Acórdão nº 50009686620138210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50009686620138210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002143748
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000968-66.2013.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: TARSO POLIPPO (AUTOR)

APELADO: SIGA RENT A CAR LOCADORA DE VEICULOS LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por TARSO POLIPPO contra a sentença que, nos autos da ação indenizatória por danos morais e materiais ajuizada em face de SIGA RENT A CAR LOCADORA DE VEICULOS LTDA, julgou improcedentes os pedidos deduzidos na exordial, condenando a parte autora ao pagamento as custas processuais na íntegra, suspensa exigibilidade por litigar sob amparo da gratuidade judiciária.

Em suas razões, a parte autora relata que que, mesmo efetuando pagamento do valor combinado a vista, não foi entregue pela apelada o Certificado de Registro e Licenciamento do exercício 2010/2011, nem o Recibo de Transferência do veículo objeto da lide em seu nome, mesmo tendo sido tais documentos solicitados várias vezes. Alega que teve prejuízos financeiros diante de tal fato, tendo em vista negócio com terceiro, havendo a perda da transação por desistência do comprador em razão da falta de documentos. Sustenta que para conseguir finalmente liberar a documentação, teve inclusive de pagar o IPVA do veículo adquirido referente ao ano 2010, pois essa foi a última exigência da apelada, eis que já que estava vencido o tributo, o qual, aliás, nem era de sua responsabilidade do apelante, pois havia adquirido o veículo em agosto de 2010, quando já estava vencido o referido imposto. Discorre sobre o abalo moral sofrido ao ficar até a data de 29/04/2011 sem a documentação do veículo referida, colacionando jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

Sem apresentação das contrarrazões pela parte ré revel, foram os autos remetidos a esta Corte e vieram a mim conclusos para julgamento.

Breve relato.

VOTO

Eminentes colegas.

Conheço do recursos, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Inicialmente, destaco que muito embora a parte demandada tenha sido considerada revel, importante registrar que os efeitos da revelia são relativos, consoante abalizado entendimento doutrinário e jurisprudencial, não induzindo, necessariamente, juízo de procedência, até porque o réu não está impedido de acompanhar a marcha processual e, se assim entender adequado, produzir prova.

Da mesma forma, compete ao magistrado analisar livremente a prova dos autos para a formação de seu convencimento, independentemente da aplicação dos efeitos da revelia.

No caso, observo que se trata de ação em que a parte autora reclama a indenização por danos morais e materiais em razão do atraso na entrega do Certificado de Registro e Licenciamento, bem como do recibo de transferência do veículo em seu nome, alegando que não pôde realizar a venda do veículo, nem utilizá-lo.

Ressalto que a matéria retratada nos autos versa sobre relação de consumo. Portanto, a responsabilidade da demandada é objetiva nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, restando à parte demandante tão somente a prova da existência do fato, do dano e do nexo causal, competindo à demandada, por outro lado, demonstrar que não houve o defeito na prestação do serviço e que a culpa foi exclusivamente da parte autora ou de terceiro (§ 3º, inciso I e II, do art. 14).

Na situação dos autos, muito respeitando as razões recursais, entendo que deve ser mantida a sentença que declarou a improcedência da pretensão inicial, uma vez que não demonstrados os prejuízos materiais e o abalo moral supostamente sofridos pela parte autora.

Em relação aos danos materiais, entendo que sem razão a parte recorrente. Na casuística, as provas produzidas nos autos foram bem examinadas pelo juízo a quo, razão pela qual transcrevo seus fundamentos a efeito de evitar tormentosa tautologia, verbis:

Ocorre que, já de início, a alegação de que ocorreu a frustração do negócio de venda do veículo GM S10 em questão com uma pessoa jurídica se mostrou completamente implausível.

Isso porque o próprio autor alegou, na petição inicial, que no dia 20/08/2010 teria adquirido tal veículo por R$28.200,00.

Em seguida alegou que, já no dia 31/08/2010, teria vendido tal automóvel para a empresa “JR Com. de Cim. E Concreto Ltda.”, de CNPJ 00.965.986/0001-04, pelo valor de R$48.856,00 (pg. 13, doc. 2, ev. 4).

