Acórdão nº 50009181120218210037 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50009181120218210037
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002354707
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000918-11.2021.8.21.0037/RS

TIPO DE AÇÃO: Auxílio-Acidente (Art. 86)

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: EDERSON DA SILVA GARCIA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra sentença (evento 31 do processo originário) que, nos autos da ação movida por EDERSON DA SILVA GARCIA, julgou procedente o pedido inicialmente formulado, nos termos do seguinte dispositivo:

“[...] Pelo exposto, na forma do art. 487, I do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a ação ajuizada por Ederson da Silva Garcia em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, para:

a) determinar ao réu a concessão, em favor do autor, do benefício de auxílio-acidente (art. 86 da Lei 8.213/91), desde o dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença (precisamente, a partir de 16/08/2012), conforme fundamentação supra;

b) condenar o réu ao pagamento das parcelas vencidas, que deverão ser quitadas de uma única vez, observada a prescrição quinquenal, ou seja, tendo como marco inicial do pagamento o dia 09/02/2016;

b.1) quanto à correção monetária, deve ser observado o INPC a partir da data de entrada em vigor da Lei nº 11.430/2006 (27/12/2006);

b.2) em relação aos juros de mora, estes incidem desde a citação pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicáveis às cadernetas de poupança (art.1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Isento o INSS do pagamento da taxa única (art. 5°, inc. I da Lei n° 14634/2014). Condeno-o ao pagamento integral das despesas processuais (arts. 14 e 16 da Lei n° 14634/2014).

Caso a parte vencedora tenha antecipado taxa única e despesas, o ente público deverá reembolsar estes valores da seguinte forma (Lei n° 14.634/2014, art. 5º, parágrafo único, parte final):

a) com correção pelo IPCA-E (admitida a deflação, preservado o valor nominal, conforme o Tema n° 678 do STJ) a contar da data de cada desembolso;

b) com juros moratórios à taxa aplicada à caderneta de poupança (art. 12, inc. II da Lei Federal n° 8.177/1991), a contar do trânsito em julgado desta decisão.

Outrossim, condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte autora, que ora fixo em 10% sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, §3°, I do Código de Processo Civil, considerando, para tanto, o trabalho realizado, o tempo de tramitação do feito e a média complexidade da demanda.

Publicação e registro eletrônicos. Agenda intimação das partes pelo sistema."

[sic]

Em suas razões recursais, a autarquia apelante sustenta, em apertada síntese, que é caso de observância da regra de prescrição constante do artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, com consequente extinção da ação com base no artigo 487, inciso II, do vigente Código de Processo Civil. Afirma que decorreu mais de um quinquênio entre as datas de indeferimento administrativo do benefício e de propositura da ação judicial, de modo que extinta, pela prescrição, a pretensão do segurado de questionar o ato da Administração Previdenciária perante o Poder Judiciário. Cita doutrina e jurisprudência e pede, ao final, o recebimento e o provimento do apelo.

Sobrevieram contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça, por sua vez, opinou pelo desprovimento da apelação interposta.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o sucinto relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso reúne condições de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Impende registrar, de antemão, a minha compreensão de que a nova normatização do duplo grau obrigatório de jurisdição é suficientemente clara quanto à dispensa da remessa oficial nos casos em que a sentença for impugnada mediante recurso voluntário da Fazenda Pública.

Ora, é de conhecimento geral que não se presumem, na lei, palavras inúteis. Recomenda a boa hermenêutica, efetivamente, que todas as palavras, expressões, locuções e orações empregadas em textos normativos devem ser compreendidas, sempre que possível, com a sua devida utilidade e eficácia, em conformidade com a velha máxima segundo a qual verba cum effectu sunt accipienda.

Sob tal perspectiva, é preciso reconhecer que expressões e termos introduzidos em legislações revogadoras – seja mediante substituição de uma palavra, frase ou período anteriormente positivado na norma, seja mediante acréscimo de uma ou mais expressões que não constavam do texto revogado – ganham especial relevo quando se busca interpretar determinada regra a partir da nova redação que lhe foi conferida.

