Acórdão nº 50009147720188210069 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50009147720188210069
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002064244
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000914-77.2018.8.21.0069/RS

TIPO DE AÇÃO: Receptação (art. 180)

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

CLEOMAR ANTUNES, 37 anos na data do fato (DN 10/02/1981), foi denunciado por incurso no artigo 180, 'caput', do Código Penal.

O fato, ocorrido em Sarandi/RS, foi assim descrito na denúncia, recebida em 29/10/2018:

Em dia e local não apurados no curso da investigação criminal, contudo notadamente posteriores a data do furto (13/04/2018), com marco final no dia 10 de maio de 2018, o denunciado CLEOMAR ANTUNES recebeu em proveito próprio ou alheio, 01 (um) aparelho celular marca Motorola, modelo G5, IMEI 356487085569217, coisa que sabia ser produto de perpetração de crime.

Em circunstâncias não esclarecidas, o denunciado recebeu o produto suprarreferido de pessoa não identificada, o qual era oriundo de furto (cfe. ocorrência nº 622/2018/153029).

Durante diligências da polícia, o celular foi apreendido em posse do denunciado, o qual se encontrava detido no Presídio Estadual de Sarandi/RS, sendo restituído à vítima.

O denunciado é reincidente (cfe. certidão judicial criminal das fls. não numeradas do IP).

Ultimada a instrução, foi proferida sentença de improcedência.

O MINISTÉRIO PÚBLICO apelou, buscando a condenação nos termos da denúncia.

Oferecida contrariedade, com preliminar de intempestividade.

Parecer pelo provimento.

É o relatório.

VOTO

- PRELIMINAR DAS CONTRARRAZÕES. INTEMPESTIVIDADE.

As contrarrazões defensivas trouxeram preliminar de intempestividade do apelo do Ministério Público.

Todavia, segundo a movimentação processual, antes da digitalização, os autos foram entregues em carga ao Ministério Público em 11/02/2022, senão vejamos:

Consulta de 1º Grau
Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul
Número do Processo: 2.18.0000997-8
Comarca: SARANDI
Órgão Julgador: Vara Judicial : 1 / 152

Movimentações:

[...]

03/11/2021

CONCLUSOS PARA JULGAMENTO

09/12/2021

RECEBIDOS OS AUTOS JUDICÂNCIA DO PROCESSO ALTERADA

31/01/2022

RECEBIDOS OS AUTOS

10/02/2022

RECEBIDOS OS AUTOS JUNTAR DOCUMENTOS

10/02/2022

RECEBIDOS OS AUTOS INTIMAR MINISTÉRIO PÚBLICO

11/02/2022

AUTOS ENTREGUES EM CARGA AO MINISTÉRIO PÚBLICO MANUELA PARADEDA MONTANARI

18/02/2022

RECEBIDOS OS AUTOS

18/02/2022

RECEBIDOS OS AUTOS JUNTAR DOCUMENTOS

04/03/2022

RECEBIDOS OS AUTOS INTIMAR DEFENSOR PÚBLICO

07/03/2022

AUTOS ENTREGUES EM CARGA AO TERCEIRO DESIGNAÇÃO: ADVOGADO - 78601/RS

10/03/2022

RECEBIDOS OS AUTOS

10/03/2022

RECEBIDOS OS AUTOS JUNTAR DOCUMENTOS

14/03/2022

JUNTADA DE DOCUMENTO

14/03/2022

RECEBIDOS OS AUTOS VISTA AO MP

15/03/2022

AUTOS ENTREGUES EM CARGA AO MINISTÉRIO PÚBLICO CAIO ISOLA DE ARO

18/03/2022

RECEBIDOS OS AUTOS

18/03/2022

RECEBIDOS OS AUTOS JUNTAR DOCUMENTOS

18/03/2022

REMETIDOS OS AUTOS EM GRAU DE RECURSO PARA TRIBUNAL DE JUSTIÇA

01/04/2022

RECEBIDOS OS AUTOS - PROCESSO DIGITALIZADO E CADASTRADO NO EPROC 50009147720188210069

06/04/2022

RECEBIDOS OS AUTOS JUNTAR DOCUMENTOS

07/04/2022

BAIXA DEFINITIVA

07/04/2022

RECEBIDOS OS AUTOS DETERMINADO ARQUIVAMENTO EM RAZÃO DA DIGITALIZAÇÃO DOS AUTOS FÍSICOS

E era uma sexta-feira, e então o prazo recursal, de cinco dias, passou a fluir no dia 14, segunda-feira.

Então, interposta a apelação no dia 18/02/2022, data que coincide com o retorno dos autos, conforme acima, não há que se falar em intempestividade.

Por outro lado, constata-se que, nos autos digitalizados, há carimbo com a data “10/02/2022” na fl. 105v, conforme apontado pela defesa. Não há mais informações, contudo, quanto a eventual intimação de qualquer das partes ocorrida nessa data.

Rejeitada, portanto, a preliminar das contrarrazões.

- MÉRITO.

Esta a fundamentação da sentença:

Não há preliminares a serem enfrentadas, nem tampouco nulidades passíveis de declaração.

A existência do fato/materialidade encontra-se demonstrada pelo auto de apreensão (fl. 09), pelo auto de restituição (fl. 14) e pelo auto de avaliação indireto (fl. 17) e pelo auto de constatação de dano indireto (fl. 18), bem como pelo restante da prova oral, que abaixo passo a examinar.

