Acórdão nº 50009084220208210088 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50009084220208210088
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003023936
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000908-42.2020.8.21.0088/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000908-42.2020.8.21.0088/RS

TIPO DE AÇÃO: Desacato (art. 331)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público denunciou EGMAR DOS SANTOS PEREIRA, já qualificado, por incurso nas sanções dos crimes previstos nos artigos 147, caput, 329, caput, e 331, todos do Código Penal, em vista dos seguintes fatos:

“PRIMEIRO FATO No dia 25 de agosto de 2020, por volta das 18 (dezoito) horas, na localidade de Linha Jesse, s/nº, interior do Município de Sede Nova, o denunciado EGMAR DOS SANTOS PEREIRA, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, ameaçou por palavras, a vítima Vitória dos Santos Pereira, sua genitora, de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, de causar-lhe mal injusto e grave. Na ocasião, o denunciado EGMAR, ao discutir com a vítima, ameaçou-a ao dizer que “[...] sai daqui, senão eu te amo (sic)”, “[...] pode chamar os home, não tenho medo, da cadeia eu saio, do cemitério tu não sai [...]” e, na posse de uma faca de cozinha, disse “[...] essa aqui é pra você (sic)”. Vitória ofereceu representação à fl. 05v. do Inquérito policial. Aplicam-se, no caso em tela, as agravantes do artigo 61, inciso II, alíneas “e”, “f” e “h”, do Código Penal.

SEGUNDO FATO Nas mesmas condições de tempo e de espaço do fato anterior, o denunciado EGMAR DOS SANTOS PEREIRA desacatou os policiais militares Rogério Cristiano Bremm, Fernando Guilherme Schlosser Redtke e Alceu Allebrandt ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO aa 2 Ditrich no exercício de suas funções e em razão delas. Na oportunidade, EGMAR, ao observar a chegada dos agentes policiais para atendimento da ocorrência acima descrita, passou a desacatá-los, irrogando os seguintes dizeres “filhos da puta”, “guampudos” e “[...] aqui ninguém coloca a mão em (sic)”, menosprezando, assim, a atividade policial.

TERCEIRO FATO Nas mesmas condições espaciais e temporais dos fatos anteriores, o denunciado EGMAR opôs-se à execução de ato legal, mediante ameaça aos funcionários competentes para executá-lo, quais sejam, os agentes policiais da Briga Militar. Ao agir, o denunciado EGMAR, após a chegada da Brigada Militar ao local da ocorrência, ameaçou jogar objetos contra os policiais militares e, na posse de uma pedra, de um serrote e de uma foice, intimidou os agentes policiais ao dizer que “aqui no meu pátio sou eu que mando (sic)” e que se entrassem “[...] iria matar todos (sic)”, com o fim de interromper a intervenção policial”. O denunciado é reincidente, conforme certidão judicial criminal de fls. 31/42 (processos nº 095/2.07.0001107-8; 088/2.13.000042-9; 088/2.15.000379-0).”

A denúncia foi recebida no dia 05/10/2020 (evento 3, PROCJUDIC5, p. 29).

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença, publicada no dia 29/10/2021, que julgou parcialmente procedente para condenar o réu como incurso nas sanções dos artigos 329 e 331, ambos do Código Penal, à pena total de 01 (um) ano, 03 (três) meses e 14 (quatorze) dias de detenção, em regime aberto, e absolvê-lo da prática do delito previsto no art. 147 do Código Penal (evento 3, PROCJUDIC7,p. 28).

O Ministério Público apelou e, nas razões, requer o afastamento da aplicação do princípio da consunção entre os crimes de ameaça e desacato. Assevera que a ameaça foi praticada contra a genitora do acusado, prevalecendo-se de relações domésticas e familiares, situação completamente distinta do desacato, praticado contra policiais militares. Ressalta que houve violação de bens jurídicos diversos. Em caso de reforma da sentença, pleiteia a condenação do réu quanto ao crime de ameaça, com a negativação das vetoriais das consequências e motivos do crime na primeira fase do cálculo da pena, bem como o reconhecimento das agravantes previstas nas alíneas "e", "f" e "h" do inciso II e no inciso I, ambos do artigo 61 do Código Penal, na segunda fase do cálculo da pena (evento 3, PROCJUDIC8, p. 9).

A Defesa, por sua vez, também apelou e, nas razões, requer a absolvição do réu em virtude da insuficiência probatória dos delitos de desacato e resistência. Sustenta que não há como atribuir relevância ao depoimento dos policiais quando produzidos de forma isolada, bem como que não ficou comprovado o emprego de grave ameaça. Refere, ainda, que ele não tinha a intenção de desprestigiar a função pública, mas apenas demonstrou insatisfação com a situação (evento 3, PROCJUDIC8, p. 29).

As partes apresentaram contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC8, p. 38/47).

