Acórdão nº 50008671820178210044 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 20-04-2022

Data de Julgamento20 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50008671820178210044
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001991164
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000867-18.2017.8.21.0044/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador MIGUEL ANGELO DA SILVA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (EMBARGADO)

APELADO: DIEGO DIDONE GOI BOTTEGA (EMBARGANTE)

APELADO: JUSTINA INES BOTTEGA (EMBARGANTE)

RELATÓRIO

De saída, reporto-me ao relatório do parecer ministerial lançado nesta instância, que assim sumariou a espécie, “in verbis”:

"Trata-se de apelação cível, interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, de sentença (evento 3 procjudic3 – fls. 30/42@) que julgou procedentes os embargos à execução opostos por DIOGO BOTEGA E JUSTINA INÊS BOTEGA.

Em suas razões (evento 3 procjudic3 – fls. 45/ss), o Estado defende que não há prova de que o imóvel penhorado seja realmente bem de família. Aponta que o reconhecimento do benefício previsto na Lei 8.009/90 exige prova cabal da destinação residencial do imóvel. Não bastasse isso, pondera que não há prova de que o bem seja o único imóvel do extinto, repassado aos herdeiros na sucessão. Finalmente, refere que o imóvel pode ser dividido, assegurando a impenhorabilidade de sua parte residencial.

Intimados, os recorridos juntaram contrarrazões (evento 13)."

A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Estou em negar-lhe provimento, pelos motivos adiante explicitados.

Por meio dos presentes embargos à execução, JUSTINA INÊS BOTTEGA e DIEGO BOTTEGA investem contra decisão que, no executivo fiscal nº 044/1.08.0001909-6, aforado pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL originalmente contra AIRTON MAURÍCIO BOTTEGA & CIA LTDA., determinou a penhora de parte do imóvel matriculado no CRI de Roca Sales sob o nº 1.104 (Evento 3, PROCJUDIC1, p. 32-38).

Na inicial, os embargantes afirmaram que "tiverem redirecionada contra si execução fiscal de n.º 044/1.08.0001909-6, originariamente aforada em face de Airton Maurício Bottega & Cia Ltda, da qual Airton Maurício Bottega era o proprietário. Com o seu falecimento, a esposa e filho do falecido, ora embargantes, foram citados e tiveram conhecimento da penhora por termo realizada sobre o imóvel de matrícula n.o 1.104, indicado às fis. 108/110 do executivo fiscal." (sic). Ponderaram, todavia, que o bem constrito é impenhorável, porquanto utilizado para sua moradia, constituindo, portanto, bem de família, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/90. Destacaram não possuir outros imóveis em seu nome, asseverando, outrossim, que o bem em tela também abriga os familiares de Ervino Bottega, proprietário de fração ideal de 50% do imóvel. Ainda, sublinharam que a dívida cobrada na execução não é oriunda de IPTU ou qualquer outro tributo de natureza propter rem, mas de ICMS. Com isso, postularam a desconstituição da penhora.

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença julgando procedentes os pedidos formulados na exordial, "para declarar a impenhorabilidade do imóvel descrito na matrícula n. 1.104 do RI de Roca Sales, penhorado na execução apensa (044/1.08.0001909-6)" (sic).

Contra essa decisão é que se insurge o Estado embargado, alegando, em suma: (i) a inexistência de provas de que o bem constrito seria o único de titularidade do falecido ou dos seus sucessores, em ordem a atrair a regra de impenhorabilidade da Lei nº 8.009/90; (ii) o cabimento da constrição diante da ausência de prova da partilha do bem aos sucessores/herdeiros, "porquanto os bens do de cujus devem responder pelos débitos por ele deixados" (sic - Evento 3, PROCJUDIC4); e (iii) a possibilidade de a penhora recair, pelo menos, sobre parte do imóvel não destinada à moradia, por se tratar de bem que admite cômoda divisão.

Pois bem.

Quanto à questão de fundo controvertida nesta ação incidental de embargos, reputo correto o exame realizado pela d. sentença invectivada, cujos escorreitos fundamentos adoto e transcrevo adiante, a fim de evitar desnecessária tautologia, “in litteris”:

“É indubitável que o imóvel penhorado nos autos da execução em apenso caracteriza-se como bem de família, com o que o próprio embargado demonstra não discordar, o que se decorre inicialmente de sua fala em impugnação.

Nesse caminho, os documentos acostados pelos embargantes são capazes de comprovar que se trata de bem de família utilizado para sua residência.

