Acórdão nº 50008728320208210028 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 28-01-2021

Data de Julgamento28 Janeiro 2021
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50008728320208210028
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000515267
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000872-83.2020.8.21.0028/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: MILTON ANTONIO WAMMES (AUTOR)

APELANTE: SAMARA SCHMIDT STOCKMANN (AUTOR)

APELADO: COOPERATIVA DE CREDITO RURAL COM INTERACAO SOLIDARIA DE SANTO CRISTO (RÉU)

RELATÓRIO

MILTON ANTONIO WAMMES E SAMARA SCHMIDT STOCKMANN interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional movida em face de COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL COM INTERAÇÃO SOLIDÁRIA DE SANTO CRISTO, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 22):

Pelo exposto, julgo IMPROCEDENTE a demanda.

Condeno os autores ao pagamento das custas processuais, das despesas judiciais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa, de acordo com o art. 85, § 2º, incisos I ao IV, do CPC. Em razão da gratuidade da justiça deferida aos autores (Evento 3), suspendo a exigibilidade do pagamento das custas judiciais e despesas processuais.

Em suas razões recursais alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a redução dos juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, a exclusão dos valores cobrados pelas tarifas bancárias (TAC, TEC, entre outras), o reconhecimento da nulidade da contratação do seguro do financiamento, a compensação e a repetição de indébito em dobro. Requereu, por fim, a condenação do apelado ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

A instituição financeira apresentou contrarrazões (evento 31).

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (evento 11), foi firmado em 20.03.2018, no valor de R$ 19.564,00, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 2,22 % ao mês e de 30,14 % ao ano sobre o valor financiado.

QUESTÃO PRELIMINAR

PEDIDO DE NÃO CONHECIMENTO DO APELO.

A instituição financeira alegou a ausência de fundamentação do recurso interposto pelo consumidor e requereu o não conhecimento.

Em que pese as razões do apelo não apresentarem a melhor técnica para a exposição do pedido de reforma da sentença, entendo que na situação concreta a irregularidade não acarreta a hipótese de não conhecimento do recurso.

O fato de a argumentação pontual não ser exaustiva é questão diversa, já que razões sucintas não se confundem com ausência de razões e, no caso, entendo presentes a exposição do fato e do direito, bem como as razões do pedido de reforma, nos termos do art. 1.010, do CPC.

Assim, afasto a preliminar de não conhecimento do apelo.

Feitas essas considerações preliminares, passo ao exame das demais matérias:

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ”

Portanto, considerando o contexto narrado e a legislação aplicável, se constata que na modalidade contratual firmada entre as partes incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, é admissível o pedido do consumidor de revisão das cláusulas entendidas como abusivas, de acordo com o art. 6º, inciso V, do CDC.

Todavia, importante destacar que o reconhecimento da aplicação das diretrizes previstas no Código de Defesa do Consumidor ao contrato revisando, por si só, não asseguram a procedência dos pedidos formulados pelo consumidor, tendo em vista que na apreciação do caso concreto se demonstrará eventual cobrança abusiva passível de revisão.

TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS

A discussão atinente à fixação de limites de juros remuneratórios, devidos pelo “custo” do capital financiado e pelo risco inerente à operação, a ser suportado pelo consumidor, encontra no revogado Código Civil de 1916 o seu ponto de partida.

O art. 1.262, “segunda parte”, liberava completamente a sua fixação nos contratos de mútuo, desde que houvesse pactuação por escrito, já que não se admitia, àquela época, juros remuneratórios não pactuados.

O limite previsto nos arts. 1.062 e 1.063 dizia respeito apenas aos juros moratórios, e ainda assim, apenas para a hipótese de não haver convenção em contrário ou, havendo esta, não ter sida fixada a sua taxa.

“Art. 1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao ano.

Art. 1.063. Serão também de seis por cento ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada.

Art. 1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.

Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização.

Art. 1.263. O mutuário, que pagar juros não estipulados, não os poderá reaver, nem imputar no capital”.

A Lei de Usura, porém, pôs cobro à liberdade plena dos contratantes nesta matéria, fixando limites rígidos para os juros, conforme se observa do art. 1º, §3º, do Decreto nº 22.626/33, os quais foram limitados em 6% ao ano no silêncio das partes (os chamados “juros legais”), sendo permitida a fixação em até o dobro deste percentual, se houvesse estipulação por escrito (art. 1º, caput – os chamados “juros convencionais”).

“Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062).

(...);

§ 3º. A taxa de juros deve ser estipulada em escritura pública ou escrito particular, e não o sendo, entender-se-á que as partes acordaram nos juros de 6% ao ano, a contar da data da propositura da respectiva ação ou do protesto cambial.

A Lei de Usura não distinguia a natureza do contrato (se mútuo ou não) nem quem eram os contratantes (pessoas físicas ou jurídicas), assim, todos estavam sujeitos à sua limitação, haja vista a preocupação em coibir os excessos praticados pelas práticas usurárias, conforme fica claro da leitura do “Considerando...” do Decreto nº 22.626/33.

Contudo, a necessidade de reorganizar o sistema financeiro nacional levou, em 1964, à...

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