Acórdão nº 50008455520218210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 11-11-2022

Data de Julgamento11 Novembro 2022
Classe processualApelação
Número do processo50008455520218210064
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002918518
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000845-55.2021.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Estelionato (art. 171)

RELATOR: Desembargador JONI VICTORIA SIMOES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO, na Comarca de Santiago, ofereceu denúncia contra EMERSOM DE OLIVEIRA SUDATI, imputando-lhe a prática do crime previsto no artigo 171, caput, do Código Penal, pelo seguinte fato delituoso:

No dia 18 de setembro de 2020, por volta das 18h, na Rua Vilagran Cabrita, nº 567, em Santiago/RS, o denunciado EMERSON DE OLIVEIRA SUDATI obteve, para si, vantagem ilícita, consistente em procedimentos estéticos no valor de R$ 80,00 (oitenta reais), em prejuízo da proprietária do salão de beleza NILDA JORGINA NUNES DE OLIVEIRA, induzindo-a em erro, mediante ardil.

Na ocasião, o denunciado obteve, para si, a vantagem ilícita acima indicada, em prejuízo da vítima, induzindo-a em erro, mediante ardil, na medida em que foi até o salão de beleza, submeteu-se aos procedimentos estéticos e, no momento de realizar o pagamento, disse que teria de pegar o dinheiro com o seu patrão, saindo do local e não retornando mais.

A fraude, mediante ardil, restou caracterizada na medida em que o denunciado utilizou-se de astúcia, dando a entender que realizaria o pagamento após falar com o seu patrão, o que não era verdade.

O denunciado é reincidente (Processos Criminais nos 064/2.11.0004126-5, condenação transitada em julgado em 24/07/2018, sem notícia da extinção ou cumprimento da pena; 064/2.12.0000731-0, condenação transitada em julgado em 06/10/2014, extinção ou cumprimento da pena em: 08/11/2016; 064/2.12.0002349-8, condenação transitada em julgado em 07/02/2017, sem notícia da extinção ou cumprimento da pena; 064/2.13.0002915-3, condenação transitada em julgado em 26/03/2018, sem notícia da extinção ou cumprimento da pena; 064/2.13.0002964-1, condenação transitada em julgado em 25/05/2016, sem notícia da extinção ou cumprimento da pena; 064/2.15.0002795-2, condenação transitada em julgado em 03/05/2017, sem notícia da extinção ou cumprimento da pena; 064/2.15.0002889-4, condenação transitada em julgado em 23/11/2020, com extinção ou cumprimento de pena em 05/20/2021 – histórico judicial criminal em anexo).

Recebida a denúncia em 23/03/2021.

Citado pessoalmente, o acusado apresentou resposta à acusação por meio da Defensoria Pública.

Não sendo caso de absolvição sumária, seguiu-se à instrução processual, com a oitiva da vítima, sendo decretada a revelia do réu, pois, mesmo intimado para a solenidade, deixou de comparecer a ela.

Encerrada a instrução, as partes ofereceram memoriais escritos.

Sobreveio sentença, julgando PROCEDENTE a ação penal, para condenar o réu EMERSOM DE OLIVEIRA SUDATI, por incursão nas sanções do artigo 171, caput, do Código Penal, às penas de 01 ano, 05 meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 30 dias-multa, à razão unitária mínima de 1/30 do salário mínimo nacional. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de indenização à vítima, pelos prejuízos materiais causados, no valor de R$ 100,00. Ao acusado foi concedida a possibilidade de recorrer em liberdade. O réu foi condenado ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade, por ter sua defesa patrocinada pela Defensoria Pública do Estado.

A sentença foi publicada em 08/08/2022.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, o qual restou recebido.

O réu foi pessoalmente intimado acerca da sentença.

Nas razões, a defesa postulou, inicialmente, a declaração da extinção da punibilidade do réu, em razão da decadência, visto que transcorridos mais de 06 meses desde a data do fato, para o oferecimento de representação pela ofendida, nos termos do § 5º do artigo 171 do Código Penal, incluído pela Lei nº 13.964/2019. Quanto ao mérito, pediu a absolvição do réu, por atipicidade da conduta que lhe foi atribuída, considerando que se trata de descumprimento de uma obrigação cível, e não de crime. Ademais, afirma que sequer a contratação do serviço da vítima pelo réu foi devidamente comprovada. Lado outro, pugna pela aplicação do princípio da insignificância no caso. Subsidiariamente, requer a redução da pena imposta, com o afastamento da consideração negativa dos antecedentes e da personalidade, bem como da agravante da reincidência. Por fim requer a redução ou afastamento da pena de multa e a extirpação da condenação ao pagamento de indenização em favor da vítima. Prequestiona as matérias debatidas.

Foram apresentadas contrarrazões.

Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça e distribuídos a esta Relatoria.