Nos termos do art. 1º, da Lei 8.009/90:

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Favorável também é o posicionamento proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado Gaúcho, conforme ementas que colaciono abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPENHORABILIDADE DE BEM IMÓVEL, NÃO DEMONSTRADA. CABIMENTO DE EMBARGOS DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. A desnecessidade de dilação probatória e a demonstração inequívoca de que o direito buscado encontra amparo no ordenamento jurídico, torna o direito líquido e certo, requisito que autoriza o processamento do Mandado de Segurança. 2. Na hipótese em que a decisão da autoridade coatora, aparentemente viola direito líquido e certo da parte impetrante, ao manter a penhora sobre bem imóvel, alegadamente abarcado pela impenhorabilidade, tem cabimento o Mandado de Segurança, para que a decisão seja analisada à luz da legislação atinente à espécie. 3. A proteção ao bem de família constitui um mandamento da nova doutrina civilista, a qual - imbuída dos valores constitucionais - reconhece a necessidade de salvaguardar o mínimo existencial da pessoa humana, frente à pretensão executiva do credor. 4. Para o reconhecimento da impenhorabilidade, necessária a prova de se tratar de bem indispensável à habitação. Embora o impetrante alegue se tratar de bem de família, reconhece não residir no imóvel, defendendo, em verdade, dentre os argumentos de falta de intimação e impenhorabilidade, a residência que alega ser de sua ex-cônjuge, para a qual cabe defender sua meação por meio de embargos de terceiro, se assim entender. SEGURANÇA DENEGADA. (Mandado de Segurança Cível, Nº 71009516774, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em: 10- 07-2020). Grifei.

(...)

Igualmente, destaca-se a prova testemunhal colhida durante a fase instrutória, a qual concorda em sua totalidade com o que dito pelos embargantes.

Observa-se dos depoimentos prestados pelas testemunhas em Juízo à fl. 68, a unanimidade em afirmar que o imóvel em questão é voltado à moradia familiar.

Em Juízo (fl. 68), a testemunha Sebastião Boaventura expôs que reside na mesma localidade em que se encontra o imóvel objeto da presente lide há aproximadamente vinte e sete anos e que desde então conhecia o de cujus. Quando questionado, referiu que o de cujus residia naquele local há muito tempo, antes mesmo de mudar-se para lá. Também contou que o de cujus sempre morava junto de sua família, citando, nesse contexto, o nome dos embargantes. Ao final, relatou que, atualmente, os embargantes permanecem residindo no imóvel.

Já a testemunha Marcio Luiz Salvadori (fl. 68), nada disse ao contrário. Primeiramente, confirmou o endereço do imóvel e se este era a residência do de cujus. Questionado, disse que os embargantes residiam em companhia do de cujus.

Por fim, a testemunha Renato Vian (fl. 68), também confirmou o endereço do imóvel. Disse que conhecia o de cujus desde que nasceu e que ele nunca teria se mudado do imóvel para outro local. Afirmou que residiam junto do de cujus os embargantes e, que em imóvel separado, também residia ali o irmão dele. Ao final, expôs que os embargantes ainda residem no imóvel.

Portanto, diante de todo o contexto probatório, levando-se em consideração as provas documentais e testemunhais colhidas durante sua regular instrução, imperativo torna-se, pois, o reconhecimento da impenhorabilidade do bem imóvel penhorado, nos termos da Lei n.º 8.009/90.”

De efeito.

Na espécie, relativamente ao imóvel matriculado no CRI de Roca Sales sob o nº 1.104, a parte embargante logrou demonstrar que reside na parcela do bem constrita na execução fiscal em apenso já há longa data, sendo tal imóvel, outrossim, o único de sua propriedade.

A prova coligida ao feito, pois, corrobora o afirmado na inicial, conforme bem destacou a sentença acima transcrita, atestando que, mesmo antes do falecimento de Airton Maurício Bottega, os seus sucessores, ora embargantes, já residiam no imóvel.

Ainda, conquanto o Estado sustente nas suas razões a possibilidade de a penhora recair, pelo menos, sobre parte do imóvel supostamente "destinada ao funcionamento de um mini-mercado e cozinha" (sic - Evento 3, PROCJUDIC3, p. 50), cumpre salientar que não há nos autos indicação precisa de que uma parcela do bem não seria efetivamente destinada à moradia (seja dos embargantes, seja do coproprietário Ervino), tampouco comprovação de que esse comportaria cômoda divisão.

Logo, restando indemonstrada a viabilidade de desmembramento do imóvel sem comprometimento da parte em que residem os embargantes Justina e Diego, viável o reconhecimento da impenhorabilidade da fração ideal do imóvel que, após o falecimento de Airton, passou a ser por eles titulada, porquanto destinada à sua moradia e, portanto, bem de família, nos termos do art. 1º, “caput”, da Lei nº 8.009/90.

Do contrário, pois, e tendo em conta que no imóvel também reside o coproprietário...

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