Acórdão nº 50009306620148210038 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 01-12-2022

Data de Julgamento01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50009306620148210038
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002865369
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000930-66.2014.8.21.0038/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: CLAISON ANDRIUS SUELO VIEIRA (ACUSADO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

1. O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de Claison Andrius Suelo Vieira, dando-o como incurso nas sanções do artigo 15 da Lei n.º 10.826/03, c/c o 61 inciso I do Código Penal, pela prática de fato delituoso assim narrado:

"No dia 25 de abril de 2014, por volta das 02h40min, na Rua Pedro Zambam, nº 823, em Monte Alegre dos Campos/RS o denunciado CLAISON ANDRIUS SUELO VIEIRA disparou arma de fogo em lugar habilitado e em direção à via pública.

Na ocasião, após desentender-se com vizinhos, o denunciado passou a efetuar disparos de armas de fogo em direção à Avenida Silvestre Pelissari.

O denunciado é reincidente (Processo nº 010/2.07.0000401-7, fl. 28/IP), bem como responde o Processo nº 010/2.10.0021813-6, por porte ilegal de arma."

A denúncia foi recebida em 20.10.2014 (fl. 40, evento 3, PROCJUDIC1).

Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença julgando procedente a pretensão acusatória, para condenar Claison Andrius Suelo Vieira, como incurso nas sanções do artigo 15 da Lei n.º 10.826/03, c/c o 61 inciso I do Código Penal, às penas de 02 anos e 06 meses de reclusão, no regime semiaberto, e de 10 dias-multa (fls. 07/11, evento 3, PROCJUDIC3).

A sentença foi publicada em 30.07.2018 (fl. 12, evento 3, PROCJUDIC3).

Nas razões, sustenta, em preliminar, inconstitucionalidade dos delitos de perigo abstrato e atipicidade da conduta por ausência de lesividade. No mérito, alegando insuficiência probatória, pugna por absolvição. Subsidiariamente, requer redimensionamento da pena, postulando fixação da base no patamar mínimo legal, e isenção da pena de multa (fls. 14/22, evento 3, PROCJUDIC3).

O recurso foi contrarrazoado (fls. 25/37, evento 3, PROCJUDIC3).

Em parecer, o Dr. Procurador de Justiça se manifesta pelo improvimento do recurso defensivo (evento 7, PARECER1).

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. Em prefacial, a defesa alega inconstitucionalidade dos delitos de perigo abstrato e atipicidade da conduta por ausência de lesividade.

Sem razão.

Destaco que o delito em análise se trata de crime de perigo abstrato, cuja norma objetiva prevenir a ocorrência de outros ilícitos.

O tipo penal em tela não exige que o agente pretenda praticar algum crime com a arma, bastando que incorra numa das condutas tipificadas no dispositivo denunciado.

Por isso, tal crime é considerado como de mera conduta, ou seja, não exige nenhum resultado fático para sua consumação. Aliás, o escopo do legislador, ao tipificar as condutas relativas às armas de fogo, foi o de garantir proteção contra ofensa à incolumidade pública, a qual, nos termos da lei, é presumida1.

Nesses crimes, o legislador tipifica um agir que, por si só, representa alta potencialidade danosa à sociedade, e o reprova, não exigindo qualquer resultado para sua configuração.

Não protegem diretamente a vida, mas, sim, a incolumidade pública, independendo, portanto, da demonstração efetiva de ocorrência de perigo à coletividade.

Não há, assim, qualquer inconstitucionalidade a ser declarada, assim como se verifica, por exemplo, relativamente aos delitos de porte de entorpecente.

Outrossim, de acordo com a Súmula Vinculante nº 102 da Corte Suprema, que consolidou o princípio da reserva de plenário, instituído no artigo 97 da Constituição Federal, não seria possível a esta Câmara Criminal declarar a inconstitucionalidade do artigo 15 da Lei n.º 10.826/03, por descaber a um órgão fracionário dos Tribunais afastar a incidência, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo.

No ponto, trago, ainda, decisão da Excelentíssima Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos, quando do julgamento, pela Colenda 3ª Câmara Criminal desta Corte, da apelação crime nº 70029523222, na sessão do dia 18.06.2009. Assim se manifestou Sua Excelência:

“A Lei tutela a incolumidade pública, a segurança coletiva, estabelecendo penas proporcionais ao bem jurídico que busca proteger e garantir. O Estado, objetivando tutelar o interesse coletivo, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, como valores supremos, garantidos pela Carta Política de 1988, através do legislador pretendeu punir de forma mais rigorosa, o cidadão comum que pretendesse armar-se, ameaçando com isto a incolumidade pública. E não há inconstitucionalidade no exercício de sua função legislativa. O agravamento das penas cominadas na Lei 10.826/03 em comparação às Contravenções (artigo 19) e à Lei 9.437/97, buscou atender o interesse em punir mais severamente, aqueles que circulam, portam ou propagam o comércio de armas. Toda a severidade dos dispositivos, é verdade, justificava-se com maior propriedade, caso tivesse sido aprovado o Referendum de 2005, que proibia a comercialização de armas, mas rejeitado este, não significa que a punição de condutas normativas, comportamentais, delitos de perigo sejam inconstitucionais, pois como se disse, cabe ao Estado o poder regulatório, disciplinar da conduta dos cidadãos, a fim de assegurar a segurança da coletividade e neste se insere a Lei 10.826/03.”

