, anoto que é ônus da parte autora comprovar, diretamente na via administrativa, mediante atestado médico atualizado, a cada seis meses, a necessidade da continuação do tratamento.

Condeno o requerido ao pagamento dos honorários advocatícios destinados ao FADEP, os quais arbitro em 10% sobre o valor atualizado na causa, nos termos do artigo 85, §2° do CPC.

lsento o Estado do Rio Grande do Sul com relação ao pagamento das custas processuais judiciais, devendo arcar apenas com as despesas, excluindo-se as de oficial de justiça, nos termos da Lei Estadual nº 8.121 / 1985.

Dispensada a remessa necessária, com base no art. 496, §3°, inciso 11, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões, o apelante afirma que o medicamento ora postulado não possui eficácia comprovada no tratamento de doenças como a que acomete a parte autora. Cita jurisprudência. Narra manifestação exarada pelo Dr. Hélio Tadeu Pereira, perito reumatologista do DMJ, em 09/10/2013, deu conta de que os sulfatos de glicosamina e condroitina não demonstram eficácia analgésica superior a outras drogas presentes no mercado, além de que não tem eficácia em reduzir a progressão ou o dano estrutural determinado pela doença. Refere acolhimento da tese levantada pelo Estado do Rio Grande do Sul quanto à ineficácia do medicamento, no Incidente de Uniformização de Jurisprudência n° 71008827685. Defende que o Estado não pode ser condenado a pagar honorários advocatícios nas causas patrocinadas pela Defensoria Pública, pelo que requer a reforma da sentença. Ao final, pede provimento.

São apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público ofereceu parecer pelo conhecimento e provimento do apelo.

Vêm os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

No caso em exame, MARIS STELLA BENDER ajuizou ação ordinária com pedido de tutela antecipada contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, objetivando o fornecimento do medicamento SULFATO DE GLICOSAMINA 1,5 mg (1 sachê ao dia), em razão de diagnóstico de ARTROSE NÃO ESPECIFICADA (CID l0 M 19.9), alegando não ter condições financeiras de suportar o tratamento.

Pois bem.

Desde já adianto ser caso de julgar prejudicado o presente recurso, desconstituindo, de ofício, a sentença proferida em primeiro grau, tendo em vista a necessidade de conhecimento de questão de ordem, atinente à inclusão da União no polo passivo da ação, com o consequente deslocamento da competência para a Justiça Federal.

Em virtude de julgamento com repercussão geral do ED no RE nº 855.178/SE pelo Supremo Tribunal Federal, de que se extraiu o Tema nº 793 do STF, publicado em 16/04/2020, nas hipóteses em que o cumprimento da decisão judicial conforme as regras de repartição de competências seja da União, deve esta ser incluída no polo passivo das ações que visem à obtenção de fármaco não incluído em listas do SUS, de tratamento de saúde a ela atribuível ou quando for de custeio da União, ainda que ocorra, como consequência, o deslocamento de competência.

É o que se depreende da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Embargos de Declaração nº RE 855178 ED, de relatoria do Ministro Edson Fachin, que deve passar a ser observada no âmbito desta Corte:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.

4. Embargos de declaração desprovidos.
(RE 855178 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020) (grifos meus).

Nesse sentido, peço vênia para transcrever trecho elucidativo do voto proferido pelo redator do acórdão, Ministro Edson Fachin, o qual concluiu da seguinte forma:

“i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss. CF);

ii) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196 e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas, que devem ser observadas em suas consequências de composição de polo passivo e eventual competência pelo Judiciário;

iii) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

iv) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, sua inclusão deverá ser levada a efeito pelo órgão julgador, ainda que isso signifique deslocamento de competência;

v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto federal n. 7.508/11.” (grifei)

Mostra-se claro, portanto, que o dever de prestar assistência à saúde é compartilhado entre os Municípios, o Estado e a União, consoante o disposto nos artigos 23, II, 196, 197 e 198, da CF, bem como na legislação pertinente, a Lei Orgânica do SUS nº 8.080/90.

No entanto, nos casos em que o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da ação, sua inclusão deverá ser levada a efeito pelo órgão julgador, ainda que isso signifique deslocamento de competência.

E, conforme determinado pelo item “v” do voto acima referido, nas demandas que objetivem o fornecimento de medicamentos, tratamentos, procedimentos ou materiais não constantes das políticas públicas instituídas, a União deverá necessariamente figurar no polo passivo.

No caso concreto, o fármaco postulado SULFATO DE GLICOSAMINA, apesar de estar registrado na ANVISA1, sob o n° 135690555 com vencimento em 10/2029, não consta no RENAME 2022, tampouco foi incorpado à lista de medicamentos fornecidos pelo SUS por meio de Portaria.

A reforçar esse entendimento, seguem outras decisões proferidas pelos Ministros do STF:

AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO ADOTADO NO REGULAMENTO DO...

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