Acórdão nº 50008861520208210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 06-04-2022

Data de Julgamento06 Abril 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50008861520208210013
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001577677
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000886-15.2020.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

APELADO: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., nos autos da ação regressiva de indenização ajuizada por BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS, contra sentença que julgou procedente o pedido para fins de condenar a demandada ao pagamento do valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), a ser atualizado monetariamente pelo IGP-M, desde a data do efetivo desembolso, acrescido de juros legais de 1% ao mês, a partir do desembolso. A demandada restou condenada, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios aos procuradores da autora, os quais foram fixados em 15% sobre o valor atualizado da condenação.

Em suas razões recusais, após uma breve síntese fática, a concessionária de energia demandada assevera que a parte segurada não efetuou qualquer reclamação administrativa a respeito do episódio narrado, o que lhe impediu de averiguar os fatos e avaliar se o problema não decorreu da inadequação da própria rede interna da segurada. Sustenta a inexistência do dever de indenizar pela ausência de demonstração pela parte autora das alegadas oscilações e descargas elétricas, bem assim que não houve a efetiva comprovação do defeito no serviço, sobretudo porque em seus registros não há qualquer informação de perturbação no sistema elétrico que gerencia. Defende a ausência de nexo de causalidade, conforme precedentes jurisprudenciais que colacionou, discorrendo ainda sobre as normativas que regulam o setor elétrico, e bem assim da falta de demonstração do prejuízo sofrido pela seguradora. Discorre sobre a inaplicabilidade das regras do Código de Defesa do Consumidor ao caso dos autos, ao argumento que por se tratar de ação regressiva há desvinculação da relação primitiva abrangida pela legislação consumerista. Ao final, requer o provimento do recurso para julgar improcedente o pedido.

Apresentada contrarrazões, foram os autos remetidos a esta Corte e, após distribuição, vieram-me conclusos para julgamento.

Registro ter sido atendida a formalidade prevista no artigo 934 do CPC/2015, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Quanto ao mérito propriamente dito, o feito diz respeito ao pedido de ressarcimento pela seguradora dos valores que despendeu em favor de seu segurado e dos quais se sub-rogou, visando ao reembolso contra a suposta causadora do dano, ora apelante.

A demandada recorre da sentença alegando a inexistência de prova do nexo de causalidade, uma vez que não lhe foi comunicado o incidente, de modo que incumbiria à seguradora demonstrar que os danos ocorridos no bem elétrico efetivamente foram causados pelo serviço prestado pela companhia.

Pois bem.

Consigno, preambularmente, que a responsabilidade da ré em reparar os prejuízos sofridos em razão da prestação dos serviços é objetiva, tanto por força do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal1, quanto pela incidência do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor2. Tal responsabilidade decorrente da norma constitucional é em razão do serviço público de fornecimento de energia desempenhado pela ré, ao passo que, em relação à norma consumerista, é oriunda da relação de consumo mantida entre as partes, nos termos do artigo 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990.

A doutrina de Rui Stoco não se afasta deste norte:

Portanto, a companhia de energia elétrica de geração ou distribuição, embora possa se constituir em sociedade de natureza privada será sempre uma concessionária de serviço público, prestando-o por delegação do Estado.

Nessa condição, é alcançada pela disposição muito mais garantidora, do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ao dispor que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Desse modo, essas empresas ficam enquadradas na teoria do risco administrativo, sendo, assim, objetiva a sua responsabilidade pelos danos causados a terceiros.

Evidente, não se descarta a incidência obrigatória do Código de Defesa do Consumidor, naquilo que favoreça e proteja a vítima, considerando que o fornecimento de energia elétrica para consumo enquadra-se nos conceitos ali estabelecidos, devendo a energia elétrica ser considerada como produto, posto que é um bem consumível ou fungível.

A legislação consumerista, por sua vez, preceitua em seu artigo 22, verbis:

“Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.

Nesse passo, somente se isenta da responsabilidade o fornecedor que provar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima (consumidor) ou de terceiro. Trata-se, na hipótese, de inversão legal do ônus da prova, na qual a ré possui o ônus de provar alguma das causas excludentes previstas no § 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, e não a inversão que pende de determinação judicial, prevista no inciso VIII do artigo 6º do precitado diploma legal.

