Acórdão nº 50008793920148210011 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoSétima Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50008793920148210011
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001528638
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000879-39.2014.8.21.0011/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Desembargadora GLAUCIA DIPP DREHER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Cruz Alta, perante a 2ª Vara Criminal, o Ministério Público denunciou R.R.S. (nascido em 30/04/1970), como incurso nas sanções do art. 217-A, caput, diversas vezes, na forma do art. 71, caput, ambos do Código Penal, e do art. 217-A, caput, do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

“1º FATO:

Em data não suficientemente esclarecida, durante o ano de 2014, no [endereço suprimido], Município de Cruz Alta/RS, o denunciado R.R.S, por diversas vezes, praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com o menor RSD, com 09 (nove) anos de idade na data do fato.

Em várias oportunidades, o denunciado, vigia de uma obra localizada no endereço acima especificado, atraiu a vítima oferecendo doces e dinheiro. Nas ocasiões, o denunciado praticou com a criança ato libidinoso diverso da conjunção carnal, introduziu o pênis em seu ânus. Depois de praticar atos libidinosos, o denunciado ameaçava R dizendo não deveria contar nada a ninguém, caso contrário mataria seu pai.

2º FATO:

Na data de 03 de março de 2014, às 08 horas, no [endereço suprimido], Município de Cruz Alta/RS, o denunciado R.R.S. praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com o menor RSD, com 09 (nove) anos de idade na data do fato.

Na oportunidade, o denunciado convidou a vítima para ir até o banheiro localizado na obra em que é vigia. Ato contínuo, ordenou que o ofendido se despisse e ajoelhasse no chão, mantendo as mãos na parede.

Na sequência, o denunciado ajoelhou-se e introduziu o pênis no ânus da vítima. Após a penetração, o denunciado colocou o pênis na boca de R.

Findada a relação com a vítima, o denunciado ofereceu à criança a quantia de R$ 5,00 (cinco reais).

Foi realizado o auto de exame de corpo de delito (fl. 35 do IP), sendo constatado: ‘Na região anal apresenta rágades (fissuras) às 6h, 10h e 12 h, pelo método cronométrico, com bordos epitelizados, com hiperemia das pregas da mucosa anal’”.

Denúncia recebida em 18/04/2014.

O réu foi citado em 20/10/2014, e apresentou resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública.

Não sendo caso de absolvição sumária, o magistrado singular designou audiência instrutória.

Durante a instrução criminal, foram ouvidas a vítima, três testemunhas de acusação, bem como foi decretada a revelia do acusado.

A certidão de antecedentes criminais foi atualizada.

As partes apresentaram memoriais, inicialmente o Ministério Público e, após, o réu por intermédio da Defensoria Pública.

Sobreveio sentença, de lavra da Juíza de Direito, Dra Katiuscia Kuntz Brust, julgando procedente a denúncia, para condenar o réu nos lindes do artigo 217, caput, na forma do art. 71, caput, ambos do Código Penal, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 10 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial fechado. O réu foi condenado em custas processuais, suspensa a exigibilidade do pagamento, por força do benefício da AJG que lhe foi concedido. A dosimetria da pena foi realizada nos seguintes termos:

"Passo à individualização da pena:

Reprovável é a conduta do réu. O acusado não possui antecedentes para fins criminais (fl. 201). Conduta e personalidade são dados isentos de nota, devendo ser presumidos em favor do réu. O motivo, circunstâncias e consequências foram comuns ao delito. O comportamento da vítima não contribuiu para a prática do crime, pois se tratava de uma criança com 09 anos de idade. Dessa forma, embasada nas operadoras do artigo 59 do Código Penal acima analisados, fixo a pena-base em 09 anos de reclusão.

Inexiste agravantes e atenuantes no presente feito, razão pela qual a pena provisória permanece fixada em 09 anos de reclusão.

Considerando a continuidade delitiva, aumento a pena em 1/6, restando fixada definitivamente, no patmar de 10 anos e 6 meses de reclusão.

Nesse contexto, em observância aos critérios previstos nos artigos 59 e 33, §2º, a, do Código Penal, fixo o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade como sendo o fechado.

Deixo de substituir as penas privativas impostas ao réu por restritiva de direitos, pois não preenchidos os requisitoss do art. 44 do Código Penal, já que a pena aplicada supera o limite estabelecido no referido dispositivo legal.

Pelas mesmas razões, deixo de conceder a suspensão condicional da pena (art. 77 do código Penal).

Deixo de estabelecer medidas cautelares ao réu, tendo em vista a ausência de necessidade e pelo fato de que esteve solto dutante a tramitação do processo."

Sentença publicada em 09 de junho de 2020.

Partes intimadas: o Ministério Público, a Defensoria Pública e o réu, por edital.

Inconformada, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação, recebida pelo juízo a quo.

