Acórdão nº 50009627320208210034 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50009627320208210034
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001889183
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000962-73.2020.8.21.0034/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ELISABETE CORREA HOEVELER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ALICE MARIAN GARCIA contra sentença que julgou, respectivamente, procedentes e improcedentes os pedidos da ação de busca e apreensão e da reconvenção, nos feitos onde litiga com COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO SERRO AZUL - SICREDI UNIAO RS.

Nas suas razões de apelação (Evento 97) a fiduciante sustentou a irregularidade da notificação extrajudicial, pois não constou expressamente a parcela vencida e o valor do débito. Discorreu sobre a abusividade da taxa dos juros remuneratórios, bem como da capitalização e da tabela price. Argumentou sobre a ilegalidade das tarifas administrativas pactuadas, quais sejam, TAC, Tarifa de registro e serviços de terceiros, bem como despesas de cobrança e honorários extrajudiciais. Requereu a compensação de valores e a repetição do indébito. Propugnou pelo deferimento das tutelas antecipatórias. Sustentou que a existência de encargos excessivos enseja a fragilização da mora. Postulou o provimento do recurso.

A parte recorrida apresentou contrarrazões (Evento 102).

Subiram os autos à Corte.

Vieram conclusos.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo o presente recurso.

DA RECONVENÇÃO

DO CONTRATO

Cuida-se da Cédula de Crédito Bancário n. B81422472-3, garantida por cláusula de alienação fiduciária, firmada pelas partes em 10 de julho de 2018 (evento 1, doc. 4).

JUROS REMUNERATÓRIOS

Os juros remuneratórios são devidos como compensação ao mutuante pela disposição do dinheiro ao mutuário, sendo lícita a sua incidência. A discussão, pois, diz respeito ao limite de tais juros e sua abusividade, ou não.

O Sistema Financeiro Nacional (SFN) tem como regra a não aplicação das restrições da Lei da Usura (Decreto nº 22.626 de 1933), em se tratando de instituições financeiras, não as sujeitando, pois, à limitação dos juros remuneratórios. Ademais, o §3º do artigo 192 da Constituição Federal, que dispunha sobre a limitação dos juros, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29/05/2003.

A jurisprudência, com o tempo, encaminhou-se, maciçamente, pela livre pactuação, com restrições pontuais em casos de prova inarredável de abusividade (Resp nº 915.572/RS). Nesse sentido a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

E mais recentemente, o REsp nº 1.061.530/RS - julgado de acordo com o rito dos recursos repetitivos - consolidou o posicionamento no sentido de que a taxa de juros remuneratórios somente se caracteriza como abusiva quando significativamente destoante da média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) à época da contratação.

Na sedimentação sobre o critério a ser adotado, por seu turno, também indicou o egrégio tribunal superior que a análise deve ocorrer de forma casuística.

Assim aquilatadas as diretrizes supra - e revendo meu posicionamento anterior sobre o tema - entendo que no caso dos autos são regulares os juros remuneratórios pactuados (27,42% ao ano), porquanto não ultrapassam o dobro da taxa média de mercado estabelecida pelo BACEN para a data da contratação (22,34%1, em julho/2018), critério esse que vem sendo amplamente aceito pelo STJ.

CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS

Quanto a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual, o RESp 973.827/RS fixou tese, com os efeitos do artigo 543-C do antigo CPC, admitindo-a, respeitados os seguintes requisitos:

a) pactuação expressa entre as partes envolvidas no negócio jurídico;

b) celebração do contrato após a edição da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30.03.2000, reeditada sob o nº 2.170-36, de 23.08.2001.

Nesse sentido, ainda, a jurisprudência que segue:

Acerca da taxa de juros capitalizados, a Segunda Seção adotou, para os efeitos do art. 543-C do CPC, o entendimento de que "A capitalização de juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (2ªSeção, REsp 973.827/RS, acórdão de minha relatoria, DJe de 24.9.2012). No caso dos autos, houve previsão de taxa mensal de 2,80% e de taxa efetiva anual de 39,25% (fl. 146). Dessa forma, legítima a cobrança da taxa efetiva anual de juros remuneratórios, tal como convencionada.