Com efeito, por força da própria disposição legal supra, o ônus probatório, ope legis, é da fornecedora do serviço na demonstração de alguma excludente da responsabilidade civil.

Não obstante, no caso concreto, a partir das alegações apresentadas e a prova produzida nos autos, não verifico presente a relação de causa e efeito entre a ação da demandada, ora apelante, e as avarias no equipamento garantido pela empresa segurada.

Segundo a inicial, nos dias 11/05/2019 e 22/12/2018, oscilações da rede de energia em imóvel segurado pela autora resultaram na ocorrência de danos aos bens eletrônicos de propriedade do segurado.

Após ter sido notificada do evento, a seguradora-autora deu início ao procedimento de averiguação e vistoria, tendo sido constado que o(s) equipamento(s) da parte segurada estavam danificados em virtude de oscilações de energia, conforme laudo técnico do sinistro verificado, alegando ter efetuado o pagamento à segurada, relativamente ao sinistro, intentando, na sequência, a presente demanda regressiva a efeito de se ver reembolsada do montante pago.

A autora acostou, com a inicial, as apólices, avisos de sinistro, laudos técnicos, orçamentos, regulação dos sinistros, as faturas de energia elétrica para comprovar a titularidade da unidade consumidora e termo autorizando crédito em conta [ Evento 1, OUT10 a 19]. Logo, tenho que a relação contratual mantida entre a seguradora-autora e os segurados JACQUELINE DAMIANI DE SOUZA e SANDRO PICOLOTO restou demonstrada.

Não obstante, atento à prova colacionada e as circunstâncias dos autos, observo, primeiramente, que sequer a concessionária de energia apelante foi previamente notificada acerca da ocorrência do dano elétrico nos equipamentos, inviabilizando a averiguação dos danos nos equipamentos pela concessionária de energia. Como se vê, não houve qualquer pedido de ressarcimento dos prejuízos à concessionária de energia elétrica demandada na época dos sinistros, o que impede a verificação da existência da relação causal.

Nesse aspecto, saliento que as mensagens eletrônicas envidas pela seguradora em 17/01/2020 [Evento 1, OUT15 -fls. 02/3 e Evento 1, OUT19 - fls. 07/08], ou seja, há mais de um ano depois da ocorrência dos sinistros não se prestando para demonstrar a existência da relação causal.

E, sob essas particularidades, a Resolução nº 414/2010-ANEEL prevê as condições para solicitação de ressarcimento perante as concessionárias de energia, a forma do procedimento e os prazos de que dispõe para verificação dos danos e de comunicação ao consumidor sobre o resultado do pedido de ressarcimento, verbis:

Art. 205. No processo de ressarcimento, a distribuidora deve investigar a existência do nexo de causalidade, considerando inclusive os registros de ocorrências na sua rede e observando os procedimentos dispostos no Módulo 9 do PRODIST.

§ 1º O uso de transformador depois do ponto de entrega não descaracteriza o nexo de causalidade nem a obrigação de ressarcir o dano reclamado.

§ 2º Todo o processo de ressarcimento deve ocorrer sem que o consumidor tenha que se deslocar do município onde se localiza a unidade consumidora, exceto por opção exclusiva do mesmo.

Art. 206. A distribuidora pode fazer verificação in loco do equipamento danificado, solicitar que o consumidor o encaminhe para oficina por ela autorizada, ou retirar o equipamento para análise.

§ 1º O prazo máximo para realização da verificação in loco ou para que a distribuidora retire o equipamento para análise é de 10 (dez) dias, contados a partir da data da solicitação do ressarcimento.

§ 2º Quando o equipamento supostamente danificado for utilizado para o acondicionamento de alimentos perecíveis ou de medicamentos, o prazo de que trata o § 1º do caput é de 1 (um) dia útil.

§ 3º O consumidor deve permitir o acesso ao equipamento e às instalações da unidade consumidora sempre que solicitado, sendo o...

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