Acórdão nº 50009356520198210086 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50009356520198210086
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002188719
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM Apelação Cível Nº 5000935-65.2019.8.21.0086/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

EMBARGANTE: NAIDA DE FREITAS OTTO (AUTOR)

RELATÓRIO

NAIDA DE FREITAS OTTO, como demandante e apelante, opõe embargos de declaração ao acórdão dos Eventos 67 e 69 do 2º Grau, no qual a Câmara, por maioria, em julgamento estendido na forma do art. 942 do CPC, negou provimento à apelação que interpusera à sentença que julgara improcedente a ação de usucapião proposta a COOPERATIVA HABITACIONAL SÃO LUIZ LTDA. e HABITASUL DESENVOLVIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A.

Em seus embargos de declaração, a demandante alega que a decisão colegiada embargada foi omissa, contraditória e obscura: a) houve omissão quanto à questão preliminar recursal de cerceamento de defesa, que se reitera, diante da necessidade de realização de prova testemunhal e, por consequência, da impossibilidade de julgamento antecipado do mérito; b) houve omissão no que toca à proteção do direito fundamental à moradia previsto no art. 6º, caput, da CF; c) houve omissão concernente à transmutação do caráter da posse; d) houve omissões acerca dos argumentos expressados no parecer do MP, no sentido de que a oposição apta a impedir o usucapião deve ser direcionada diretamente ao possuidor, de que a anotação da hipoteca na matrícula não configura impedimento à prescrição aquisitiva, de que não se conclui pelo óbice apontado na sentença, merecendo destaque o fato de a União ter manifestado desinteresse no feito, e de que o processo não está pronto para julgamento, pois não realizada audiência de instrução para oitiva de testemunhas, prova que foi requerida; e) houve contradições, considerando que a execução movida pelo credor hipotecário não representa oposição eficaz à posse, que, apesar do julgamento de improcedência dos embargos de terceiro opostos pela demandante à execução hipotecária, a sentença foi anulada, que a ação de reintegração de posse da cooperativa proprietária não foi movida à embargante, tendo sido extinta pela desistência, e que a execução hipotecária não caracteriza oposição contra a posse de terceiros, o mesmo valendo para os embargos do devedor apresentados como respectivo meio defensivo; e f) houve omissão, contradição e obscuridade quanto à conclusão dos embargos de terceiro como elemento caracterizador de oposição à posse, uma vez que o reconhecimento de fato juridicamente inexistente é ineficaz, isto é, a anulação do julgamento de improcedência torna o ato jurídico inexistente, não sendo capaz de produzir qualquer efeito. Postula, assim, o acolhimento com efeito infringente (Evento 83 do 2º Grau).

O recurso foi contrarrazoado (Evento 91 do 2º Grau).

É o relatório.

VOTO

O meu voto é pelo desacolhimento dos embargos declaratórios.

O voto do Relator, que integra o acórdão, circunstanciou com exatidão, e são as circunstâncias determinantes do julgamento, que assim se sintetizam:

[...]

O caso e as suas circunstâncias objetivam mais uma vez a questão da oponibilidade da hipoteca ao usucapião, ou vice-versa, que, em caráter geral, a maioria da Câmara e do Grupo faz uma espécia de tábula rasa no sentido de que prevalece sempre o usucapião, enquanto reafirmo meu entendimento de que é preciso examinar as circunstâncias de caso em caso, assim, sem divergir da orientação da maioria quando é o caso, observo que as circunstâncias atuais não justificam o usucapião, na medida da avaliação das circunstâncias entre os casos.

Com estas observações estou ressalvando tanto a posição da maioria como a minha posição pessoal, e reafirmo que as circunstâncias individuais não permitem a incidência da orientação da maioria, de modo que o meu voto, fundamentado nas circunstâncias, distingue-se das circunstâncias dos julgamentos anteriores.

