Acórdão nº 50009623120188210006 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50009623120188210006
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002119109
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000962-31.2018.8.21.0006/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: VINICIUS SCHMIDT FERREIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional movida por VINÍCIUS SCHMIDT FERREIRA, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 3 - PROCJUDIC1, fls. 38 - 47):

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos na ação proposta por VINÍCIUS SCHMIDT FERREIRA em face de BANCO OMNI S/A, para:

a) REDUZIR a taxa de juros remuneratórios para 21,53% ao ano, correspondente à taxa média divulgada pelo Banco Central para o período da contratação;

b) AFASTAR a mora;

c) VEDAR a inclusão do nome do Autor em cadastros restritivos de crédito, bem como determinar seja mantido na posse do bem objeto do contrato, tudo condicionada à regularidade dos depósitos;

d) PERMITIR a compensação/repetição de valores na forma simples, em sendo o caso. Em caso de repetição, os valores deverão ser atualizados pelo IGP-M, bem como contar com a inclusão de juros de mora no percentual de 1% ao mês, ambos a contar do pagamento a maior.

Condeno a Ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, que fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, devidamente atualizado, também consoante previsão do artigo 85, §§ 2º e 8º, do CPC.

Em suas razões recursais alegou o descabimento da pretensão revisional com base no Código de Defesa do Consumidor. Preliminarmente, asseverou que o autor tem capacidade financeira de arcar com as despesas do processo e os honorários advocatícios sucumbenciais, devendo ser revogado o benefício da gratuidade judiciária. Sustentou que os juros remuneratórios não podem ser limitados, que não é caso de descaracterização da mora e que não é caso de permitir a compensação e a repetição de indébito. Requereu a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido revisional. Pugnou pelo provimento do apelo.

O consumidor não apresentou contrarrazões ao recurso.

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (nº1.01018.0000601.18) foi firmado em 09/04/2018, no valor de R$8.168,13, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 5,18% ao mês e de 83,32% ao ano sobre o valor financiado (evento 3 - PROCJUDIC1, fls. 12 - 13).

QUESTÃO PRELIMINAR

GRATUIDADE JUDICIÁRIA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO. DESCABIMENTO.

Nos termos do que dispõe o caput do art. 98 do novo Código de Processo Civil, terá direito à gratuidade judiciária a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Art. 99, §3º CPC. Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

Todavia, a declaração de pobreza não gera presunção absoluta da condição de necessitado do postulante, constituindo-se presunção iuris tantum, capaz de ser afastada caso o requerente da gratuidade judiciária não comprove a sua hipossuficiência econômica, quando instado a tanto, ou quando os elementos constantes dos autos demonstrem a incompatibilidade da alegação.

A respeito, Nélson Nery Júnior leciona que (...) A declaração pura e simples do interessado, conquanto seja o único entrave burocrático que se exige para liberar o magistrado para decidir em favor do peticionário, não é prova inequívoca daquilo que ele afirma, nem obriga o juiz a se curvar aos dizeres se de outras provas e circunstâncias ficar evidenciado que o conceito de pobreza que a parte invoca não é aquele que justifica a concessão do privilégio. Cabe ao magistrado, livremente, fazer juízo de valor acerca do conceito do termo pobreza, deferindo ou não o benefício.” NERY JÚNIOR, Nelson et al. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. p.477.

Ocorre que à vista dos elementos coligidos foi deferido o benefício da gratuidade judiciária ao requerente no curso do feito e, por outro lado, o pedido de revogação formulado no recurso da instituição financeira é genérico e sem a demonstração segura e robusta de que o beneficiário tem capacidade econômica de suportar as custas e despesas processuais sem comprometer o seu sustento.

Diante do exposto, vai indeferido o pedido de revogação da gratuidade judiciária concedida ao consumidor.

Feitas essas considerações preliminares, passo ao enfrentamento dos demais pontos devolvidos no recurso.

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ”

Portanto, considerando o contexto narrado e a legislação aplicável, se constata que na modalidade contratual firmada entre as partes incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, é admissível o pedido do consumidor de revisão das cláusulas entendidas como abusivas, de acordo com o art. 6º, inciso V, do CDC.

Todavia, importante destacar que o reconhecimento da aplicação das diretrizes previstas no Código de Defesa do Consumidor ao contrato revisando, por si só, não asseguram a procedência dos pedidos formulados pelo consumidor, tendo em vista que na apreciação do caso concreto se demonstrará eventual cobrança abusiva passível de revisão.

TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS

A discussão atinente à fixação de limites de juros remuneratórios, devidos pelo “custo” do capital financiado e pelo risco inerente à operação, a ser suportado pelo consumidor, encontra no revogado Código Civil de 1916 o seu ponto de partida.

O art. 1.262, “segunda parte”, liberava completamente a sua fixação nos contratos de mútuo, desde que houvesse pactuação por escrito, já que não se admitia, àquela época, juros remuneratórios não pactuados.

O limite previsto nos arts. 1.062 e 1.063 dizia respeito apenas aos juros moratórios, e ainda assim, apenas para a hipótese de não haver convenção em contrário ou, havendo esta, não ter...

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