Acórdão nº 50008851720128210011 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50008851720128210011
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002347207
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000885-17.2012.8.21.0011/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária

RELATORA: Desembargadora ROSANA BROGLIO GARBIN

APELANTE: ANGELITA FATIMA BACCI DA VEIGA (AUTOR)

APELADO: PATRICIA BACCI SILVEIRA (RÉU)

APELADO: VILSON BACCI (RÉU)

APELADO: TANIA MARIA LAMB (RÉU)

APELADO: NELSON RICARDO GALLARDO BACCI (RÉU)

APELADO: JORGE ADALBERTO MELLO SILVEIRA (RÉU)

APELADO: FATIMA REGINA LAMB GRAMINHO (RÉU)

APELADO: FATIMA BACCI (RÉU)

APELADO: ANGELA BACCI SILVEIRA (RÉU)

APELADO: TOLI BACCI (RÉU)

APELADO: TERESA BACCI LAMB (RÉU)

APELADO: TAIS BACCI (RÉU)

APELADO: TAIANA BACCI (RÉU)

APELADO: RENI BACCI (RÉU)

APELADO: MARIA BACCI MARTINS (RÉU)

APELADO: JOSÉ LUIZ BACCI (RÉU)

APELADO: JOAOZINHO BACCI (RÉU)

APELADO: JACI MARIA BACCI ROGERI (RÉU)

APELADO: HORTENILA BACCI PAULA (RÉU)

APELADO: FABIANO LAMB (RÉU)

APELADO: ELISANDRA BACCI (RÉU)

APELADO: AUGUSTO BACCI (RÉU)

APELADO: ÂNGELO BACCI (RÉU)

APELADO: ANGELA ZANOTELLI BACCI (RÉU)

APELADO: ÂNGELA BACCI (RÉU)

APELADO: ANDERSON BACCI (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ANGELITA FATIMA BACCI DA VEIGA da sentença em que, apreciando ação de usucapião, a Magistrada a quo extinguiu a pretensão autoral, com fulcro no art. 485, VI, do CPC (ausência de interesse processual), porque o bem discutido decorre de direito hereditário, eis que o imóvel usucapiendo é de propriedade da genitora da demandante (fls. 34/38 de evento 3, PROCJUDIC6).

Em suas razões (fls. 42 e seguintes de evento 3, PROCJUDIC6), refere a parte recorrente que é caso de desconstituição da sentença e julgamento do mérito, forte no art. 1.013 do CPC. Pontua que os requisitos para a declaração de usucapião extraordinário são aqueles previstos no art. 1.238 do Diploma Civil, inexistindo qualquer exceção. Assevera que a questão já restou apreciada por Corte Superior. Afirma que, a despeito de o juízo de primeiro grau entender ser indispensável o manejo de inventário no caso concreto, "ao proferir o julgamento do Resp 1.631.859, nossa Superior lnstancia firmou o entendimento de que a transmissão dos bens dos de cujus, se dão no momento do óbito, conforme preceitua o art. 1. 784 do CC1. contando a partir daquela data um condomínio pro indiviso sobre o - acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, podendo assim o condômino usucapir em nome próprio". Refere que o contexto probatório legitima a pretensão autora, razão pela qual pugna pelo provimento do apelo, com a procedência da demanda.

Não foram ofertadas contrarrazões.

Remetidos os autos digitalizados a esta Corte, aportou ao feito parecer ministerial (evento 8, PARECER1), opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Veio o processo concluso para julgamento.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.

Cuida-se a demanda subjacente de ação de usucapião proposta por ANGELITA FATIMA BACCI DA VEIGA, referente ao imóvel da matrícula 12.607 do CRI de Cruz Alta, localizado no Loteamento da Vila Santa Tereza II, lote 22 da quadra 43, indicando o preenchimento dos requisitos descritos no art. 1.238 do Código Civil.

Consoante narrativa da peça pórtica, a autora exerceria, desde 1994, a posse mansa, pacífica, contínua e de boa-fé sobre bem, nele constituindo sua residência em meados do ano 2000.