Essencialmente, o imóvel usucapiendo já era objeto de execução hipotecária desde antes do início do exercício da posse por parte da demandante, que detinha plena ciência quanto ao trâmite de tal ação judicial, por ter sido parte de embargos de terceiro posteriores, que se referiam à execução hipotecária e que foram julgados improcedentes. Houve, também, reintegração de posse da cooperativa proprietária e devedora hipotecária aos ocupantes, na qual a cooperativa desistiu, muito provavelmente porque lhe era mais favorável manter a ocupação do que pagar o débito garantido pela hipoteca do imóvel usucapiendo, tendo a credora hipotecária tentado - sem sucesso - intervir como assistente litisconsorcial. A credora hipotecária apelou ao Tribunal para o julgamento da ação de reintegração de posse, o que caracteriza oposição à posse e exercício do direito do credor, mesmo que se tenha homologado a desistência. Concomitantemente, houve embargos de terceiro dos ocupantes à credora hipotecária julgados improcedentes, mais uma demonstração de oposição à posse que não é pacífica, o que, aliado à execução hipotecária, anterior a tudo isto, são três processos judiciais que caracterizam a oposição à posse.

Há julgado em sentido oposto em ação de usucapião versante sobre outro lote do mesmo empreendimento (apelação n.º 70083616177), mas lá, em cujo acórdão igualmente ressalvei meu posicionamento frente ao da Câmara, preferi seguir o entendimento da Câmara à vista de circunstâncias que aqui estão mais bem apuradas e distinguidas, como reconstituí. Aqui, diferentemente de lá, houve a demonstração de que a parte demandante foi parte dos embargos de terceiro opostos pela coletividade de ocupantes dos lotes à credora hipotecária, aliado à anterioridade da execução.

Uma situação corresponde à circunstância de o credor hipotecário deixar de executar, situação jurídica distinta de quando executa a hipoteca, em situação diretamente oponível à usucapiente, como se demonstra pelo ajuizamento dos embargos de terceiro à credora hipotecária, julgados improcedentes. Interpreta-se de um modo quando existe decisão judicial; intertpreta-se de outro modo quando não existe decisão judicial.

Assim, reconstituo que a presente ação promovida por NAIDA DE FREITAS OTTO visa ao reconhecimento do usucapião do artigo 1.238, parágrafo único, do Código Civil quanto ao imóvel da Matrícula n.º 12.095 do Registro de Imóveis de Cachoeirinha, com área de 300m², situado à Rua Dona Palmira, n.º 159, dentro do denominado Loteamento Granja Esperança.

O imóvel é de propriedade da codemandada COOPERATIVA HABITACIONAL SÃO LUIZ LTDA. desde 1984, conforme o registro de compra e venda constante da matrícula (R-1/12.095), tendo tal negócio sido perfectibilizado mediante dois financiamentos garantidos por hipoteca constituída à codemandada HABITASUL DESENVOLVIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A (R-2/12.095) - Evento 1, Matrícula de Imóvel 7, dos autos de 1º Grau.

O relato das partes indica que o Loteamento Granja Esperança foi invadido em meados de 1986 ou 1987 e a parte demandante alega posse desde 1998, embora se evidencie ato como possuidora desde 1993.

Desde 1992 até os dias atuais, pende a execução hipotecária da HABITASUL à COOPERATIVA SÃO LUIZ (numerações antigas: 8257-793 e 086/1.04.0001126-2) - Evento 25, Outros 3, dos autos de 1º Grau. O processo foi recentemente digitalizado ao Eproc (n.º 50000057220048210086).

Os moradores do loteamento organizaram-se e, em 1993, opuseram os embargos de terceiro n.º 96.0010613-4 à execução hipotecária, com trâmite na Justiça Federal da 4ª Região. Há prova de procuração outorgada por NAIDA especificamente para tal finalidade (Evento 25, Outros 1 e 2, dos autos de 1º Grau).

A hipoteca, como direito real regularmente registrado, é oponível a quem quer que seja, a toda a coletividade, inclusive à possuidora e pretensa usucapiente, com maioria de razão quando caracterizada sua ciência inequívoca quanto à execução hipotecária mediante a oposição dos embargos de terceiro.

Não há usucapião ou, havendo, pode conciliar-se com a hipoteca e permitir ao credor o exercício do direito de excutir, um dos dois direitos básicos referentes à hipoteca que será paga pelo usucapiente, hipoteca que só se extingue pelo usucapião se houver circunstâncias oponíveis ao credor hipotecário, como, exemplificativamente, a prescrição da pretensão do credor hipotecário, diferente da prescrição que o usucapião representa. Com enorme respeito, considero incompleto o pensamento jurídico de que o usucapião vem a ser um modo de aquisição originário e, por isto mesmo, extingue outro direito sobre o mesmo bem imóvel.

O usucapião não necessariamente extingue a hipoteca, depende das circunstâncias, pode mesmo haver usucapião da propriedade e persistir a...

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