Acórdão nº 50009037720238210035 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 24-05-2023
Data de Julgamento | 24 Maio 2023 |
Órgão | Terceira Câmara Criminal |
Classe processual | Recurso em Sentido Estrito |
Número do processo | 50009037720238210035 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20003669267
3ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Recurso em Sentido Estrito Nº 5000903-77.2023.8.21.0035/RS
TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)
RELATORA: Desembargadora ROSANE WANNER DA SILVA BORDASCH
RECORRENTE: MARCELO LONGARAY LOPES (RECORRENTE)
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RECORRIDO)
RELATÓRIO
MARCELO LONGARAY LOPES apresentou recurso em sentido estrito contra a sentença que o pronunciou como incurso nas sanções dos artigos 121, § 2º, V e VII, combinado com o art. 14, II (quatro vezes), na forma do art. 70, todos do Código Penal, com incidência das disposições da Lei 8.072/90, do art. 180, caput, do Código Penal e do art. 14 da Lei 10.826/03, pela prática dos seguintes fatos delituosos (evento 1, INIC1):
1º a 4º FATOS (tentativas de homicídio qualificado):
No dia 27 de janeiro de 2021, por volta das 21h, na via pública, na Travessa Aliança, nº 100, bairro Diehl, e também na BR-116, n° 3050, bairro Três Portos, em Sapucaia do Sul/RS, o denunciado MARCELO LONGARAY LOPES, mediante disparos de arma de fogo (apreendida), para assegurar a impunidade dos delitos de receptação (descritos no 5º fato e também na ocorrência policial nº 1066/2021/100440), tentou matar Luciano Lemos de Morais, Geovane Clipes Cordeiro, André da Silva Vargas e Miltom Medeiros Oliveira, todos policiais militares que estavam no exercício da função.
5º FATO (receptação de arma de fogo):
Entre os dias 03 de setembro de 2008 e 27 de janeiro de 2021, em horário e local não esclarecidos, no município de Sapucaia do Sul/RS, o denunciado MARCELO LONGARAY LOPES recebeu, em proveito próprio, 01 revólver, marca Taurus, calibre 38, nº IG93613, coisa que sabia ser produto de furto anterior praticado contra a vítima Paulo Ricardo Marschner de Oliveira.
6º FATO (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido):
No dia 27 de janeiro de 2021, por volta das 21h, na via pública, na Travessa Aliança, nº 100, bairro Diehl, e também na BR-116, n° 3050, bairro Três Portos, em Sapucaia do Sul/RS, o denunciado MARCELO LONGARAY LOPES portava, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 01(um) revólver marca Taurus, calibre 38, nº IG93613, com 04 munições deflagradas e 01 intacta, de mesmo calibre.
DAS CIRCUNSTÂNCIAS COMUNS AOS FATOS:
Na oportunidade, a Brigada Militar recebeu informação de que um automóvel Jeep/Renegade, placas QWV5903, com ocorrência de furto/roubo, estava na Travessa Aliança, nº 100, em Sapucaia do Sul/RS. Chegou ao local, primeiramente, uma viatura discreta da Brigada Militar, sendo que os policiais avistaram a Renegade e também o automóvel Mercedes, de cor branca, placas PJO4B87, que parou ao lado da Renegade. Em seguida, uma pessoa (não identificada) desceu do Mercedes e entrou na Renegade. Ato contínuo, o acusado MARCELO LONGARAY LOPES (condutor do veículo Mercedes), ao avistar a viatura, com animus necandi, efetuou dois disparos de arma de fogo contra os policiais supramencionados, sendo que a Mercedes e a Renegade empreenderam fuga. Nesse instante, a viatura nº 11447, que chegava ao local, acompanhou a Mercedes e, durante a perseguição, o acusado MARCELO LONGARAY LOPES, ainda com o dolo de matar, efetuou mais disparos na direção dos policiais suprarreferidos, que revidaram, atingindo a Mercedes. Após os disparos, o veículo Mercedes parou, sendo que o acusado saiu do carro portando o revólver supramencionado (que era de origem ilícita) e, em decorrência disso, foi alvejado pelos militares com um tiro na perna.
O denunciado foi preso em flagrante, na posse, além de outros objetos, do veículo Mercedes e da arma de fogo (esta contendo 4 munições deflagradas e 1 intacta), os quais foram encaminhados à perícia.
As quatro tentativas de homicídio somente não se consumaram por circunstância alheia à vontade do agente, qual seja, erro de pontaria.
As quatro tentativas de homicídio foram cometidas para assegurar a impunidade dos delitos de receptação (descritos no 5º fato e também na ocorrência policial nº 1066/2021/100440, esta relativa ao Jeep/Renegade) e contra policiais militares, que estavam no exercício da função.
O denunciado é reincidente.
