Acórdão nº 50008486320188210048 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-07-2022

Data de Julgamento08 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50008486320188210048
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001643987
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000848-63.2018.8.21.0048/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: DANIELE CLEMENTE LINO (RÉU)

APELADO: DEPARTAMENTO AUTÔNOMO DE ESTRADAS DE RODAGEM - DAER/RS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Daniele Clemente Lino contra sentença de procedência proferida nos autos da Ação de Reintegração de Posse proposta pelo Departamento Autônomo de Estrada de Rodagem - DAER/RS.

Eis o dispositivo da sentença (evento 2, SENT11, da origem):

"Face ao exposto, forte no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a ação proposta pelo DEPARTAMENTO AUTÔNOMO DE ESTRADAS DE RODAGEM - DAER contra DANIELE CLEMENTE LINO, para REINTEGRAR o DAER na posse da faixa de domínio da VRS 813, Km 9+900, lado direito, sentido Farroupilha-Garibaldi, 20 metros para cada lado do eixo da via, num total de 40 metros - área destacada na foto de fl. 05v – casa 3.

Fixo prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado desta sentença, para a ré demolir as construções e retirar do local os bens que lhe pertencem, sob pena de perdimento das construções e dos bens em favor do DAER, nada podendo reclamar no futuro.

CONDENO a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos pelo IGP-M, mais juros de 1% ao mês, sem capitalização, tudo a contar desta sentença, forte no art. 85, § 2.º, do Código de Processo Civil, ponderada a natureza do feito, o trabalho apresentado e o tempo do processo. Suspensa a exigibilidade em face da assistência judiciária gratuita, que lhe defiro (item I – fl. 42v).

Caso, em 30 dias, a contar do trânsito em julgado desta sentença, não haja a desocupação do terreno e a casa 3 (fl. 05v) não for demolida, expeça-se mandado de reintegração de posse do imóvel situado na VRS 813, Km 9+900, lado direito, sentido Farroupilha-Garibaldi, 20 metros para cada lado do eixo da via, num total de 40 metros - área destacada na foto de fl. 05v – casa 3; bem como de autorização ao DAER para proceder à demolição das construções feitas sobre a faixa de domínio.

Requisite-se, para cumprimento, se necessária, força policial.

Transitada em julgado, arquive-se, com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se."

Em suas razões recursais, a apelante defende a necessidade de reforma da sentença. Após breve relato do caso, afirma exercer posse velha e de boa-fé sobre a área, baseada em justo título, a saber "Escritura Pública de Compa e Venda de Imóvel nº 16.251". Afirma que em 19/08/2003 sua sogra, sra. Maria Helena Canali Chesini, juntamente com José Natalino Machado, adquiriu a área em questão, parte integrante de um todo maior contendo 2.963,07m², registrado sob a matrícula nº 24.224. Alega que o imóvel atualmente é habitado por si, seu filho e sua filha. Argumenta que a escritura pública em comento evidencia o exercício da posse de boa-fé por mais de 15 anos pela adquirente Maria Helena, à qual se soma a posse de mais de 40 anos exercida pelos seus antecessores. Argumenta que a sentença viola o princípio da função social e o direito à moradia. Pondera que, no caso em apreço, não houve invasão ou ocupação forçada da área, mas aquisição mediante escritura pública devidamente registrada perante o álbum imobiliário, exercendo a posse sobre o imóvel há mais 40 anos sem qualquer oposição do apelado. Sustenta que o apelado não comprovou o pagamento da indenização correspondente ao aumento da faixa de domínio da estrada, quando da sua migração do domínio municipal para o domínio estadual. Forte nesses argumentos, pugna pelo provimento do recurso para que seja reformada a sentença de procedência da ação.

Regularmente intimado, o apelado apresentou contrarrazões (evento 12 da origem) asseverando basicamente que os requisitos exigidos pelo art. 561 do CPC restaram atendidos, sendo de rigor a manutenção da sentença. Sustenta que a edificação da apelante invade, sem permissão ou concessão prévias, faixa de domínio existente às margens da estrada "VRS813, km 9+900, lado direito, sentido Farroupilha-Garibaldi", restando caracterizad o esbulho possessório. Argumenta que a faixa de domínio tem como finalidade conferir segurança àqueles que por ela trafegam, de modo que "o fato de ainda não ter ocorrido nenhum acidente não pode se constituir em justificativa para a permissão de invasão ao bem público". Afirma ser desnecessário prévio procedimento de desapropriação da área e que a mera "existência da faixa de domínio e da área non aedificandi é suficiente para afastar qualquer suposto direito do apelante". Pugna pelo desprovimento do recurso.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído por sorteio.