O Ministério Público, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça, Dra. Maria Alice Buttini, opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso defensivo, para que seja afastada a nota negativa relativa à personalidade na pena-base, com consequente redução do apenamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso é cabível e foi tempestivamente interposto, preenchendo, assim, os requisitos para que seja conhecido.

Passo, então, à análise das inconformidades trazidas pela defesa.

Preliminar de extinção da punibilidade em razão da decadência.

Em preliminar, arguiu a defesa a necessidade de que seja extinta a punibilidade do acusado, por falta de condição de processabilidade da ação penal, em razão da ausência de representação da vítima.

Razão não lhe assiste.

Isso porque a representação criminal, como condição de procedibilidade para o exercício da ação penal pública condicionada, não consiste em procedimento que necessita de manifestação formal específica por parte da vítima.

Pode essa partir de mera notitia criminis postulatória, da qual se extraia o interesse da ofendida em ver perseguidos criminalmente os fatos trazidos a conhecimento das autoridades públicas.

No caso concreto, conforme se observa dos autos, a vítima efetuou registro de ocorrência policial, no dia 21/09/2020, afirmando que, em 18/09/2020, o réu, a quem identificou pelo nome, foi ao seu salão de beleza e solicitou que fizesse "luzes" e um corte em seu cabelo, serviço que resultaria no valor de R$ 80,00. Disse que, após efetuar o serviço, o acusado afirmou que pegaria o dinheiro com seu patrão, deixando o estabelecimento, mas não mais retornou. Mostrou-se, inclusive, receosa que o réu voltasse.

No dia 01/10/2020, a vítima retornou à Delegacia de Polícia e confirmou o relato, dando alguns outros detalhes, como descrição do acusado. Em seguida, efetuou o reconhecimento fotográfico dele.

Fica, portanto, evidente o desejo da ofendida de representar criminalmente contra o réu - o qual, aliás, foi apresentado dentro do prazo decadencial. Do contrário, certamente, sequer reportaria o ocorrido à autoridade policial.

Reitero, assim, ser desnecessária formalidade na representação feita pela vítima, conforme entendimento que vem sendo adotado por esta Câmara:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ESTELIONATO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO PELA VÍTIMA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO DEFENSIVO. A manifestação de vontade do ofendido que pretende representar criminalmente contra possível autor de infração penal não exige rigor formal, sendo suficiente à sua demonstração o registro de boletim de ocorrência em Delegacia de Polícia. Precedentes. Com o advento da Lei nº 13.964/2019, a natureza da ação penal pública que apura a prática do delito de estelionato foi alterada para condicionada à representação da vítima. (...). RECURSO IMPROVIDO. (Recurso em Sentido Estrito, Nº 70084512326, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria de Lourdes G. Braccini de Gonzalez, Julgado em: 27-10-2020). (Grifei).

No mesmo sentido, aliás, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS COUS. CRIME SEXUAL PRATICADO ANTES DA ENTRADA EM VIGÊNCIA DA LEI N. 13.718/2018. REPRESENTAÇÃO TEMPESTIVA FEITA PELA VÍTIMA. INEXISTÊNCIA DE RIGOR FORMAL. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PARECER ACOLHIDO. 1. Doutrina e jurisprudência são uniformes no sentido de que a representação prescinde de qualquer formalidade, sendo suficiente a demonstração do interesse da vítima ou de seu representante em autorizar a persecução criminal. 2. No caso dos autos, há certidão atestando que a vítima manifestou, ainda que por telefone, ao escrivão de polícia, seu interesse em iniciar a persecução penal contra o ora paciente. 3. Ordem de habeas corpus denegada. (HC 572.930/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 18/06/2020). (Grifei).

Assim, afasto a preliminar em questão, passando ao enfrentamento do mérito.

Adianto, no ponto, que não prospera o pleito absolutório trazido pela defesa.

Com efeito, a materialidade delitiva restou demonstrada por meio do registro de ocorrência e da prova oral produzida durante a instrução processual.

A autoria, da mesma forma, está devidamente comprovada, por intermédio do depoimento judicial prestado pela vítima.

Quanto ao ponto, visando tautologia, transcrevo o trecho da sentença em que bem resumida a prova oral, agregando-o às razões de decidir:

(...)

A vítima NILDA JORGINA NUNES SILVEIRA, em juízo, contou que o acusado foi até seu salão de beleza e pediu para cortar o cabelo, bem como para fazer luzes. Na oportunidade, o acusado mentiu que era do interior e que seu patrão tinha descido comprar alguns materiais em uma ferragem nas proximidades, mas já estava trazendo o dinheiro para pagar pelos serviços prestados. Disse que cortou e fez luzes no cabelo no réu, conforme solicitado, sendo que o valor dos serviços totalizaram R$100,00 (cem reais), sendo o corte R$20,00 (vinte reais) e as luzes R$80,00 (oitenta reais)....

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