Em suas razões, sustentou, preliminarmente, a nulidade por cerceamento de defesa, ao argumento de que houve inércia do juízo em relação às diligências pretendidas pela defesa (requisição de filmagens de estabelecimentos próximos aos fatos), ocasionando a perda da prova. Rogou pelo reconhecimento da prescrição do crime de receptação (5º fato). No mérito, sustentou a insuficiência probatória, visto que não há indícios de materialidade delitiva, destacando haver divergências nos depoimentos prestados pelos policiais. Pediu a despronúncia por falta de provas ou a desclassificação do delito de tentativa de homicídio para tentativa de lesão corporal, em razão da ausência de animus necandi. Requereu o afastamento das qualificadoras. (evento 294, RAZRECUR1).
Foram apresentadas contrarrazões, destacando a inviabilidade do afastamento da pronúncia com base nas alegações defensivas, pugnando pela manutenção da sentença (evento 308, CONTRAZ1).
Mantida a decisão (evento 305, DESPADEC1).
O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso (evento 8, PROMOÇÃO1).
É o relatório.
VOTO
O presente recurso é tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade.
Inicialmente, é de ser afastada a alegada nulidade do feito, por cerceamento de defesa.
Isso porque, como bem destacou a sentença atacada, a ausência de juntada das mídias não impediu a utilização de outros meios de defesa, não sendo possível perceber qualquer dificuldade ou cerceamento para enfrentar os termos da denúncia ou a audiência de instrução.
Acrescente-se que as imagens das câmeras de monitoramento possuem tempo de armazenamento. Ao que consta, os fatos ocorreram em 27/01/2021. A Defesa somente protocolou o pedido de fornecimento das imagens das câmeras em 09/03/2021 (evento 5, PET1), sendo deferido pelo juízo de origem em 10/03/2021 (evento 7, DESPADEC1).
Neste contexto, não se verifica negativa ou inércia do Juízo. O requerimento das filmagens ocorreu quando não mais disponíveis.
Ademais, eventuais inobservâncias da cena delituosa são questões a serem apreciadas pelos jurados, constituindo a fase de pronúncia, a reunião de indícios mínimos de autoria e materialidade.
Rejeito, pois, a preliminar.
Afasta-se, igualmente, o reconhecimento da prescrição em relação ao crime de receptação (5º Fato).
Trata-se de modalidade de crime permanente, uma vez que o delito cometido pelo recorrente se protraiu no tempo, estendendo-se até a data de sua prisão em flagrante (ocorrida em 27 de janeiro de 2021). Ou seja, a partir de tal data, quando cessada a permanência, é que se iniciou o curso da prescrição, nos termos do artigo 111, inc. III, do CP.
Deste modo, não merece reparo a decisão, pois entre tal data e o recebimento da denúncia (10/03/2021) e entre esta última e a data de prolação da sentença (29/09/2022), não se passou o lapso temporal necessário ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, pela pena em abstrato (oito anos), nos termos do artigo 109, inciso IV, CP.
Sobre o tema, cite-se precedente:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO QUE NÃO DECLAROU A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DO DELITO DE RECEPTAÇÃO. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. DECISUM MANTIDO. O delito de receptação, na modalidade “ocultar”, possui natureza permanente, portanto, seu prazo prescricional começa a correr no dia em que cessar a permanência, a teor do disposto no art. 111, III, do Código Penal. E tendo a permanência do fato em tela cessado no dia 18/12/2020, descabida a pretensão de extinção da punibilidade do réu pela prescrição, na espécie. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso em Sentido Estrito, Nº 50009403220218210017, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Bernd, Julgado em: 18-03-2021)
Passa-se ao exame do mérito.
A sentença de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação. Assim, não se tratando de decisão condenatória, é pacífico que exige "o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se in dubio pro societate" (AgRg no AREsp 1939691/ES, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 05/10/2021, DJe 13/10/2021).
Tratando-se, portanto, de juízo de viabilidade sobre a acusação, comprovada a ocorrência do fato e havendo indícios que apontem sua autoria, cabe o encaminhamento do caso ao Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, que fará a análise do mérito e a valoração da prova.
No caso em análise, a materialidade dos delitos e os indícios de autoria restaram evidenciados pelos registros constantes no Inquérito Policial nº 118/2021/100521/A (evento 31, REL_FINAL_IPL1), termo de declarações das vítimas (evento 1, INQ1, págs. 16/23), auto de apreensão (evento 1, INQ1, págs. 11/14) e auto de constatação de funcionalidade de arma de fogo, que atestou a potencialidade lesiva do artefato (evento 30, LAUDO1), bem como pela prova oral produzida e bem analisada pela Em. julgadora, Dra. Greice Moreira Pinz, assim fez constar:
No que tange à prova oral coligida (mídias do evento 215, TERMOAUD1), Luciano Lemos de Morais, Policial Militar, vítima, relatou que recebeu um alerta, via rádio, referente a um veículo Jeep Renegade, que estaria em ocorrência de roubo, próximo ao Hospital Getúlio Vargas. Ao chegar no local indicado, a guarnição se deparou com um veículo Mercedes, estacionado. Observou que um...
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