Em suas razões de apelo, a defesa alega a insuficiência probatória, uma vez que a condenação foi baseada exclusivamente na palavra da vítima, a qual possui diversas inconsistências. Sustenta que o exame pericial não apontou a existência de conjunção carnal e o crime não foi presenciado por testemunhas. Destaca que a vítima não prestou depoimento de modo espontâneo, limitando-se a fazer acenos com a cabeça quando realizada a leitura do boletim de ocorrência policial pela Juíza. Faz considerações acerca do laudo psicológico, que constatou a presença de traços de fantasia e pressão do ambiente, havendo a possibilidade de falsas memórias. Destaca que as lesões anais constatadas no laudo pericial podem ser decorrentes do "histórico de fezes ressequidas". Requereu a absolvição do acusado. Subsidiariamente, postula pela readequação da pena-base para o mínimo legal de 08 anos, uma vez que não há vetoriais a serem negativadas.

O Ministério Público contra-arrazoou o recurso defensivo.

Autuado no sistema de processo eletrônico (eProc) deste Tribunal de Justiça, o apelo foi distribuído à minha Relatoria.

Nesta Corte, o Ilustre Procurador de Justiça, Dr. Ivan Melgaré, exarou parecer pelo desprovimento do apelo defensivo.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do apelo defensivo, eis que presentes os requisitos de admissibilidade.

Sem preliminares a serem apreciadas, passo ao exame do mérito.

A prova da materialidade e autoria está demonstrada pelo boletim de ocorrência policial, termos de declarações, laudo de exame de corpo de delito, relatório policial, laudo psicológico e prova oral colhida em audiência de instrução.

Com relação a prova oral, a fim de evitar desnecessária tautologia, transcrevo trecho da sentença que bem analisou a questão:

A vítima RSD, ouvida em juízo (mídia de fl. 123), aduziu que não se lembrava do fato e não conhecia o réu. Era de sua vontade não falar mais sobre o assunto. Não falou dos fatos para ninguém e não sabia como descobriram. Confirmou que os fatos ocorreram no bairro Jardim Primavera II e que havia uma “obra” (construção) nas proximidades. O réu trabalhava nessa obra. Não frequentava a obra, não fez amizade com Reseni e o réu não lhe ofereceu doces (balas, chocolates) e nem dinheiro. Confirmou que contou os fatos na Delegacia de Polícia, ocasião em que estava acompanhado de uma conselheira tutelar. Negou que foi no posto de saúde e que o vigilante da construção pediu para acompanhá-lo até uma obra. Retificou confirmando que esse vigilante ordenou que fosse ao banheiro, se despisse, ficasse de joelhos e colocasse as mãos na parede. Na data do fato, se dirigia até a moradia de seu tio (“Boiu”), pois o visitaria para brincar com Otaviano. Ocorre que no caminho ocorreram os fatos na construção. Não chegou na casa de seu tio. Confirmou que no meio do caminho construíam o posto de saúde, no qual só as paredes estavam erguidas. Não via o réu todos os dias na construção. Novamente confirmou que o réu o chamou para entrar na construção, mandou tirar a roupa e ficar de joelho com as mãos apoiadas na parede. Contou tais fatos na Delegacia de Polícia. Não contou o fato para Jéssica. Negou que Jéssica viu sangue em sua cueca com sangue e o questionou sobre o ocorrido. Reseni o ameaçava para não contar os fatos a ninguém, caso contrário o machucaria. Negou que assistia filmes “com sexo” ou via revistas dessa natureza. Confirmou que contou a verdade na Delegacia de Polícia, que após o réu obrigá-lo a ficar de joelhos com as mãos na parede, ele introduzia o pênis no seu ânus. Negou que o réu colocou o pênis dele na sua boca. Não viu nada “sair” do pênis do réu. O réu não lhe deu dinheiro. Sentiu dor. Negou ter sangrado ou ficado machucado. Retificou, confirmando que Jéssica (sua irmã) viu sua cueca com sangue e o questionou sobre o ocorrido, oportunidade em que contou os fatos para ela. Então, Jessica relatou o ocorrido para a amiga Daniele, que acionou a polícia. Novamente confirmou que Jéssica encontrou sua cueca, entretanto, não lembrava se ela tinha, ou não, sangue. Contou a verdade para Jéssica. Novamente confirmou que contou os fatos na Delegacia de Polícia. Também confirmou que os fatos ocorreram nos moldes questionados (baseado no relatados feito na DP). Confirmou que: o réu o ameaçava de que se contasse o ocorrido mataria seu genitor. Nunca aconteceram outros fatos semelhantes com o depoente. Novamente confirmou que nunca viu filmes e nunca presenciou relações sexuais. Confirmou que falou para o réu que doía, entretanto não gritava. O réu fechava a janela e colocava música para as pessoas não ouvirem. Confirmou que chorava e que tinha medo do réu. Os fatos ocorreram várias vezes, tanto que “perdi...

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