Em face do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço em parte do recurso e, nessa extensão, a ele dou parcial provimento, para que sejam observados os juros remuneratórios nas taxas mensal e anual efetiva, como pactuados, excluído o IGP-M acrescido de ofício para a fase de adimplência. Os juros remuneratórios, no período da inadimplência, serão calculados conforme o enunciado 296 da Súmula do STJ. Diante da sucumbência recíproca, na forma do art. 21, caput, do CPC, arcarão as partes com os honorários de seus advogados. RECURSO ESPECIAL Nº 1.220.512 - RS (2010/0207169-7). Rel. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI. DATA DA PUBLICAÇÃO: 02/04/2013 (negritei)

Tal entendimento foi consolidado na Súmula n.539 do egrégio STJ: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada”.

Dessa forma, considerando-se que o contrato prevê expressamente a capitalização (cláusula "encargos") e foi celebrado em data posterior à vigência da referida MP, permite-se a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, não havendo ilegalidade a corrigir.

TABELA PRICE

Quanto à utilização de amortização pelo Sistema Price, verifica-se a variação dos percentuais amortizados do valor principal e dos juros em cada pagamento efetuado, sem que haja alteração no valor das parcelas. Como os juros são calculados em cada parcela, ocorre a incidência de juros sobre juros. Entretanto, admitida a capitalização dos juros no contrato, não há ilegalidade quanto à adoção do Sistema Price de Amortização.

Nesse sentido é a recente jurisprudência desta Corte, e.g.:

Ementa: APELAÇÃO CIVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO REVISIONAL. 1. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às operações de concessão de crédito e financiamento. Súmula n. 297 do STJ. 2. Possibilidade de incidência de capitalização mensal de juros após a edição da Medida Provisória nº 2.170/2001 e desde que expressamente pactuada no contrato. “A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada” (Recurso Especial n. 973827/RS, j. 27/06/2012). Inexiste óbice na aplicação da Tabela Price, conforme entendimento assente nesta Corte. [...] . RECURSO DO AUTOR IMPROVIDO. RECURSO DA PARTE RÉ PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70084045574, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em: 30-07-2020)

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. Ao julgador somente é legítimo o indeferimento da benesse pleiteada caso haja nos autos elementos que evidenciem a falta de pressupostos legais para a concessão – art. 99, § 2º, do CPC. AJG mantida. Preliminar contrarrecursal rejeitada. DA TABELA PRICE. Na Tabela Price, o valor de cada prestação é formado por duas parcelas: uma delas é a devolução do principal ou parte dele, denominada amortização, e a outra parcela são os juros que representam o custo do empréstimo, ou seja, a remuneração do capital emprestado. A jurisprudência do STJ tem se posicionado no sentido da admissibilidade da utilização da Tabela Price. Precedentes. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL REJEITADA. APELO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70083602508, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Sbravati, Julgado em: 28-05-2020)

CARACTERIZAÇÃO DA MORA

A matéria da caracterização da mora já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o paradigma assentado no REsp. nº 1.061.530/RS, julgado em 22/10/2008, que assim dispôs:

I. Afasta a caracterização da mora:

(i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual.

II. Não afasta a caracterização da mora:

(i) o simples ajuizamento de ação revisional;

(ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação.

Ainda, mais recentemente, dito entendimento foi convalidado pela corte superior no Recurso Especial paradigma nº 1.639.320/SP, o qual fixou tese de que “a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora”.

Dessa forma, no caso concreto, a mora não resta afastada, pois não revisados os encargos da normalidade contratual.

TARIFA DE REGISTRO E POR SERVIÇOS DE TERCEIROS

Compulsando os elementos do contrato não é possível identificar a previsão de cobrança das tarifas em questão; não há, igualmente, qualquer demonstração, pelo reconvinte, de cobrança pelo reconvido a dito título. Assim, não se vislumbra interesse na arguição de irregularidade. Apelação cível não conhecida no ponto.

HONORÁRIOS EXTRAJUDICIAIS

Segundo copiosa jurisprudência desta Corte, é nula a cláusula contratual que prevê a cobrança de despesas e honorários advocatícios extrajudiciais em desfavor do consumidor, por claramente abusiva,...

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