E dúvida não há, nesse passo, de que o Código de Processo Civil de 2015 constitui um dos exemplos mais atuais da legislação nacional em que as diversas mutações implementadas no respectivo texto normativo devem ser analisadas eficaz e criteriosamente, à luz do próprio espírito de transformação estrutural do processo que a codificação nova buscou infundir nos seus intérpretes e aplicadores.

No caso do reexame necessário, observam-se relevantes mudanças em sua disciplina normativa no âmbito do novo Código, cabendo destacar, nesta específica análise, a expressa eliminação do seu cabimento quando identificada a interposição de recurso voluntário pela Fazenda Pública sucumbente.

Repare-se que a alteração operada na redação do artigo 475, § 1º, do velho CPC, embora seja aparentemente sutil, materializa o intuito inequívoco do legislador de extinguir a possibilidade de trâmite conjunto da remessa oficial com apelações voluntariamente interpostas por entes fazendários.

Com efeito, assim dispunha a norma revogada:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (Grifei)

Deveras, o excerto acima grifado não abria margem para dúvidas interpretativas, pois nele se determinava, com clareza, que a remessa dos autos era impositiva independentemente de apelação voluntariamente interposta. Vale dizer: no regime anterior, houvesse ou não apelação do ente público vencido, deviam os autos ser sempre remetidos ao Tribunal para reapreciação da lide quando configurada uma das hipóteses legais do reexame necessário.

A regra correspondente no novo Código, entretanto, suprimiu o fragmento textual acima destacado, com sua consequente substituição por trecho de significação substancialmente diferente (cuja inserção, a toda a evidência, não pode ser concebida como vã). Veja-se:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. (Grifei)

Como dito, a modificação textual acima sublinhada revela o propósito claro do legislador de limitar a incidência do duplo grau obrigatório aos casos em que a Fazenda Pública deixa de recorrer voluntariamente da sentença. Deve-se apreendê-la, a valer, em sentido condicional, com a conseqüente inferência de que o juiz só deve ordenar a remessa oficial dos autos se não houver interposição de apelação no prazo legal, isto é, desde que não sobrevenha apelo tempestivo da pessoa jurídica de direito público.

A meu sentir, a inovação em comento é bastante compreensível se considerarmos o atual estágio de estruturação e desenvolvimento dos sistemas de representação judicial das Fazendas Públicas. Como cediço, as pessoas de direito público dispõem, nos dias de hoje, de aparato material e humano suficientemente capaz de assegurar a defesa judicial de seus direitos e interesses por meio da atuação exclusiva de advogados públicos.

Nesse contexto, é bem de ver que o reexame necessário de sentenças proferidas contra entes públicos representados por profissionais especializados e organizados em carreira não mais se justifica – na sistemática e conjuntura atuais – quando interposta apelação pela Fazenda Pública, uma vez que a tutela judicial dos interesses fazendários não padece, hodiernamente, de deficiências estruturais relevantes que sejam capazes de legitimar a coexistência de dois mecanismos de proteção – no caso, a presença constante do reexame necessário ao lado de apelações interpostas por procuradores que, em regra, possuem o dever funcional de promover (em todos os graus de jurisdição) a defesa judicial das Fazendas a que se vinculam.

Por conseguinte, entendo que o novo CPC considera descabida a sobreposição de duas medidas indutoras da reapreciação da sentença sempre que a Fazenda Pública recorrer voluntariamente da decisão (devolvendo, com isso, o exame da controvérsia ao Tribunal competente). Por sua vez, a impugnação recursal de apenas parte da decisão pelo patrono da Fazenda corresponde, no ordenamento vigente, à aceitação tácita dos demais capítulos do pronunciamento recorrido, evidenciando, assim, uma renúncia implícita do ente público ao seu direito de impugnar o restante da sentença em grau recursal.

É nesse sentido, por sinal, que a doutrina especializada vem assentando o seu posicionamento em torno da temática sob enfoque, conforme abalizada preleção que reproduzo, abaixo, para contribuir com a compreensão da matéria, ad litteris et verbis:

A novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não...

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