Em seguida, narrou que o fato de a parte ré ter remetido a documentação do veículo com atraso provocou o desfazimento desse negócio, conforme o distrato anexado (pg. 14, doc. 2, ev. 4).

As incongruências dessa narrativa fática saltam aos olhos.

Já de início é possível constatar que nenhuma dessas transações veio acompanhada de comprovante de pagamento ou transferência de valor ou mercadorias.

Não veio comprovante de pagamento dos R$28.200,00 gastos na compra do automóvel.

Não veio comprovação do pagamento e da posterior devolução dos R$48.856,00 da venda/distrato, respectivamente.

Sequer pagamento/devolução parcial foi comprovada, seja em dinheiro ou seja na dação de material de construção, como aponta a Cláusula 2ª de tal contrato. Com efeito, o suposto contrato foi feito em 31/08/2010 com a entrega do veículo no ato, segundo o seu próprio texto. Por sua vez, o distrato foi realizado sete meses depois. Nesse sentido, mostra-se improvável que o autor não tivesse recebido, nesse período de sete meses, no qual a empresa já estava utilizando o veículo, ao menos parte do valor do negócio.

Apesar disso, conforme já mencionado, nenhuma comprovação de pagamento e devolução, total ou parcial, foi apresentada.

Também não se esclareceu por qual razão o veículo em questão lhe teria sido vendido, pela parte ré, por R$28.200,00 no dia 20/08/2010. Ora, segundo a Tabela Fipe, mencionada pelo próprio autor, o valor de mercado do veículo em questão, naquela data, era de exatamente R$48.856,00 (pg. 12, doc. 2, ev. 4). Por que a empresa ré teria aceitado vender o mesmo veículo por um preço aproximadamente 43% abaixo do preço de mercado?

Consequentemente, não foi esclarecido por qual razão a empresa compradora aceitou pagar por tal veículo o valor integral da mesma Tabela Fipe, R$48.856,00, quando sabedora de que, 10 dias antes, o mesmo veículo havia sido avaliado e vendido por R$28.200,00.

Por sua vez, as cópias de documentos de transferência apresentadas nas pgs. 19-21 do doc. 2 do evento 4 não corroboraram essa cadeia de transferências mencionada pela parte autora. Pelo contrário, a descaracterizaram.

Afora essas contradições, o fato de não ter havido reconhecimento de firmas em nenhum documento, ou seja, tanto no contrato quanto no distrato, não passou despercebido. O reconhecimento de firma, nesse tipo de negócio, tem função dupla, qual seja, atestar a semelhança ou autenticidade da assinatura das partes E comprovar a data da realização do negócio, na falta de outros documentos (comprovantes de pagamento, exatamente como neste caso).

Além disso, também nenhum dos instrumentos apresenta a assinatura do autor, o que alcança importância num contexto totalmente incomum como o ora ilustrado.

Essa circunstância, aliada à ausência de testemunhas instrumentais, bem como ausência de cópia do contrato social da empresa, a fim de se permitir verificar que a assinatura aposta é mesmo do representante da empresa, fez ruir a credibilidade dos próprios instrumentos.

Outrossim, consulta feita nesta data junto ao portal da Receita Federal do Brasil aponta o CNPJ de nº 00.965.986/0001-04, apontado como sendo o CNPJ da indigitada JR Com. de Cim. e Concreto Ltda., como inexistente. E consulta pelo nome do sócio indicado nos respectivos instrumentos (Roberto Solda Andreetta), apresenta esse como sócio de várias empresas de nome semelhante, mas nenhuma delas com o CNPJ nº 00.965.986/0001-04.

Todos esses elementos militaram contra a pretensão do autor.

Assim, não restou comprovada a alegada frustração da venda do veículo para terceiros, bem como a exigência de pagamento do IPVA vencido, ônus que incumbia à parte autora, a teor do disposto no artigo 373, inciso I, Código de Processo Civil.

E, em relação aos danos morais reclamados pela parte autora, como já referido, entendo que também não merece reparos a sentença, uma vez que, inobstante a situação enfrentada pela autora possa ter lhe causado certo transtorno, não se denota que, daí, tenha advindo lesão aos seus direitos da personalidade. Na realidade, tal situação constitui mero contratempo decorrente da vida cotidiana, que não se identifica com aquelas situações capazes de gerar dano...

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