Instruído o feito, restou julgado extinto o feito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC (em virtude de ausência de interesse processual), porque o bem discutido adviria de direito hereditário, tendo em conta ser a falecida genitora da demandante a titular do imóvel (fls. 34/38 de evento 3, PROCJUDIC6).

Contra tal provimento insurge-se a demandante, nos termos acima relatados.

Pois bem.

A Sra. Angela Bacci, já falecida (certidão de óbito da fl. 9 de evento 3, PROCJUDIC1), era mãe da recorrente (identidade da fl. 8 de evento 3, PROCJUDIC1). O imóvel sub judice é objeto de herança, tendo sido transmitido pelo princípio da saisine (art. 1.7841 do CC), com a morte da genitora, à recorrente e seus irmãos; tendo a ora apelante ajuizado ação de usucapião em face da sucessão de sua falecida mãe (vide matrícula da fl. 14 de evento 3, PROCJUDIC1 ).

Não se desconhece o entendimento de que o uso de áreas comuns por um ou algum dos condôminos deve ser considerado como mero ato de tolerância dos demais (não induzindo prescrição aquisitiva); ou mesmo que a ocupação e cuidado de imóvel por determinado herdeiro não exclui a necessidade de regularizar a situação sucessória, ocasião em que deverá ocorrer eventual acerto de contas, ou cessão onerosa ou gratuita de direitos.

Tal tem sido o mote de decisões, inclusive desta Corte, para afastar pretensões em casos análogos2, já que usucapião e inventário não constituiriam concurso eletivo de ações, havendo, outrossim, relevantes questões tributárias envolvidas.

Ocorre que, efetivamente, o Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento no sentido da possibilidade, em tese, de o condômino usucapir bem, em nome próprio, desde que atendidos os requisitos legais da usucapião.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA.
1. Ação ajuizada 16/12/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.
4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02).
5. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo único, do CC/02.
6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários.
7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão - o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02
, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem.
8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(REsp n. 1.631.859/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/5/2018, DJe de 29/5/2018.)

AÇÃO DE USUCAPIÃO. HERDEIRA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL ACERCA DO CARÁTER PÚBLICO DO IMÓVEL OBJETO DE USUCAPIÃO QUE ENCONTRA-SE COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 2. Há negativa de prestação jurisdicional em decorrência de não ter o Tribunal de origem emitido juízo de valor acerca da natureza do bem imóvel que se pretende usucapir, mesmo tendo os recorrentes levantado a questão em sede de recurso de apelação e em embargos de declaração opostos ao acórdão. 3. Recurso especial a que se dá provimento para: a). reconhecer a legitimidade dos recorrentes para proporem ação de usucapião relativamente ao imóvel descrito nos presentes autos, e b). anular parcialmente o acórdão recorrido, por violação ao artigo 535 do CPC, determinando o retorno dos autos para que aquela ilustre Corte aprecie a questão atinente ao caráter público do imóvel (REsp 668.131/PR, 4ª Turma, DJe 14/09/2010)

Portanto, consoante entendimento preconizado pelo STJ, seria possível à recorrente, em linha de princípio, pleitear a declaração da prescrição aquisitiva, inclusive porque não exsurgiria dos autos que esteja a requerente pretendendo se valer da usucapião na tentativa de regularizar quinhões hereditários.

De toda sorte, ainda que se reconhecesse como transponível a questão da viabilidade do manejo de ação de usucapião no caso concreto, o exame do mérito da demanda (em observância ao disposto no art. art. 1.0133 do CPC) não conduziria à procedência da ação, como adiante será verificado.

A declaração de usucapião depende, além da observância das formalidades atreladas ao próprio procedimento – como a cientificação das Fazendas Públicas, a citação dos confinantes e interessados, a intervenção do Ministério Público, etc. –, do preenchimento de alguns requisitos legalmente previstos.

O pleito da parte demandante vem alicerçado no art. 1.238 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe...

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