A vítima TALITA TALOTTI DE FREITAS, ao ser ouvida em juízo, referiu, em síntese, que teve seu celular furtado no ano de 2018 do interior de seu automóvel, de dentro de uma bolsa. Narrou que o vidro do veículo foi quebrado e que sua bolsa foi subtraída, no interior da qual estava o celular. Afirma que seu celular foi recuperado, tratando-se de um aparelho praticamente novo, tendo conhecimento que ele foi apreendido no interior do presídio.

A testemunha de acusação JUSTINO COVATTI JÚNIOR, policial civil, em seu depoimento judicial, disse que foi recuperado um telefone celular que se encontrava em poder do acusado Cleomar Antunes. Narra que foi Aírton Morais quem furtou o telefone celular, que após foi receptado por Cleomar Antunes. Disse saber que o apelido do réu é “João do Mato”, bem como confirmou os dados constantes no relatório policial.

Por fim, o réu CLEOMAR ANTUNES, em seu interrogatório judicial, narra que mesmo estando preso comprou o celular de um sujeito, como parte de um pagamento da venda de gaiolas para prender galos que havia fabricado e vendido. Negou ter conhecimento de que o celular era produto de crime. Referiu, ainda, que o celular estava sem o carregador e a caixa, dizendo que o celular já continha dois (02) chips, razão pela qual continuou utilizando-o.

Esta é a prova oral produzida e judicializada, coligida aos autos, por meio da qual passo a fundamentar a presente sentença.

Em relação ao fato, concluo que há provas suficientes de que o réu CLEOMAR ANTUNES, recebeu, em proveito próprio, um aparelho celular marca Motorolla, modelo G5, IMEI 356487085569217, que comprovadamente era objeto de furto.

Tal conclusão retiro da declaração do réu em seu interrogatório judicial, quando não nega que o celular foi apreendida em seu poder, relatando tê-lo recebido como parte de pagamento de venda de gaiolas para galos, desconhecendo completamente que era objeto de furto.

A acusação contra CLEOMAR ANTUNTES, porém, é de ele ao receber o telefone celular que foi apreendido em seu poder, sabia que ela era produto de crime, de origem espúria, pois não tinha comprovação de sua aquisição lícita, ou seja, é acusado de Receptação Dolosa.

Entretanto, inexistem provas induvidosas, extremes de dúvidas, de que o réu CLEOMAR ANTUNES tinha prévio conhecimento da origem ilícita do celular que recebeu.

Começo trazendo à colação o enunciado do tipo pena da Receptação Dolosa Qualificada e Receptação Culposa, pois a decisão final do processo passa, induvidosamente, pela diferenciação das duas:

Receptação

“Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (negrito e sublinhado nosso)

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: (negrito e sublinhado nosso)”

Assim, é de clareza solar que para a incidência do tipo penal, o agente, além de praticar um dos cinco (05) verbos nucleares do tipo, saiba que a coisa que adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta, seja produto do crime.

Não se pode, por conseguinte, cogitar-se da configuração deste crime, sem que reste demonstrado, de forma inconcussa, que a pessoa que está sendo acusada tenha prévio conhecimento da origem ilícita do bem. E a comprovação disso pode ser feita por todas as formas de provas admitidas no direito brasileiro (documental, pericial e testemunhal), não se podendo admitir qualquer tipo de presunção, que tem sua aplicação proibida, em prejuízo ao réu, no Direito Penal, exceto em situações expressamente previstas em lei.

Também, não se pode admitir que se transfira o ônus da prova para o réu, no sentido de que ele tenha que provar o desconhecimento da origem ilícita do bem que recebeu, pelo simples fato de que quem acusa é que tem que provar, não se podendo exigir de quem é acusado a prova da inocência, pois esta já lhe é assegurada constitucionalmente. É simples: no sistema acusatório cumpre ao órgão acusador comprovar a acusação endereçada ao réu, que, no caso em testilha, afirmava que ele tinha prévio conhecimento da origem ilícita do bem que conduzia. Entretanto, tal comprovação não veio para os autos.

Observo, ainda, que para as hipóteses de não comprovação do prévio conhecimento da origem ilícita do bem, o legislador previu o crime de receptação culposa (art. 180, § 3º, do CP), onde estão descritas as hipóteses em que a lei diz que o agente deve presumir que a coisa foi obtida por meio criminoso, que são: a) natureza da coisa; b) desproporção entre o valor e o preço; c) a condição de quem a oferece.

No caso em exame, a hipótese poderia se enquadrar na natureza do objeto conduzido, no caso, uma motocicleta, bem como pelo baixo valor pago.

Volto a pontuar: No crime de receptação dolosa o ônus de provar, de forma induvidosa, que o acusado tinha prévio conhecimento da origem ilícita do bem receptado é exclusivo da acusação, não se podendo conceber, em um sistema acusatório, que o réu tenha que provar o seu álibi, já que no processo penal brasileiro o estado de inocência é reconhecido constitucionalmente, não se podendo exigir que o acusado prove sua inocência, mas sim o contrário, de que quem acusa prove que a pessoa acusada é culpada. E tais provas devem ser irrefutáveis, inequívocas, não podendo ficar em sede de indícios ou ilações retiradas do subjetivismo de quem investiga ou acusa.

Diante deste...

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