Determinada a remessa dos autos ao Ministério Público para que, a seu critério, oferecesse parecer.

Sobreveio parecer pelo Parquet opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se de Ação de Reintegração de Posse proposta pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem - DAER/RS em face de Daniele Clemente Lino por intermédio da qual pretende ser reintegrado na posse de uma fração de terras existentes à margem da estra "VRS813, km 9+900, lado direito, sentido Farroupilha-Garibaldi".

Em apertada síntese, a autarquia apelada narrou que às margens da estrada VRS813 há faixa de domínio equivalente a 20m à esquerda e outros 20m à direita, totalizando 40m. Afirmou que a apelante edificou uma construção dentro dessa faixa de domínio e que, embora regularmente notificada para desocupar a área por intermédio da Notificação de Irregularidade nº 45/02SR/2017, Processo Adiminstrativo nº 17/0435-002763-2, quedou-se inerte.

Citada, a apelante sustentou basicamente que: i) o processo administrativo padece de irregularidades; ii) exerce a posse de boa-fé sobre a área há mais de 15 anos com justo título; iii) inexistência de risco ou prejuízo ao tráfego; iv) afronta à função social e ao direito constitucional à moradia; v) ausência de comprovação do pagamento da indenização correspondente à desapropriação da área.

Conforme relato supra, a ação foi julgada procedente.

A despeito dos argumentos invocados pela agravante, cinge-se a controvérsia recursal em verificar a presença dos requisitos necessários à reintegração do apelado na posse do imóvel.

Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.

1. Da Reintegração de Posse:

O recurso não comporta provimento.

Consoante dicção do art. 1.210 do CC "O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado". Semelhantemente, o art. 560 do CPC dispõe que "O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho".

A respeito da tutela da possessória, Daniel Amorim Assumpção Neves1 ensina que:

"A ação possessória adequada ao caso concreto depende da espécie de agressão cometida pelo sujeito que deve figurar no polo passivo da demanda. Ocorrendo o esbulho, entendido como a perda da posse, caberá a ação de reintegração de posse; ocorrendo a turbação, entendida como a perda parcial da posse (limitações em seu pleno exercício), caberá a manutenção de posse; ocorrendo a ameaça de efetiva ofensa á posse, caberá o interdito proibitório."

Nesta senda, evidenciada a natureza eminentemente possessória desta espécie de ação, para fins de reintegração, cabe ao postulante comprovar, em síntese, a sua posse, o esbulho possessório e a sua data, e a consequente perda da posse, conforme disposto no art. 561 do CPC, in verbis:

"Art. 561. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração."

Nelson Nery Júnior2, ao comentar o dispositivo acima transcrito, esclarece que:

"1:2. Posse. As possessórias se caracterizam pelo pedido de posse com fundamento no fato jurídico posse. O que determina o caráter possessório de uma ação não é só o pedido, mas sim a causa petendi e os fundamentos do pedido do autor."

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMPRA E VENDA DE BENS MÓVEIS. POSSE JUSTA. ESBULHO POSSESSÓRIO DEMONSTRADO. SENTENÇA MANTIDA. IMPUGNAÇÃO GRATUIDADE REJEITADA. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRENCIA: Não há falar em inépcia da petição inicial, posto que a exordial permite a defesa da parte demandada, sem qualquer prejuízo, e explica sem margem à dúvida a exata compreensão da demanda, com os fundamentos fáticos e jurídicos nos quais o autor se embasou para formular o pedido de reintegração de posse, possibilitando o exercício do contraditório. Preliminar rejeitada. IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA: A revogação do benefício da gratuidade judiciária só pode ser feita após exaustiva análise fática e jurídica, além de a decisão estar devidamente fundamentada. Impugnação ausente de prova. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE INJUSTA: Para que se possa obter êxito na ação possessória, mister que a parte autora comprove os requisitos estampados no art. 561 do CPC, quais sejam: sua posse, a turbação ou o esbulho, a data da turbação ou do esbulho e a continuação na posse ou a perda da posse. Resta demonstrado nos autos a posse anterior exercida pela parte autora, bem como o esbulho praticado pela ré, o que confere o...

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