Nestes autos, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento dos recursos e provimento apenas do recurso ministerial (evento 9, PARECER1).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RIJTERGS.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

Os recursos preencheram os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi condenado nas sanções dos crimes previstos nos artigos 329 e 331, ambos do Código Penal, à pena total de 01 (um) ano, 03 (três) meses e 14 (quatorze) dias de detenção, em regime aberto, bem como absolvido pelo delito previsto no artigo 147 do Código Penal.

Delitos de desacato e resistência (recurso da Defesa)

Inicialmente, quanto à tese de descriminalização do desacato por contrariar o conteúdo da Convenção Americana de Direitos Humanos não vinga. Nesse sentido, é o que vem decidindo essa Câmara,1 Grupo Criminal2 e também o STJ. Esse último destaca que “A liberdade de expressão comporta limitações, não se vislumbrando incompatibilidade entre o art. 331 do Código Penal e o art. 13 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, diante dos cânones de interpretação constantes nos arts. 13.2 e 29 da referida Convenção (HC n. 379.269/MS, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, DJe 30/6/2017).

Assim, não há falar, em tese, em atipicidade da conduta.

Calha verificar, em casos como esse, se a intenção (dolo) do agente era de causar desprestígio à função pública ou se, na esteira do art. 13 da Convenção, era ligado à liberdade de expressão, que, como consabido, é direito constitucionalmente garantido, ainda que sob os limites da dignidade da pessoa humana.

No caso dos autos, ele é evidente, como se verá a seguir.

A materialidade dos crimes foi comprovada pelo auto de prisão em flagrante (evento 3, PROCJUDIC1, p. 10), pelos boletins de ocorrência de nº 6182020152416 (evento 3, PROCJUDIC1, p. 14) e 312019152416 (evento 3, PROCJUDIC1, p. 50), bem como pela prova oral colhida em juízo.

Não há dúvidas, tampouco, a respeito da autoria.

Vitória dos Santos Pereira, vítima da ameaça (primeiro fato delituosos) e genitora do réu, narrou que estavam em casa quando resolveu sair para comprar mandiocas. Relatou que pediu para o réu cuidar de seu marido (pai do acusado), em virtude de problemas de saúde. Afirmou que o réu disse que ficaria com seu genitor, entretanto, ao voltar, escutou seus porcos gritarem. Falou que então perguntou ao seu irmão, o qual respondeu que Egmar tinha ido tratar os porcos, mas estava batendo neles. Ao se aproximar do local, questionou o filho sobre o motivo dele estar batendo nos animais, momento no qual ele disse: "melhor que tu fique quieta". Ao responder que não ficaria quietam, ele novamente disse: "fique quieta senão vou aí". Acrescentou, ainda, que ele a ameaçou dizendo que: "se tu não quer que eu bata nas porcas, vou bater em ti". Aduziu que falou para o réu que, se ele errasse a paulada, daria uma enxadada nele. Asseverou que o réu chegou perto e disse: "tu não vale uma paulada" e saiu do local e, ainda, falou: "trate esses bichos desgraçados" momento em que foi para a cozinha da casa. Relatou que depois que tratou os bichos, chamou seu marido para fora da residência, pois percebeu que o réu estava alcoolizado, entretanto, Egmar impediu que ele saísse. Aduziu que o réu pegou uma faca e colocou na cintura, saiu e disse: "pode fazer parte se quiser, pois da cadeia um dia eu saio e vocês do cemitério não saem". Afirmou que o réu quebrou diversos objetos dentro de casa. Relatou que o réu disse: "eu quero matar você. Vitória, o tito o Pedro e daí quero abrir vocês e tirar o coração de vocês e comer e beber o sangue". Esclareceu que foi apreendida a faca e que o réu ameaçou de morte e xingou muito os policiais militares. Relatou que o réu entrou em casa e pegou uma foice e começou a bater e dizer para os policiais; "entrem aqui que eu quero atorar o pescoço de vocês, vocês não são homens". Afirmou que autorizou os policiais entrarem na residência para prender o réu. Falou que lembra que Egmar xingou os policiais de "filho da puta", guampudos" e que ninguém colocava a mão. Disse que o réu estava com uma pedra na mão e ameaçou jogar nos porcos. Recorda de Egmar dizendo para os policiais "aqui no meu pátio sou eu que mando e que se entrassem iria matar todos". Confirmou que Egmar a ameaçou conforme está descrito na denúncia. Afirmou que, mesmo dentro do presídio, o réu fica ligando e ameaçando-a de morte. Disse que tem bastante medo do réu e todos os seus familiares e vizinhos também têm.

A testemunha Alceu, policial militar, relatou que foram até a residência e conversaram com a vítima, mas o acusado não estava em casa, chegando logo em seguida. Informou que o réu estava com uma tornozeleira eletrônica e, assim que chegou no pátio da residência, pegou uma pedra e fez menção de arremessar contra a guarnição. Depois disso, narrou que o...

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