Além disso, vale lembrar que o STF, ao julgar a ADIN nº 3.112-1, relativa à Lei de Armas, declarou como inconstitucionais, tão-somente, os parágrafos únicos dos seus artigos 14 e 15, bem como seu artigo 21.

Nada há de inconstitucional, portanto, em suas demais previsões e determinações.

3. No mérito, o pleito absolutório não merece acolhida.

A prática do delito veio comprovada pelo boletim de ocorrência das fls. 06/07, laudo pericial das fls. 08/11, mandado de busca e apreensão das fls. 19/21 (evento 3, PROCJUDIC1), assim como pela prova oral produzida, cuja síntese adoto do decidir combatido, in verbis:

"A vítima Domingo de Melo Viana confirmou que visualizou o réu efetuar disparos com arma de fogo (fl. 63).

“(…) Juíza: Pelo MP. Ministério Público: Tudo bem, seu Domingo? Vítima: Tudo bem. Ministério Público: (Lida a denúncia). O que aconteceu nesse dia, o senhor lembra? Vítima: Sim, ele me desafiou, a gente estava muito cansado, que a gente viaja né, eu cheguei e ele mandou que eu saísse para fora e daí eu não saí, porque não tinha motivo de eu sair, que daí ia dar coisa pior. Daí ele disparou para o nascente, que eu vi e escutei umas duas vezes, atirou para lá com a arma de fogo e depois eu procurei os meus direitos. Ministério Público: Mas o senhor e ele tinham alguma desavença antes ou não? Vítima: Não, um amigo dele trouxe ele para lá, que ele era um cara fugitivo de Caxias, daí o parente dele trouxe ele para ele deixar um pouco a vida lá, mas ele piorou. Ministério Público: Ele veio trabalhar ali em Monte Alegre? Vítima: Não, Ministério Público: Só veio parar ali? Vítima: Só veio parar. Ministério Público: E depois desse fato, o senhor teve contado com ele? Vítima: Na verdade, o senhor que trouxe ele se mudou… Ministério Público: Levou ele embora? Vítima: Levou ele embora para Caxias, segundo me disseram, até um amigo meu que é vereador que é o que controla a propriedade deles e disse que já não existe mais. Ministério Público: O senhor estava dentro da casa então? Vítima: Sim, estava dentro da minha casa. Ministério Público: O senhor enxergou ele com a arma na mão atirando? Vítima: Sim, Ministério Público: Dava para ver? Vítima: Dava para ver. Ministério Público: Tinha mais gente na rua ali? Vítima: Não tinha, porque era um fundo, eu morava em uma casa que tinha muito barulho na frente da casa, então para mim descansar eu tinha outra casa nos fundos, onde eu ia descansar, não tinha barulho nenhum. Ministério Público: Não tinha barulho nenhum? Vítima: É, daí esse senhor que trouxe ele fez uma casa do lado da minha. Ministério Público: Só tinha as duas casas ali? Vítima: Só as duas. Ministério Público: O senhor enxergou ele pela janela, como que foi? Vítima: Ele saiu na área. Ministério Público: Na área? Vítima: É. Ministério Público: E essa pessoa Maria Cecilia Poletto Guerra, quem é? Vítima: A minha esposa. Ministério Público: Além do senhor e da sua esposa, quem mais estava por ali? Vítima: Dentro da minha casa estava só eu e ela. Ministério Público: E ela também teria visto esse senhor atirando? Vítima: Sim. Ministério Público: Certo. Nada mais. Juíza: O que o senhor falou que não existe mais, seu Domingo? Vítima: Ouvi falar que esse rapaz não existe mais. Juíza: Ele faleceu, o Claison? Vítima: Isso, me disseram, que ele era usuário de drogas. Juíza: Certo. Pela Defesa. Defesa: Nada mais. Juíza: Nada mais.” Sem grifo no original.

A vítima Maria Cecilia Poleto Guerra Viana disse (fl. 64): “(…) Ministério Público: Tudo bem, Dona Maria? Vítima: Tudo bem...

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